1973: Golpe no Chile


11/09/2023


Por Letícia Simeão em Manchetempo

Em 11 de setembro de 1973, o presidente chileno Salvador Allende era destituído por um golpe militar. Liderado pelo general Augusto Pinochet, o regime ditatorial que se seguiu foi marcado pela extrema repressão, censura e violência, responsável por cerca de 3 mil mortes, 40 mil torturados e exílio de milhares de cidadãos chilenos, até acabar, após um plebiscito, em 1990.

Salvador Allende foi o presidente eleito em 1970 no Chile. Conhecido pelo seu viés socialista democrático, teve como pontos marcantes do seu governo as medidas de socialização da economia, como o projeto de reforma agrária, estatização dos bancos, minas de cobre e outras empresas. A política socialista de Allende gerava a insatisfação de grandes corporações que se viam ameaçadas e principalmente dos grupos da extrema-direita, que se organizavam na tentativa de promover o enfraquecimento do presidente.

Enquanto enfrentava uma crise econômica, os militares se fortaleciam com apoio de empresas multinacionais e do governo dos EUA. Foi Pinochet, comandante chefe do exército chileno, nomeado pelo próprio Allende, que esteve à frente do golpe. Em 11 de setembro, o palácio presidencial foi atacado por céu e terra. Allende, que estava no palácio no momento, cometeu suicídio.

Nesse período, o Brasil também vivia sob uma ditadura, então com Emílio Garrastazu Médici no comando, e sofria um período de extrema repressão e censura à imprensa. No dia do golpe no Chile, os jornais brasileiros receberam da Polícia Federal, à qual a censura estava submetida, a ordem de proibição de dar manchete e fotos na primeira página sobre o golpe ocorrido no Chile.

Alberto Dines, que chefiava o Jornal do Brasil na época, foi surpreendido pela censura. Em entrevista ao professor da UFF, João Batista de Abreu, em 1992, o então editor-chefe relembrou a tensão naquela noite.

Já tínhamos fechado o jornal e eu fui pra casa. (…) Eu ia deitar quando toca o telefone do jornal, com alguém dizendo que tinha chegado a Polícia Federal com uma ordem. O jornal estava com a manchete pronta sobre o Chile. O assunto era suficientemente importante para dar uma manchete. Aí o sujeito do plantão me disse: “olha, está aqui a Polícia Federal dizendo que não pode dar manchete. Então eu fui pro jornal e no caminho pensei: bom, não pode dar manchete, mas pode dar na primeira página. Eu vou fazer isso.

O resultado foi que o Jornal do Brasil saiu com uma primeira página histórica no dia seguinte (12/9). Dines cumpriu estritamente a determinação: a notícia sobre o golpe do Chile ocupava toda a primeira página, mas sem manchete nem imagens. Com corpo do texto (tamanho das letras) em 24 pontos, ele chamou mais atenção nas bancas do que se não fosse censurado.

Entre os outros jornais brasileiros que deram a notícia, nem todos receberam a mesma ordem. O Globo, no topo da página, mancheteou: “Anunciado suicídio de Allende”, logo acima de uma foto de uma passeata realizada em Santiago contra Allende uma semana antes do golpe, com o título “Fotógrafo de El Mercurio [jornal chileno] diz ter visto cadáver no Palácio”. Em comparação com os anteriores, foi o jornal que manteve uma postura mais distante do fato.

O Estado de S. Paulo trouxe o título “Militares depõem governo chileno” e em quase toda a primeira página detalhou o ocorrido em várias partes. O centro foi ocupado por fotos de Augusto Pinochet e Salvador Allende, acima de outra chamada com o título “Allende mata-se em palácio”. Na lateral esquerda, em duas colunas, mais dois textos acompanham a narrativa: “EUA esperavam, mas negam-se a fazer comentário” e “Brasil acompanha e mantém silêncio”. À direita, mais detalhes do golpe foram dados, em duas colunas com os títulos: “Ultimato e ataque”, “Invadida a Sede do Partido Comunista” e “Fogo e tiroteios”. O jornal também citou o silêncio do ex-presidente argentino Juan Domingo Perón, que na época estava exilado em Madri.

Na própria Argentina, país vizinho da notícia, o jornal Clarín trazia o título “Golpe Militar en Chile” e o subtítulo “Se mató Allende” logo no topo da página, no centro uma pequena coluna traz a notícia e no canto superior direito está uma foto de Salvador Allende. O fato dividia a primeira capa com a notícia de um atentado ao próprio jornal portenho.

O golpe no Chile foi um duro revés na luta e nas esperanças de democracia na América Latina. Durante décadas, foi a memória mais sangrenta do 11 de setembro, até que em 2001 os atentados nos EUA atribuíram nova memória à data. Ao mesmo tempo, serviu para deixar claros os lados das outras ditaduras no continente e para passar à História os raros momentos de resistência, altivez e compromisso jornalístico como o de Dines no JB. Sua coragem é hoje lembrada, mas naquele momento custou caro. Dois meses depois, o editor-chefe foi demitido.