Zeca Linhares: Um balé à procura da perfeição


20/07/2015


ZecaLinhares Influenciado pela tia Sarita, que pintava aquarelas e decorava objetos, Zeca Linhares começou cedo a estudar desenho e fazia colagens com fotografias que até hoje decoram a casa de sua mãe. Os cliques ficavam por conta do avô materno,fotógrafo amador encarregado do registro familiar:
— Foi ele quem me deu uma Flexaret 6 x 6, imitação tcheca da Rolleyflex com que talvez eu tenha feito a minha primeira reportagem, com uns nove ou dez anos: documentei o Parque Nacional de Itatiaia — as Agulhas Negras, a flora,as cachoeiras, os amigos… Tudo em cor e tudo certinho, com paralelismos,equilíbrios tonais etc. Depois ganhei da minha mãe uma Kodak Retinet 35mm. Os acontecimentos dos anos 60 viraram a vida de Zeca Linhares de cabeça para baixo, levando-o a viver na França, no início de 1968. Em Paris, pensando em algo que lhe desse um emprego, já que não tinha a menor ideia de quando retornaria ao Brasil, fez Economia:
— Mas continuei desenhando e pintando. Com bloco e variados lápis, ia para os museus, me sentava num banco e reproduzia o que via.Comecei pelo Louvre e pelos renascentistas e fui seguindo. Também carregava a minha inseparável Flexaret e mais tarde comprei uma Pentax Spotimatic 35 mm, ainda de rosca e com várias lentes. A idéia de reproduzir o que via o fascinava — e quando Guto Arraes, filho de Miguel Arraes, lhe deu uma Leica M2, não parou mais:pegava um ônibus ou metrô, saltava na periferia de Paris, encostava num botequim e deixava a vida seguir,documentando tudo o que podia, apenas trocando os lápis pelas lentes e os blocos de desenho pelos de 36
fotogramas.Sua inspiração vinha de Robert Doisneau, Guy Le Querrec, dos filmes de Jacques Tati e do jogo de pernas de Fred Astaire:
— Fotografar é um grande balé, uma dança na procura do objeto perfeito, equilibrado e proporcional, no qual o instante se transforma no momento de silêncio da dança, entre uma pirueta e a seguinte. Eu me apaixonei por Cartier-Bresson e mantenho dele, até hoje, o negativo inteiro, a borda preta envolvendo a imagem,pois não recorto ou reenquadro no ampliador as minhas imagens. Zeca retornou ao País em 1979, mas só conseguiu o registro de repórter fotográfico no fim dos anos 80, apesar de ter começado a carreira no fotojornalismo em 1972, numa revista grega:
— Na verdade, eu me considero mais um documentarista do que um fotojornalista. Gosto de ver, viver e sentir o conjunto, não de relatar o fato. Quando o Paulo Sérgio Duarte me chamou para trabalhar no Patrimônio da cidade, adorei. Foi muito bom ser pago para sair por aí registrando o dia-a-dia do Rio, seus bairros, sua arquitetura. Tenho um balé, à procura da perfeição arquivo monumental, talvez uns 60 mil negativos e cromos, que aos poucos estou digitalizando.
Para ele, a primeira habilidade que o fotógrafo precisa ter é a emoção, mas sem se deixar levar por ela:
— Toda fotografia com que nos emocionamos durante a sua captura possui uma carga de erros e esquece a razão. A ação que pensamos em preservar não é importante. O entorno e os outros planos,estes são extremamente importantes, pois evidenciam essa ação. Não se prenda a ela e pense nas outras coisas, na geometria total.
Zeca aponta um grande problema da fotografia brasileira:
— Fotógrafo não vai a exposições de fotógrafos e não frequenta museu. Quando trabalhei um tempo com cinema, tinha um cara que dizia: “Não vejo cinema brasileiro,eu o faço.” Ora, ver e gostar de ver é o princípio de tudo. É preciso praticar,escrever e rabiscar todo o dia. Grande parte dos fotógrafos no Brasil quando está desempregada não fotografa,não sai na rua com máquina. Sobre o advento da digital, Zeca não acredita que prejudique o desenvolvimento da arte da fotografia:
— Há uma questão que ultrapassa a terminologia. No Brasil,somos muito obedientes aos termos comerciais e, como querem os fabricantes de equipamentos, chamamos de “fotografia digital” toda e qualquer imagem que não use um processo convencional. Porém, se uso um filme e passo por um scanner, que fotografia é essa? A atual máquina dita “digital” simplesmente trocou os pigmentos sensíveis à luz por pequenas “células ” que atribuem valores numéricos. Isto, para mim, é fotografia, por utilizar todos os elementos contidos na “grafia da luz”, só que feita por uma escala numérica.
Quando fez Economia, Zeca Linhares já trabalhava com fotografia.Durante anos foi correspondente da revista grega A Mulher e fotografava,mas esporadicamente, para O Cruzeiro, Jornal do Brasil e O Globo, além de vender fotografias para algumas agências e revistas francesas.
No início dos anos 70, com um trabalho coletivo sobre soluções para a construção de casas populares, ganhou um prêmio de fotografia de arquitetura do Centro Georges Pompidou, em Paris. Em 1987, começou a lecionar no curso de Comunicação e seguiu a carreira acadêmica na UFRJ com um mestrado em História Comparada, que concluiu em 2004, sobre Cartier-Bresson.

Galerias
Diz Zeca que as imagens desta primeira parte da galeria, intitulada Rio, são da década de 80 e integraram uma exposição no Paço Imperial, com uma proposta de um Rio de Janeiro atemporal — “não há fios, acrílicos ou elementos gráficos que afirmem a sua data de feitura; são quatro exemplos típicos de documentação, em que a escolha do ângulo e da hora é fundamental ”. A segunda parte, chamada Carnavais, nasceu em 1976, quando Zeca teve que vir ao Brasil para renovar o seu passaporte, pois não conseguia fazê-lo no Consulado em Paris — “foi uma operação complexa”, lembra. Iniciou, então, uma vasta documentação em preto e branco sobre o Carnaval que ainda não se encerrou:— São quase 30 anos de chão e asfalto nos mais variados bairros. Já expus esse trabalho em alguns lugares, sendo Bogotá, na Colômbia, o mais recente, em 2003. A última parte, Avulsas, representa o seu estilo e a sua formação como fotógrafo:o passeio constante e a caça ininterrupta.