Vasco, 110 anos (I)


01/08/2008


“Casaca, casaca, casaca, saca, saca! A turma é boa, é mesmo da fuzarca. Vasco, Vasco…” Esse grito de milhares de pessoas nos palcos esportivos anuncia a presença de uma das mais numerosas e vibrantes torcidas do futebol brasileiro: a do Clube de Regatas Vasco da Gama, que, no dia 21 de agosto de 2008, comemora 110 anos de existência.

Tudo começou quando quatro comerciantes portugueses resolveram fundar um clube de remo, esporte preferido lá pelos idos do final do século XIX. Corria o ano de 1898 e comemorava-se o IV Centenário da Descoberta do Caminho das Índias. O herói dessa epopéia inspiradora dos “Lusíadas”, maior obra da literatura portuguesa, escrita por Luís de Camões, era o Almirante Vasco da Gama. Daí, o nome da nova agremiação surgir naturalmente.

O remo trouxe muitas glórias para o Vasco, tanto que o genial Lamartine Babo, ao compor o hino do clube, num dos versos escreveu: “(…) no remo és imortal. No futebol, és um traço de união Brasil—Portugal (…)”. Esse traço de união nasceu com a crescente popularidade do futebol e aproveitou a vinda de um combinado português ao Rio, em 1913, quando a colônia portuguesa criou alguns clubes de futebol, como o Centro Esportivo Português, o Lusitano e o Lusitânia. Dois anos depois, o Lusitânia fundiu-se com o Vasco da Gama, surgindo o Departamento de Futebol vascaíno.

Elite carioca
 

Inscrito na 3ª divisão da Liga Metropolitana de Sports Athléticos (LMSA), em 1915, o Vasco, sete anos depois, conquistou a série B do futebol carioca. No ano seguinte, estreava na elite do esporte e, sob a direção técnica do uruguaio Ramon Platero, se sagrava campeão. Alguns comerciantes da colônia portuguesa contrataram “empregados” negros e mulatos, abrindo a porta do clube para jogadores egressos das camadas sociais mais pobres.

Sem a obrigação de trabalhar, bem alimentados e com bom preparado físico, os jogadores do Vasco conquistaram o campeonato carioca de 1923 com seis pontos de vantagem sobre o Flamengo, segundo colocado. Foram 11 vitórias, dois empates e apenas uma derrota. A base do time campeão, em que se destacavam o ponta-direita Paschoal e o centro-médio Bolão, era, como se vê na foto ao lado, Nicolino, Lingote, Nelson, Leitão, Artur e Bolão (em pé); , Paschoal, Torteloni, Arlindo, Ceci e Negrito (agachados).

As vitórias do time eram premiadas com gratificações, cujos valores iam de 5 a 400 mil réis. Era o chamado “amadorismo marron”. Inconformados com a conquista vascaína, América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense criaram uma nova liga, a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos, cujos estatutos estabeleciam várias normas com o objetivo de atingir o Vasco. Doze jogadores vascaínos tiveram suas inscrições recusadas sob a alegação de terem “profissão duvidosa”, segundo parecer de uma comissão formada por representantes do América, Flamengo e Fluminense.

O Vasco permaneceu na Liga Metropolitana de Desportos Terrestres e disputou a série A com Andaraí, Carioca, Mackenzie, Mangueira, Palmeiras, River e Vila Izabel. No triangular final, o time vascaíno ganhou do Engenho de Dentro, vencedor da série C, e do Bonsucesso, ganhador da série B, sagrando-se bicampeão. 

Estádio inaugurado

Em 1925, o Vasco voltou a disputar o campeonato com os grandes clubes cariocas e dois anos depois inaugurava o Estádio de São Januário. No dia 21 de abril de 1927, o Santos derrotou a equipe anfitriã por 5 a 3. O primeiro gol no novo estádio foi marcado pelo centro-avante vascaíno Galego.

No ano seguinte, a iluminação de São Januário foi inaugurada, no dia 31 de março de 1928, com o amistoso vencido pelo Vasco por 1 a 0, gol olímpico de Santana, contra o time uruguaio do Wanderes.

                     Henry Welfare

Com o inglês Henry Welfare, ex-jogador do Fluminense, na direção técnica de sua equipe, o Vasco chegou ao título carioca de 1929. Os destaques do time eram o goleiro Jaguaré, a dupla de zaga formada por Brilhante e Itália, Fausto, a “Maravilha Negra”, o médio Tinoco e o centro-avante Russinho, artilheiro do campeonato juntamente com o americano Telê, com 23 gols.

A decisão do título foi numa sensacional melhor de três com o América. O primeiro jogo terminou 0 a 0, no dia 10 de novembro de 1929, nas Laranjeiras. Quatro dias depois, no mesmo campo, houve novo empate, agora de 1 a 1, gols de Russinho e Osvaldinho. Finalmente, no dia 24 de novembro, também, nas Laranjeiras, o Vasco goleou por 5 a 0, gols de Russinho (3), Mário Mattos e Santana. O time campeão alinhou com Tinoco, Brilhante, Itália, Jaguaré, Fausto e Mola (em pé); Paschoal, 84, Russinho, Mário Mattos e Santana (agachados).

Duas entidades

A implantação do profissionalismo em 1933 provocou a cisão no futebol carioca, com o surgimento de duas entidades: a Liga Carioca (profissional) e a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (amadorista). O Vasco ficou na Liga Carioca e, depois do 3º lugar em 1933, formou um time de grandes craques. Os destaques eram os extraordinários Domingos da Guia, Leônidas da Silva e Fausto, que, ao lado do goleiro Rei, de Itália e Gradim conquistaram o campeonato carioca de 1934. O inglês Welfare, no comando técnico do Vasco, era novamente campeão.

 Domingos da Guia, Gradim, Fausto e Juca

A diferença para o São Cristóvão, segundo colocado, foi de quatro pontos. A equipe base jogava com Rei, Domingos e Itália; Tinoco, Fausto e Mola; Orlando, Gradim, Leônidas, Nena e Dallessandro.

Divergências com o Flamengo e o Fluminense levaram os dirigentes do Vasco a sair da Liga Carioca em 1935. No campeonato da Federação Metropolitana de Desportos, fundada também por clubes que inicialmente permaneceram no amadorismo, o time vascaíno terminou em 2º lugar, atrás do Botafogo.

Em 1936, Vasco e Madureira decidiram o campeonato carioca da FMD. No primeiro jogo da melhor de três, disputado no campo do Andaraí, no dia 8 de dezembro, o tricolor suburbano venceu por 1 a 0. Cinco dias depois, no mesmo campo, o Vasco ganhou por 2 a 1, gols de Nena e Feitiço, e Kola para o Madureira. A terceira partida foi jogada no dia 14 de março de 1937, por causa da realização do campeonato sul-americano no período de dezembro de 36 a janeiro de 37. O Vasco ganhou por 2 a 1 com dois gols de Feitiço, enquanto Bahia marcou para a equipe suburbana.

Pacificação desejada

Por iniciativa dos presidentes Pedro Nunes, do Vasco, e Pedro Magalhães Corrêa, do América, houve a tão desejada pacificação do futebol carioca. Os campeonatos da Liga Carioca e da Federação Metropolitana de Desportos foram suspensos e criou-se uma nova entidade, a Liga de Futebol do Rio de Janeiro. A fim de comemorar o final feliz, os presidentes do Vasco e do América promoveram um jogo amistoso que ficou conhecido como “Clássico da Paz”. No dia 31 de julho de 1937, em São Januário, a equipe vascaína venceu os rubros por 3 a 2.

No campeonato carioca de 1937, o Vasco da Gama goleou o Andarahy, em São Januário, por 12 a 0. Diz a lenda que o ponta-esquerda Arubinha, do Andarahy, inconformado com a derrota, rogou uma praga para o Vasco não ser campeão durante 12 anos — um para gol marcado na impiedosa goleada —, além de enterrar um sapo ao lado de uma das balizas do estádio do clube. Se foi por conta de parte da praga de Arubinha ou não, o fato é que o Vasco ficou oito anos sem títulos.