Texto de Glauco Oliveira homenageia o jornalista Edson Braga


Por Glauco Oliveira

04/12/2013


Edson Braga (Foto: Rachel Braga)

Edson Braga (Foto: Rachel Braga)

 

“Edson Braga:

‘As crianças e adolescentes

precisam de boa literatura’

Edson Braga, jornalista, publicitário e escritor cachoeirense, disse adeus, no dia 2 de dezembro, aqui no Rio de Janeiro, onde vivia desde os fins dos anos 50, a todos os seus familiares e amigos, sem o menor alarde, da mesma forma com sempre viveu: discreto, recluso, silencioso.

Filho de Newton e sobrinho de Rubem Braga, herdou deles aquela raríssima capacidade de escrever em português com simplicidade, clareza e elegância, em todas as frentes em que atuou. O talento, que jamais alardeou, foi a sua marca. Há algum tempo, Edson concedeu-me uma entrevista, na qual fica evidente a pessoa discreta que era ao falar da sua vida e carreira: eis aí um legítimo Braga, da fina estirpe daqueles que encantaram Cachoeiro e o Brasil.

Como todo bom poeta-prosador, Edson singrava pelos seus textos, como bem salienta no último parágrafo da adaptação em prosa de Os Lusíadas, um dos grandes poemas épicos de todos os tempos, escrito pelo poeta português Luís de Camões, cujas aventuras se confundem com as aventuras de seu próprio país: “Com vento sempre manso, cortaram o mar sereno até avistarem o desejado território natal”.

Pois é, a adaptação infanto-juvenil das viagens de Vasco da Gama em busca do caminho marítimo para a Índia e as histórias da luta contra os mouros que invadiram a península ibérica até a formação do Estado português foi escrita a quatro mãos por dois capixabas: os escritores Rubem Braga e Edson Braga.

Rubem já nos deixou, após se consolidar como um dos maiores cronistas do país, o mestre da crônica. Edson partiu agora, e nos deixou, com o seu jeito sempre manso, sereno, uma serenidade irreverente, mas sempre com os ventos voltados à sua terra natal, Cachoeiro de Itapemirim, onde nasceu em 1938.

Ele saiu da cidade, onde estudou até o científico, e veio para o Rio de Janeiro. “Em Cachoeiro não havia curso superior. Vim para o Rio para estudar arquitetura, mas desisti antes do vestibular e comecei a trabalhar em jornal. Logo depois minha família também veio para Rio, que passou definitivamente a ser meu eixo geográfico.”

Começou a trabalhar no Diário de Notícias, como foca, aos 18 anos. Mas, com modéstia, dizia que sua trajetória profissional como jornalista tinha sido absolutamente sem graça, pois como copy-desk vivia trancado na redação até o fechamento (quase sempre de madrugada), e mudando de emprego quando a inflação comia demais o salário.

Em 1961, foi para o Marrocos, como secretário do tio Rubem Braga, indicado como embaixador naquele país, e lá permaneceu até 1963, e logo depois retornou ao Brasil. Foi para o Correio da Manhã, que na época era o principal jornal a criticar o golpe militar, onde, juntamente com outros bambas do jornalismo do Rio, entre eles José Louzeiro e Arthur Poerner, participou do livro Assim marcha a família, uma série de reportagens que traçava um perfil crítico da sociedade brasileira naquela época.

Depois de peregrinar por diversas outras redações do Rio, Edson aportou na propaganda, e trabalhou como redator nas maiores agências de publicidade. “Era um trabalho mais interessante, sempre puxando pela criatividade, mas sob a permanente expectativa da aprovação do trabalho pelo cliente.”

A partir daí iniciou uma trajetória como escritor e tradutor. No início publicou, juntamente com Rubem Braga, a versão infanto-juvenil de Os Lusíadas, pela editora Scipione, hoje na 16ª. edição. E seguiram-se outros títulos, pelo mesmo selo editorial, adaptações de consagradas histórias destinadas ao público infantil e juvenil: Ali Babá, Aladim, Simbá o Marujo, e Vinte mil léguas submarinas. Para ele o público infantil precisava ler as histórias clássicas, literatura de boa qualidade, e é o que sempre fazia nas adaptações. Reunidas, as obras do escritor já ultrapassaram a marca de mais de um milhão de exemplares vendidos.

Edson Braga sonhou em estudar arquitetura. Mas como foi absorvido pelas redações e pelas palavras, traçava os textos como um verdadeiro arquiteto: enxuto, econômico e preciso, o que nos faz lembrar os do seu pai Newton Braga, outro artífice da palavra. “A minha admiração por ele era tão grande que sempre tentei imitá-lo em tudo, sem nenhum êxito com relação à capacidade literária, mas absoluto sucesso quanto à incompetência de ganhar dinheiro”.

Ele, porém, sempre guardou na memória uma infância feliz, a família, os amigos, o primário no Bernardino Monteiro, o ginásio e científico no Liceu, banhos de rio, pescarias, as bibliotecas, o cinema e o footing na praça Jerônimo Monteiro, em Cachoeiro. E sempre na expectativa das longas férias de fim de ano em Marataízes.

Com frequência retornava a Cachoeiro, Vitória e Marataízes, para rever parentes e amigos, e procurava acompanhar o que se fazia no jornalismo e na literatura capixaba, mas dizia que era necessário um esforço para que houvesse mais divulgação. Depois de anos de “exílio” no Rio de Janeiro, salientava que as lembranças de Cachoeiro sempre ocupavam a maior e mais gratificante parte da sua tumultuada memória.

Tanto assim que nos últimos anos de vida, Edson mudou-se com mala e cuia para o Recreio dos Bandeirantes, praia distante 30 quilômetros do burburinho de Copacabana, o bairro carioca que nunca dorme, no qual ele morou a maior parte de sua vida. Até mesmo adotou um cachorro, que encontrou perambulando na praia. Numa enquete no boteco que frequentava, o vira-lata puro sangue recebeu o nome de Bob. Este o acompanhou até o último dia primeiro, quando Edson foi internado. Faleceu no dia seguinte.

Fiquei com uma dívida com Edson: o reencontro dele com o jornalista e escritor Arthur Poerner, um dos autores da BOOKLINK. Os dois moraram durante muitos anos no mesmo bairro. Mas aqui a vida turbulenta da cidade grande às vezes sem querer destrói as relações, separa as pessoas, até mesmo amigas. Desde os idos de 60, depois de serem coautores do belíssimo livro citado acima, nunca mais se encontraram. Eu fazia o papel de intermediário entre eles. Mas cometi essa imprudência de não reaproximá-los, para um reencontro festivo na Fiorentina, ali no Leme, para bebericar uns chopes e relembrar os tempos em que atuaram juntos. Bom, agora não tem jeito; fica pra próxima.

Glauco Oliveira”