Sociedade é contra o “AI-5 digital”


02/07/2009


                                                                                             Bernardo Costa

Luiz Moncau, Marcelo Rodrigues, Jesus Chediak, Sérgio Rosa, Alessandro Molon e Jorge Bittar

Em ato público realizado nesta quarta-feira, 1° de julho, na sede da Associação Brasileira de Imprensa, jornalistas, parlamentares, estudantes, ativistas sociais, membros de entidades civis e de comunicação se manifestaram contra o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que altera a legislação nacional contra crimes na Internet. A proposta, aprovada no Senado em 9 de julho, segue agora para a Câmara dos Deputados para apreciação.

A audiência pública foi convocada pela ABI, Associação de Centros de Inclusão Digital, Centro de Ação e Comunicação Comunitária, Coletivo Ciberativismo, Coletivo Digital, Coletivo Intervozes, Conselho Regional de Engenharia (Crea-RJ), Mega Não, Projeto Softer Livre Brasil, Setorial da Tecnologia da Informação do PT-RJ, Sindicato dos Bancários do Rio, Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ, Sindicato dos Servidores das Justiças Federais do Estado do Rio de Janeiro, União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT-RJ). Encontros similares já foram promovidos em São Paulo, Porto Alegre, Brasília e Belo Horizonte.

A mesa que coordenou o encontro foi formada com Marcos Dantas (especialista em comunicação), Oana Castro (Intervozes), Luiz Moncau (FGV), Marcelo Rodrigues (CUT-RJ), Jesus Chediak (ABI), Sérgio Rosa (Setorial de TI do PT-RJ), Alessandro Molon (Deputado estadual pelo PT-RJ), Jorge Bittar (Deputado federal pelo PT-RJ e Secretário Municipal de Habitação), João Caribe (Ciberativismo).

O debate focalizou o Substitutivo apresentado pelo Senador Eduardo Azeredo, que aglutinou três projetos de lei que já tramitavam no Senado, para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra rede de computadores, dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares, e dá outras providências.

O projeto de lei proposto por Eduardo Azeredo é considerado pelo movimento como uma medida prejudicial à liberdade de expressão, e por isto vem sendo chamado de “AI-5 Digital”, em referência ao Ato Institucional que entrou em vigor em 1968 e que marcou a fase mais dura da repressão do regime militar.

Especialistas no assunto criticam, por exemplo, o artigo 2º, que ao alterar o Código Penal, “transforma em crime todo acesso não autorizado a redes de computadores, sistemas informatizados e dispositivos de comunicação protegidos por expressa restrição de acesso, seja a restrição legal ou não”. Isso afetaria o acesso a conteúdos de domínio público.

Sérgio Rosa, do Setorial de TI do PT-RJ, manifestou a sua preocupação com o Projeto de Lei de Eduardo Azeredo, fazendo uma comparação como o Código Penal brasileiro. Segundo ele, se a Câmara aprovar o PL de crimes na internet, criminalizará o cidadão brasileiro sujeitando-o a penas que variam de um a três anos de reclusão, conforme o artigo 285:
— O mesmo Código Penal também estabelece penas de um a três anos de prisão para casos de homicídio culposo, e de detenção de três meses a um ano para lesões corporais. Homicídios e lesões corporais todos sabemos do que se trata, mas acessar páginas não autorizadas na internet não tem significado claro. Como está no projeto, um jovem que vasculhe na rede um texto armazenado num computador de outrem terá a punição mais grave do que os crimes contra a vida.

A proposição de Eduardo Azeredo, conforme foi divulgado no site do Senado, altera o Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, e a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código do Consumidor), para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares, e dá outras providências. 

Lula é contra

Antes da abertura dos debates foi exibido um vídeo no qual o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva fala publicamente contra o Projeto de Lei do Senador Azeredo:
— Neste Governo é proibido proibir. A nossa proposta é sempre discutir, sem rancor nem mágoa, para fortalecer a democracia até as últimas conseqüências. Essa lei que está aí não visa proibir abuso na Internet, o que ela quer na realidade é fazer censura, declarou o Presidente.

O Diretor de Cultura e Lazer da ABI, Jesus Chediak disse que considera o projeto de lei de Eduardo Azeredo um atitude antidemocrática:
— Acho que essa censura à mídia digital representa um novo poder que passou a controlar a sociedade desde o neoliberalismo. Não é o poder de Estado como vimos na época da ditadura, mas continuamos sendo ameaçados por uma atitude autoritária.

O ato público contra o “AI-5 Digital” no Rio de Janeiro foi acompanhado por jornalistas, estudantes, representantes de empresas de comunicação, sindicalistas, além da participação de parlamentares, como os Deputados Alessandro Molon e Jorge Bittar, ambos do PT-RJ. O primeiro classificou a manifestação como necessária em defesa da liberdade, da garantia dos direitos constitucionais e de uma sociedade livre e autônoma, sem a tutela do Estado, para exercer o seu direito do acesso à comunicação:
— Por mais que a gente possa falar em algum momento em termos técnicos ou abordar a as características do meio digital, esse debate é antes de tudo político, sobre que sociedade e que Estado nós queremos. O que está em jogo são as declarações de direito, as garantias e os direitos individuais. Essa conquista que foi feita pela humanidade no século XVIII e que no XIX foi colocada em xeque pelo capitalismo triunfante que quis substituir essa sociedade dos diretos, pela sociedade da vigilância e do controle, da polícia e da desconfiança do cidadão.

Segundo o Deputado Alessandro Molon, a sociedade deve recusar o Estado que olha para o cidadão como alguém perigoso, que precisa ser controlado, porque pode ameaçar o status quo:
— É essa a visão de Estado e de sociedade que não queremos. Desejamos o Estado e sociedade das liberdades individuais, conquistados com sangue e luta no Brasil por instituições e militantes como os que se encontram nesta noite na ABI. E é por isso que é muito simbólico que este evento aconteça nesta Casa. Essa foi uma escolha dos organizadores que optaram corretamente pela realização desse ato nesta entidade que representa a democracia e onde se discute o direito humano fundamental à comunicação livre. 

Jogo de interesses

Jorge Bittar, atual Secretário de Habitação do Município do Rio de Janeiro, afirmou que também é contrário ao projeto de lei do Senador Eduardo Azeredo. Durante o seu último mandato na Câmara dos Deputados, o parlamentar teve uma atuação destacada na Comissão de Comunicação, Ciência e Tecnologia e Informática, na qual sempre defendeu a pauta da inclusão digital. O Deputado fez coro com Jesus Chediak quando disse estar preocupado com o jogo de interesses que há por trás da proposta de criminalizar alguns tipos de acesso na Internet:
— Não podemos nos acomodar diante de circunstâncias como esta. É preciso que tenhamos muita iniciativa. Tem muita coisa envolvida nesse processo, além do precioso princípio da liberdade de expressão há muitas questões econômicas em jogo. Aproveito para manifestar o meu compromisso em barrar essa iniciativa, por meio da lei que procura definir uma coisa aparentemente ingênua (crimes na internet). Esse projeto de lei traz os interesses de grupos econômicos contrariados pelo fenômeno da web, pela revolução que está em curso graças à oportunidade que a internet oferece para os indivíduos em todo o mundo.

Jorge Bittar aproveitou para falar para a platéia que lotou a Sala Belizário de Souza da ABI, sobre a importância da Conferência Nacional de Comunicações, prevista para acontecer no final do ano, em Brasília, e uma prévia no Rio, em data a ser definida:
— É importante que nós façamos uma reflexão e nos posicionemos sobre o tema das comunicações no País, que abrange inclusive as questões verdadeiramente ligadas à internet.

Para Luiz Moncau, da Fundação Getúlio Vargas, devido à grande mobilização gerada em várias partes do país, as audiências públicas para debater o projeto de lei do Senador Eduardo Azeredo —demonstram o grau de insatisfação da sociedade em relação à proposta:
— Esse momento não pode se dissipar. Pelo contrário, deve servir para unir a sociedade e fazer a nossa voz ser ouvida, em benefício da luta por uma comunicação melhor.

Oana Castro da Intevozes também se referiu à grande adesão que as audiências públicas contra o PL do Senador Azeredo vêm conquistando, mas fez uma alerta:
— Nenhum de nós sabia aonde essa situação ia chegar, mas as coisas foram acontecendo e o movimento foi ganhando mais solidez e a unidade que a gente poucas vezes vê no campo da mobilização de várias dessas lutas que estamos travando por uma comunicação mais democrática, mais livre e mais participativa. Mas a bandeira contra o PL Azeredo não pode se restringir a ela mesma. Tenho medo das conquistas que possamos obter contra essa proposta, e venhamos a esquecer que existem outros projetos de lei que colocam em risco a democracia na comunicação.