“Quando um avião cai, nós caímos juntos”


02/12/2016


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A ABI decidiu homenagear os jornalistas mortos reproduzindo textos produzidos por colegas atingidos por essas perdas irreparáveis. “Um avião transporta mais do que pessoas, transporta sonhos, desejos e paixões”. Com a frase do escritor Felipe Sandrin, a ABI publica textos que pranteiam os colegas que morreram, onde  todos aparecem cheios de vida, mesmo diante dessa vileza do destino.

Texto da Fernanda Gentil: “Mais uma vez a vida fez planos pra gente, e não a gente pra ela”

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A repórter Fernanda Gentil

Mais uma vez a vida fez planos pra gente, e não a gente pra ela… quis ela, sabe-se lá por qual motivo, que esses jogadores, tripulantes e jornalistas tivessem hoje seus sonhos interrompidos, quando o plano deles era apenas seguir. Seguir para um jogo, uma matéria, um destino. Seguir e, sem dúvidas, voltar. Voltar para suas casas, seus trabalhos, suas famílias… mas não vão. A maioria não vai… o Gui Van der Laars, o Ari Junior e o Guilherme Marques, por exemplo, não vão estar mais na redação. Não vão nos brindar mais com os sorrisos deles, com as brincadeiras, com o talento, com a leveza com a qual levavam a vida. E a vida deles não era menos especial que a minha ou a sua, muito pelo contrário! Laars é pai de dois, e o terceiro vai nascer em menos de um mês. Guilherme Marques uma revelação, novo, cheio de vida e sorrisos pra distribuir. Os dois fizeram aniversário semana passada, assim como eu. Por sorte, fazemos em datas diferentes, assim consegui abraçá-los em mais de um dia. E em todos eles trocamos os melhores votos possíveis. Ari era um lord! Espirituoso, talentoso, um homem-sorriso. E hoje, todos esses (e muitos outros) caras fenomenais se foram… e então porque não pode acontecer com a gente? Claro que pode. A vida, antes de ir, ela não manda aviso não! Não comunica, não liga, não tem whatsapp. Aliás, a última mensagem do Gui pra mim no whatsapp semana passada foi “conta comigo, vou estar sempre aqui.” Que dor, Gui… você disse que estaria mas não está. E olha, lutei muito pra não acreditar que vocês realmente não estariam mais. Fiz conta, refiz, chequei, li a lista, procurei, fingi que não vi. Procurei de novo, fechei um olho, re-re-refiz as contas, e vi a lista de novo… vocês continuavam lá. Depois da confirmação da tragédia, vem a dor. E da dor nos resta tirar uma lição muito importante: falar enquanto há tempo – falar em vida. Abraçar em vida. Amar em vida. Perdoar em vida. Porque tudo isso é viver a vida. Falar todas as coisas bonitas que falamos pra vocês hoje, para muitas outras pessoas que ainda estão aqui e podem ler/ouvir. Aliás vocês mal se despediram da gente e já ensinaram tantas coisas… tinham que ver o que os clubes brasileiros e do mundo todo fizeram! Todos postando o escudo da Chape! Jogadores mandando recados, fazendo minuto de silêncio! Autoridades decretando luto! Vocês hoje ensinaram que o que importa é a vida, não um jogo, um time, uma cor, uma raça, uma competição. Ensinaram que um título pode sim ser decidido fora de campo; nas nuvens, no céu, num lugar bem melhor que esse aqui, e hoje ele foi: pode avisar aí em cima que “o Atlético, num grande ato de solidariedade, vai dar o título da Sul-Americana para a Chapecoense” (Gui, essa pode ser a frase de abertura do seu vt, eu te empresto a ideia 🙂 ). O Ari eu sei que vai fazer as imagens mais lindas da vida dele, e o Laars vai caprichar nas exclusivas pro Esporte Espetacular desse domingo – que aliás vai ser o programa mais difícil da minha vida. Não aprendi em curso ou faculdade nenhuns a imparcialidade ou frieza jornalísticas necessárias para apresentar num contexto desses – e espero nunca aprender. Prefiro o calor e o sentimento humanos. Prefiro acreditar que o buraco que se abriu no peito de todos hoje trouxe à tona muitas reflexões pessoais, e eu sei que trouxe. Vê se não é assim: a gente pensa em amar mais, julgar menos, nos declarar mais, reclamar menos, agradecer mais, se importar menos, agredir menos, viver mais… e em questão de dias, esse “efeito” passa. Só que a gente não pode esquecer que em questões de dias, a vida também passa. Então esse efeito tem que durar. Então por vocês três, por tantos outros que estavam nesse avião, e, principalmente, pelos amigos e famílias que perderam alguém querido, espero que a nossa reflexão nos faça mudar de verdade; e que dessa vez esse “efeito” dure exatamente o mesmo tempo que a saudade de vocês vai durar – pra sempre.

Felipe Sandrin: “Quando um avião cai a gente cai junto”

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O compositor Felipe Sandrin

“Quando um avião cai a gente cai junto. Um avião transporta mais do que vidas, transporta sonhos”. É o pai que está indo reencontrar os filhos, é a mãe que está indo buscar o sustento de sua família, são pilotos que planejam estar em casa ao jantar e a aeromoça que leva na bagagem o perfume favorito do namorado.
Quando cai um avião a gente cai junto, pois quantos de nós viram os sonhos começar dentro de um avião. A viagem para a Europa, a assinatura de um contrato, o encontro com alguém que tanto sonhamos estar junto.
Aviões partem rumo a sonhos, e era isso que cabia também neste trágico voo que quase chegou a seu destino. Jogadores que representavam o sonho do menino que quer ser jogador, jogadores que representavam seus familiares, seus torcedores.
Quando um avião cai todos nós caímos juntos. Morrem sonhos, morrem encontros que não vão mais ocorrer, morrem saudades que não vão ser vencidas e pior, que apenas vão crescer e se tornam um buraco junto a quem nunca chegou.
Quando um avião cai a dor é compartilhada, pois todos nós somos torcedores, torcemos para quem amamos, torcemos para logo poder dar o abraço, torcemos, pois ninguém sonha sozinho.
Hoje esse pequeno time de Santa Catarina tem a maior torcida do mundo, pois quando sonhos despencam do céu a solidariedade é a única camisa que todos vestem, pois essa é a única camisa que nesse momento nos conforta.”

Arthur Crispin: “Futebol, uma metáfora da Vida”

“Costumo dizer que futebol é uma metáfora da vida e talvez por isso esse lance da Chapecoense me deixa tão triste. Porque, por mais que torçamos para o Flamengo, Corinthians, Vasco, Palmeiras, Santos e outros grandes times, na vida a gente é mesmo uma Chapecoense. A gente sonha, luta, batalha, joga fechadinho na defesa, aguenta pressão no trabalho, salva bola em cima da linha, no último minuto e quer ser campeão de algo, vibrar com a felicidade, alçar voos altos. A gente é Chapecoense na vida porque, por mais que algumas vezes queira e em outras se sinta impotente, está lá, sempre na peleja. Nem sempre com torcida a favor, às vezes com o estádio da vida lotado, tentando virar o jogo fora de casa, mas estamos lá, buscando nossa realização, nosso conto de fadas. A gente adotou a Chapecoense porque ela é gente da gente. Com essa queda, a gente vê como se importa com bobagem, como perde energia com coisas pequenas, inclusive por aqui. Como a gente se demora em questões que não geram amor. “Donde no puedas amar, no te demoras”. Já que vamos seguir na vida, é preciso ser mais Chapecoense. Se encontrar mais, sorrir mais, discordar quando for necessário. Mas se respeitar mais. Cultivar os afetos, deixar os desafetos pra lá, nos livrar das âncoras e seguir com as velas. É preciso seguir, é preciso soprar. Vamo, vamo, Chape. Na metáfora dessa vida, jogo de futebol eterno, Chape somos nós.”

#forçachape