Sérgio Porto: irreverência na crônica e no humor


02/10/2008


 Arquivo Manchete

A pena e a verve sagaz e alegre de Sérgio Porto estão de volta em meio às homenagens ao jornalista e escritor que morreu prematuramente — de infarto, aos 45 anos de idade, em 30 de setembro de 1968 —, mas, no curto tempo de vida, revolucionou a imprensa brasileira com talento mordaz, crítico e multimídia.

A editora Agir acaba de lançar “A revista do Lalau”, antologia de dispersos e inéditos organizada por Luis Pimentel, que, formatada como os periódicos dos anos 50, resgata a linguagem que aproximou o morro do asfalto, o samba do jazz. Um marco na história da crônica e do humor no País.

A obra oferece ao leitor o primeiro livro de Sérgio Porto, “A pequena história do jazz”, de 53; o conto “O elefante”, censurado pela ditadura militar; o romance inacabado “O transplante”; fotografias do arquivo de família; e edições da coluna “As certinhas do Lalau”, que surgiu na passagem do jornalista pela revista Manchete, como sátira ao colunista social Jacinto de Thormes (pseudônimo de Maneco Müller), que em 54 publicara a lista das “Mulheres mais bem vestidas do ano”. Em contraposição, o sarcástico Stanislaw Ponte Preta criou a lista das “Mulheres mais bem despidas do ano”.

Proximidade

                   Maria Pompeu

A atriz, diretora, roteirista e produtora Maria Pompeu foi uma das musas que conquistaram espaço na coluna:
— Até hoje, 45 anos depois, as pessoas se lembram de mim como uma das “certinhas do Lalau”, coluna diária na qual ele publicava fotos de mulheres que atuavam no ramo das artes e da cultura, como atrizes, cantoras, vedetes. Ele selecionava uma moça que era retratada ao longo de uma semana em diversas poses.

O ensaio, lembra a atriz, não exibia nudez e tampouco garantia retorno financeiro:
— As imagens mostravam mulheres trajando biquínis grandes. Em uma foto, por exemplo, posei com um blazer e apenas as pernas de fora. Não recebíamos dinheiro para isto, mas a coluna era muito promocional. Quando eu ia estrear uma peça ou um filme, pedia uma força ao Sérgio Porto. Naquele tempo, o mundo artístico era bem menor e facilitava a proximidade. Ao chegar em um restaurante, por exemplo, era natural esbarrar com ele, com o Vinicius de Moraes…

A eleição das dez “Mulheres mais bem despidas do ano”, recorda Maria Pompeu, era um fato social cercado de expectativas:
— Sérgio Porto elegia dez entre todas as moças retratadas na coluna ao longo do ano. O resultado era divulgado, em meio a grande expectativa e suspense, na edição de fim de ano da revista Fatos e Fotos, que esgotava rapidamente. Em 1963, figurei na lista das dez mais.

Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlinhos de Oliveira (em pé), Vinicius de Moraes, Sérgio Porto (sentado) e Chico Buarque

 Reunião de intectuais

Heterônimo

O estilo carioca, nonsense e caricatural de Sérgio Porto formatou o jornalismo humorístico que influenciou as gerações do Pasquim e do Casseta & Planeta, de acordo com a pesquisadora Claudia Mesquita, autora da tese de doutorado “De Copacabana à Boca do Mato”, que a Fundação Casa de Rui Barbosa acaba de publicar.

Como apenas um terço da produção do jornalista foi publicada em livro, a autora realizou pesquisas em acervos “buscando o Sérgio por trás de Stanislaw”, a partir da teoria de que, em vez de pseudônimo, Stanislaw Ponte Preta é o heterônimo de Sérgio, com o qual sintetizou duas culturas — a da Zona Norte (Boca do Mato) com a da Zona Sul (Copacabana) — e dois cariocas — o solar (o homem de praia) com o noir (o cronista da noite).

Carreira

Sérgio Marcus Rangel Porto nasceu no Rio de Janeiro, em 11 de janeiro de 1923. O jornalista, cronista, crítico, teatrólogo, radialista e compositor acabou sendo mais conhecido pelo pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, que criou “para continuar a ser um escritor sério”.

Iniciou a carreira na imprensa no fim da década de 40, quando um tio, o jornalista Lúcio Rangel, o convidou para trabalhar no Diário Carioca. Atuou mais tarde nas redações da Última Hora e da Tribuna da Imprensa, nas revistas Sombra e Manchete e em emissoras de rádio e TV. Escreveu sobre música, produziu shows, e compôs o “Samba do crioulo doido” para o Quarteto em Cy. Costumava definir nossa música com a sigla MPBB: Música Popular Bem Brasileira.

Inspirado no personagem Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade, inventou, com o ilustrador Tomás Santa Rosa, o irreverente personagem Stanislaw Ponte Preta, que criticava a ditadura militar, a hipocrisia e o moralismo da sociedade no lendário Festival de Besteiras que Assola o País, ou, simplesmente, Febeapá.

Na pele de Stanislaw, escreveu os livros “Tia Zulmira e eu” (1961); “Primo Altamirando e elas” (1962); “Rosamundo e os outros” (1963); “Garoto linha dura” (1964); “Febeapá 1 — Primeiro Festival de Besteira que Assola o País” (1966); “Febeapá 2 — Segundo Festival de Besteira que Assola o Pais” (1967); “Na terra do crioulo doido” (1968); “Febeapá 3” (1968); “A máquina de fazer doido” (1968); e “Gol de padre” (1968). 

Como Sérgio Porto, assinou “A casa demolida” (1963) e “As cariocas” (1967). 

  • Frases e causos de Stanislaw Ponte Preta

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