Representante da OEA visita ABI


30/05/2012


O representante da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), Michael Camilleri, visitou a sede da ABI, no Centro do Rio, nesta terça-feira, 29 de maio, onde foi recebido pela Diretoria.
 
 
O convite a Camilleri partiu da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da ABI, mas o representante da OEA encontrou-se, também, com membros do Conselho Deliberativo da Casa. Ele frisou que se tratava de uma visita de cortesia, não oficial, mas apresentou aos conselheiros um panorama sobre direitos humanos e liberdade de expressão na América Latina e Caribe.
 
 
A presença de Michael Camilleri na ABI foi saudada pelo Presidente do Conselho, Pery Cotta, que afirmou que a sua visita era “uma forma de reconhecimento do trabalho que está sendo mantido pela ABI junto à sociedade brasileira”. Em resposta, Camilleri disse que encarava com grande prazer o convite e aproveitou para explicar o trabalho da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da OEA, que segundo ele, foi criada exatamente para atender à classe jornalística:
― Os jornalistas são o nosso principal público. Estar aqui com pessoas tão destacadas no jornalismo para mim é uma oportunidade muito importante. Estou muito agradecido pelo espaço que me está sendo concedido para falar sobre o trabalho da Relatoria, disse Camilleri.
 
 
Ele explicou que a Relatoria de Liberdade de Expressão foi criada pela Comissão Interamericana, em 1997, portanto há 15 anos. O órgão tem várias relatorias especializadas em temas distintos, como direitos das mulheres, das crianças, dos povos indígenas, entre outros relacionados à questão humanitária. A Relatoria tem certo grau de independência, e foi criada para se dedicar especialmente ao tema liberdade de expressão.
 
 
O fato de só existir uma Relatoria Especial é porque a Comissão entendeu que defender a liberdade de expressão seria uma maneira de “defender a todas as gerações dos direitos humanos”, disse Camilleri:
― Se garantimos a liberdade de expressão podemos prevenir a tortura, o racismo e a pobreza. E de alguma maneira respaldar as sociedades democráticas, para não voltarmos ao passado e aos abusos que todos conhecemos ocorreram na História recente nos países da América Latina, disse Camilleri.
 
 
Ele explicou que desde a sua criação, a Relatoria vem desenvolvendo um trabalho em vários campos. Acompanhando os casos que estão tramitando na Comissão da Corte Interamericana sobre a liberdade de expressão, acesso à informação, difamação, prisão e assassinatos de jornalistas. Além das restrições indiretas aos veículos, como as que têm sido impostas aos jornais que apresentam opiniões críticas a determinados Governos.
 
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Relatório
 
 
Camilleri falou sobre a publicação de um relatório anual sobre o que acontece nos hemisférios. Os relatores visitam país por país da região, para reportar os avanços e os desafios enfrentados em matéria de liberdade de expressão:
― Falamos sobre a aprovação de leis importantes, como as que determinam acesso à informação. Relatamos as ameaças, os assassinatos de jornalistas, processos judiciais movidos contra os profissionais e os ataques aos meios de comunicação, disse o relator.
 
 
O relatório registra, também, informações sobre autoridades públicas que usam discursos que põem em perigo a liberdade da imprensa. O documento registra também os monopólios que impedem a pluralidade dos meios de comunicação e o debate democrático.   
 
 
Camilleri mencionou cinco temas que são encarados como os grandes desafios à liberdade de expressão na América Latina. O principal deles é a violência. O relator lembrou que ano passado foram assassinados 28 jornalistas nas Américas. E que a maioria dos casos permanece sem solução:
― Os responsáveis nunca são encontrados. Quando se chega a uma condenação, o réu é o autor material e não o autor intelectual do crime, afirmou  
 
 
México e Honduras são países onde os jornalistas vivem atormentados pela onda de violência generalizada. Por isso, a Relatoria está trabalhando, junto às autoridades locais e entidades de classe, para que sejam criados programas de proteção a jornalistas e as investigações dos crimes contra a categoria se tornem eficazes.
 
 
O relator da OEA assinalou que outro problema que precisa ser enfrentado é o uso do Direito Penal para calar autores de matérias críticas, por meio de processos de difamação, calúnia, desacato e injúria que são movidos contra jornalistas ou defensores dos direitos humanos, que se atrevem a criticar aqueles que exercem o poder. “Há casos julgados na área cível com penas desproporcionais, que têm um efeito silenciador muito forte”, disse Camilleri.
 
Censura
 
O terceiro desafio apontado por Camilleri são restrições usadas como censura indireta, apesar de que os casos de censura direta são muitos comuns na América Latina. Porém, os Governos passaram a usar, “com inteligência”, os mecanismos de censura indireta, fazendo uso da publicidade oficial para premiar veículos simpáticos ao regime e castigar aqueles que os criticam, a exemplo do acontece na Argentina e na Venezuela.
 
  
Segundo Camilleri é um processo que pode ser desencadeado de várias maneiras. Uma delas é fazer uso de canais de radiodifusão, para interferir na linha editorial dos veículos de comunicação:
― Essa censura poderá ocorrer, também, por meio de um discurso público, que de algum modo, em situações muito polarizadas ou de conflito armado, que criam um ambiente muito difícil para se criticar ou questionar o Governo em condições de segurança. Esses são exemplos de restrições diretas ao trabalho da imprensa, afirmou o relator.
 
 
O acesso à informação pública é apontado pela Relatoria como uma questão crucial. Camilleri disse que esse tema apresenta avanços importantes, mais da metade dos países das Américas contam com esse tipo de legislação, sendo que o Brasil foi o último País sul-americano a criar uma lei desse gênero.
 
 
Para Michael Camilleri o quinto desafio da liberdade de expressão é a promoção de um debate plural e diversificado. Ele destacou que há uma enorme concentração de meios de controle e propriedade dos veículos de comunicação na América Latina e no Caribe:
― Os Estados têm que ser proativos para tratar dessas questões. Como a aplicação de leis anti-monopólios e a criação políticas públicas para legalizar e respaldar rádios comunitárias, que muitas vezes refletem as vozes de populações marginalizadas e praticamente destruídas, declarou.
 
O representante da OEA disse que os países podem criar uma série de medidas para que os povos tenham acesso a um número maior de pontos de vista sobre determinados assuntos:  
― É sobre esses cinco temas que estamos trabalhando muito, monitorando todos os fatos que estão ocorrendo nas Américas. Dependemos muito da informação que possamos receber de pessoas como vocês, para podermos fazer representações na OEA e agir adequadamente nas situações de emergência e assim encontrar soluções para os casos que necessitam de atenção, afirmou Camilleri. 
 
 
Brasil
 
 
O Conselheiro Arcírio Gouvêa Neto quis saber de Camilleri qual a posição do Brasil no ranking de liberdade de expressão e avanço em legislação para proteção aos jornalistas. O relator novamente fez questão de ressaltar que não falava em nome da OEA, mas disse que em relação aos cinco desafios que apresentou há poucos países que não apresentam problemas.
 
 
Camilleri disse que o Uruguai é o país da América Latina que mais avançou em relação à legislação de proteção aos profissionais da mídia. E falou que, atualmente, os jornalistas uruguaios não sofrem qualquer tipo de coerção e desacato das autoridades locais no exercício da profissão.
 
 
O Uruguai foi citado como exemplo interessante de um país que avançou. Segundo o relator, é importante verificar como alguns Estados conseguiram esses avanços, sobretudo aqueles que passaram por períodos autoritários:
― Esse é um bom legado, um legado cultural que deve ser analisado país a país, pois cada um tem que seguir o seu processo. Vemos que o Brasil, com o fim da Lei de Imprensa e a Lei de Acesso à Informação Pública, tomou decisões importantes, declarou.
 
 
Punição
 
 
O Conselheiro Carlos Felipe Meiga Santiago fez uma pergunta ao relator sobre o caso da condenação do Brasil pela Corte por não ter punido os responsáveis pelas mortes e desaparecimentos ocorridos na guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1974. Camilleri ponderou que a sua visita ao Brasil tinha como propósito apenas difundir o trabalho da Relatoria sobre a liberdade de expressão, e por essa razão não poderia se pronunciar oficialmente sobre essa questão. Mas disse que a posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA é de que as graves violações de direitos humanos têm que ser punidas.  
 
 
O relator da OEA disse também que “as anistias não são compatíveis com as obrigações que os Estados assumem voluntariamente quando ratificam a Convenção Americana sobre direitos humanos”:
― Esse é o princípio geral que se aplicou no caso do Araguaia. Qualquer ação ou omissão de um Estado que vai contra a obrigação assumida não vai ser em aceita por parte da Corte Interamericana, que está supervisionando o cumprimento da sentença sobre o caso do Araguaia, afirmou Camilleri.
 
 
 
 
Camilleri falou ainda sobre a posição da Relatoria sobre as leis que restringem a liberdade de expressão na internet. Ele disse que o trabalho sobre esse tema está apenas começando, e citou um projeto de lei que tramitava nos Estados Unidos, para proteger a propriedade intelectual e que restringia a liberdade de expressão na rede:
― Junto com um relator da Organização das Nações Unidas foi feito um pronunciamento público propondo punições para os países que pretendem insistir com essa matéria. Por causa da pressão de organizações civis e empresas como o Google, Yahoo e Wikipédia o projeto de lei foi anulado. Foi um movimento importante para respaldar a liberdade de expressão na internet, afirmou.
 
 
Violência
 
 
No final do encontro, o Presidente Maurício Azêdo, após saudar Michael Camilleri, disse que a presença dele e as informações por ele pronunciadas eram muitos importantes para a luta em que a ABI se empenha em defesa da liberdade de imprensa e de expressão e dos direitos humanos:
― Vivemos, atualmente, no Brasil, a plenitude das franquias democráticas relacionadas com a imprensa e a comunicação em plena vigência. Mas esse panorama favorável ao exercício da atividade da imprensa, e dos jornalistas profissionais e comunicadores de modo geral, é toldado pelas violências e pelas ameaças que infelizmente rondam a nossa profissão, declarou Maurício Azêdo.
 
 
Maurício Azêdo explicou a Camilleri que esses atos acontecem especialmente nas cidades menores do País, onde o exercício da atividade jornalística, e da liberdade de imprensa, fica condicionado aos humores e aos propósitos dos Governantes locais, juízes e delegados de Polícia, entre outras autoridades, situação que impõe cerceamento à atividade e à liberdade de expressão e de comunicação.
 
Lembrou o Presidente da ABI que, em muitos casos que têm gerado notícias da própria OEA, a violência culmina com a eliminação física dos jornalistas:
― Desde fevereiro do ano passado até este momento tivemos a morte de seis profissionais. Um desses casos ocorreu em abril passado, no estado do Maranhão, quando o jornalista, radialista e blogueiro Décio Sá foi abatido a tiros num atentado provocado por sua atitude corajosa, recordou Maurício Azêdo.   
 
 
O Presidente da ABI disse que essas questões têm levado as entidades de imprensa a postular uma ação mais efetiva dos Governos em relação à apuração desses crimes. Inclusive essa foi a pauta de uma reunião dos representantes da categoria com a Ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário Nunes, em 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. “No encontro, foram apresentadas uma série de propostas reclamando proteção para o exercício da atividade de jornalista e para a liberdade de expressão”, disse Maurício.
 
 
Segundo Maurício Azêdo, entre as propostas figurou a postulação de que os atos de violência contra os jornalistas não fiquem restritos à apuração pelos Governos estaduais, por meio das suas Secretarias de Segurança e unidades policiais:
― Pedimos que as investigações sejam, também, objeto de acompanhamento pela Polícia Federal, que, devido ao distanciamento das implicações locais, pode desempenhar um papel importante naquilo que corresponde a uma necessidade que infelizmente até agora não foi atendida, afirmou.
 
 
Maurício Azêdo disse que essa era a atuação da ABI e de outras entidades representativas da imprensa, como da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), AlterCOM, criada recentemente que engloba um dos grupos mais visados atualmente que são os blogueiros:
― Todos concordando nessa exigência de que o Poder Público saia da passividade e assegure aos jornalistas e à imprensa a proteção devida, porque os profissionais da comunicação não agem em benefício próprio, mas como agentes do interesse público e da necessidade informação da sociedade, declarou.
 
 
Dirigindo-se a Camilleri, o Presidente da ABI elogiou a OEA pela atuação que a organização tem adotado há alguns anos “em benefício dos direitos humanos e desse bem imaterial importante que é a liberdade de expressão”. Michael Camilleri agradeceu à Diretoria da ABI a oportunidade que lhe foi oferecida para falar sobre o seu trabalho. Ele presenteou a entidade com duas publicações da Relatoria, contendo orientações sobre liberdade de expressão e leis de acesso à informação.