Reparação para nós


19/11/2023


Miro Nunes – Diretoria de Igualdade Étnico-Racial ABI

Há 135 anos o Brasil aboliu o regime escravocrata e no dia seguinte ao 13 de maio de 1888 (para ser “oficial”) inaugurou o que atualmente tem sido popularmente conhecido como racismo estrutural. No caso concreto, a palavra Racismo não precisa deste ou de outro adjetivo para acompanhá-la na sua história de devastação de povos, especialmente a partir do século 16.

Entre escravização e pós-abolição inconclusa, completamos este ano (considerando 1532 como um recorte temporal) 491 anos de superioridade da classe dominante brasileira (representada, em termos de poder de fato, pelo binômio homem + branco) sobre negras e negros descendentes de verdadeiras heroínas e verdadeiros heróis de resistências históricas.

A Reparação reivindicada por nós negras e negros insere-se neste contexto histórico que se mantém até hoje. Reparação é o começo do processo de libertação do povo negro neste país e ainda serve, simultaneamente, de base para o projeto de uma nação múltipla em todos os aspectos, dentro e fora de cada grupo étnico-racial que a compõe. Reparação também incluí economia pois os trilhões de reais transferidos, a cada ano, à classe dominante devem ser redirecionados, direta e indiretamente, a negras e negros via políticas de Estado que certamente beneficiarão toda a sociedade brasileira.

O parecer jurídico denominado “Aspectos Jurídicos da Reparação da Escravidão” (link 1 ao final do artigo) do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) registra que a Constituição Federal em seus artigos 5º, 7º e 215 fornece a sustentação legal básica para a reivindicação da reparação ao povo negro (preto + pardo, vide Censo IBGE) pelos quase cinco séculos de opressão do Estado brasileiro, sendo destes 356 anos de regime escravocrata, que colocou negras e negros como em condições piores do que semoventes (bois, vacas, etc).

“O Art. 5º, segundo o qual “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”; o Art. 7º, que “proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”, e o Art. 215, de acordo com o qual “o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.

Este trecho deste já histórico documento de 80 páginas, coordenado e relatado pelo jurista Humberto Adami à época presidente da Comissão de Igualdade Racial do IAB, foi aprovado por aclamação há três anos (09/09/2020) em sessão virtual (devido à pandemia) do Instituto. O mesmo parecer relembra que a escravidão foi considerada crime contra a humanidade, e imprescritível, pela Terceira Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Correlatas de Intolerância realizada em setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul, cujo documento oficial é mais conhecido como a Declaração de Durban, que também ratificou a necessidade da adoção de reparação histórica aos povos escravizados na diáspora.

Vale lembrar a atuação da Organização pela Libertação do Povo Negro (OLPN) que trabalhou junto com a Ordem dos Advogados do Brasil para a criação, em 2015, da Comissão da Verdade Histórica sobre a escravidão negra no País, conforme detalha a professora Tereza Ventura em artigo “Lutas por reparação: dívida histórica e justiça pós-colonial” publicado em 2021 na revista (nº12 www.praticasdahistoria.pt). A OLPN em seu projeto político pela reparação destaca a responsabilidade do Estado brasileiro que promoveu por três séculos e meio o regime escravocrata e que, por ter sido signatário da Declaração de Durban (incorporada à legislação internacional e nacional) tem que acatar como imprescritível e crime contra a humanidade (de novo enfatizamos) a escravidão abolida e inconclusa de 1888.

Miro Nunes (*)
Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2023.

(*) Assinei alguns documentos a favor da proposta de Reparação Histórica, mencionada no texto acima, com meu nome Valmiro Oliveira Nunes, registrando CPF/RG, o que confirma meu total comprometimento e responsabilidade pelo que escrevo (informando e comentando) com assinatura.

Fontes básicas: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/redes/enfrentamento_racismo/info_importantes/Parecer%20MPSE.pdf
https://praticasdahistoria.pt/article/download/24948/18398/97792