Regina Zappa, Chico Buarque e Hildegard Angel falam do assassinato de Zuzu Angel


17/06/2021


Por Vera Perfeito, conselheira e Diretora de Cultura da ABI


O vídeo foi ao ar, inicialmente, no programa Estação Sabiá da jornalista Regina Zappa, na TV247.

Vídeos com 1h05 de duração da entrevista com o compositor Chico Buarque e com a jornalista Hildegard Angel no programa Estação Sabiá da jornalista Regina Zappa na TV247, relembrando os assassinatos pela ditadura brasileira de Stuart Angel e da estilista Zuzu Angel, mãe do ativista e de Hildegard, serão exibidos hoje, a partir das 19h30, no programa Encontros da ABI com a Cultura.

Regina Zappa falará da sua pauta sobre os 50 anos da morte de Stuart e de fatos acontecidos nos 21 anos da ditadura no Brasil, além dos bastidores da entrevista virtual, realizada na semana passada, com Hildegard e Chico, amigo de Zuzu.  O Encontros da ABI com a Cultura pode ser acompanhado pelo canal da Associação Brasileira de Imprensa no YouTube.

 

Stuart e Zuzu

Stuart Edgart Angel Jones foi um estudante de economia da UFRJ, membro do MR-8 e que participou da luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Foi preso, torturado, assassinado, aos 25 anos, em 1971,e dado como desaparecido político. Sua mãe, a mineira Zuleika Angel Jones, a Zuzu Angel, personagem notória do Brasil da época da ditadura militar, ficou conhecida nacional e internacionalmente não apenas por seu trabalho inovador como estilista de moda, mas também por sua procura pelo filho, enfrentando autoridades da época e levando sua busca a se tornar conhecida no exterior. Ela também morreu assassinada pela ditadura, aos 54 anos, em 1976, quando seu Kharman-Ghia TC foi fechado por um carro, descendo ladeira abaixo em São Conrado, no Rio.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade recebeu de Cláudio Antônio Guerra, ex-agente da repressão que operou como delegado do Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo (DOPS), a confirmação da participação dos agentes da repressão no episódio da morte de Zuzu Angel. Em 2019, sua filha Hildegard Angel impetrou um mandato judicial no 8.º cartório do Registro Civil da Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e conseguiu finalmente emitir as certidões de óbito de sua mãe, Zuleika, e de seu irmão, Stuart. As causas das mortes foram atestadas como “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistêmica e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.

Pioneira na moda brasileira, Zuzu fez sucesso com seu estilo em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos. Seu estilo misturava rendaseda, fitas e chitas com temas regionais e do folclore. Na virada dos anos 60 para os anos 70, Stuart Jones, filho de Zuzu e então estudante de economia, passou a integrar as organizações de esquerda que combatiam a ditadura militar no Brasil, instaurada em 1964, filiando-se ao MR-8, grupo guerrilheiro de ideologia socialista do Rio de Janeiro. Preso em 14 de abril de 1971, Stuart foi torturado e morto pelo Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) no aeroporto do Galeão e dado como desaparecido pelas autoridades.

A partir daí Zuzu entraria em uma guerra contra o regime pela recuperação do corpo de seu filho, envolvendo os Estados Unidos, país de seu ex-marido e pai de Stuart. Como estilista, ela criou uma coleção estampada com manchas vermelhas, pássaros engaiolados e motivos bélicos. O anjo, ferido e amordaçado em suas estampas, tornou-se também o símbolo do filho. Em 1971, realizou um desfile-protesto no consulado do Brasil em Nova York, tecnicamente território brasileiro. Sua luta chegou aos jornais internacionais e suas roupas passaram a ser vendidas em lojas de renome como Bergdorf GoodmanSaks, Lord & Taylor, Henry Bendell e Neiman Marcus. Ela envolveu em sua causa celebridades de Hollywood que eram suas clientes como Joan CrawfordLiza Minelli e Kim Novak.

Em 1973, foi ao apartamento do general Ernesto Geisel no Leblon durante a visita de Henry Kissinger, então secretário de estado norte-americano, ao Brasil, em 1976, e furou a segurança para lhe entregar um dossiê com os fatos sobre a morte do filho, também portador da nacionalidade americana.  Seu caso também chegou ao senador Edward Kennedy. Foram anos em busca do corpo do filho, sem poder dar-lhe um enterro, pois o corpo de Stuart nunca foi encontrado e consta como desaparecido político brasileiro.

A busca de Zuzu pelas explicações, pelos culpados e pelo corpo do filho só terminou com sua morte, ocorrida na madrugada de 14 de abril de 1976, num acidente de carro na Estrada da Gávea, à saída do Túnel Dois Irmãos (Estrada Lagoa-Barra), Rio de Janeiro, hoje batizado com seu nome. Está sepultada no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro.

Uma semana antes do acidente, Zuzu deixara na casa de Chico Buarque de Hollanda um documento que deveria ser publicado caso algo lhe acontecesse, em que escreveu: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.

Em 1998, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos julgou o caso e reconheceu-a como pessoa que, “por ter participado, ou por ter sido acusada de participação, em atividades políticas, tenha falecido por causas não-naturais, em dependências policiais ou assemelhadas”. Em seu relatório final publicado em 2007, a Comissão inseriu depoimentos de duas testemunhas oculares do acidente, sendo um deles prestado indiretamente, que afirmaram ter visto o carro de Zuzu ter sido fechado por outro e jogado fora da pista, caindo de uma altura de cerca de cinco metros.

Em 2014, Cláudio Antônio Guerra, ex-agente da repressão que operou como delegado do Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo (DOPS) escreveu o livro Memórias de uma Guerra Suja, no qual relata diversos crimes dos quais participou e fornece detalhes de fatos históricos daquela época que incluem o Atentado do Riocentro, a morte de Zuzu Angel, a morte do delegado Sérgio Fleury, atentados à bomba à sede da OAB e a redações de jornais e revistas. Guerra apontou para a presença do falecido coronel do Exército Freddie Perdigão Pereira, agente da repressão e torturador identificado por presos políticos, em foto do local do acidente que matou a estilista.

Depois de sua morte, Zuzu foi homenageada em livrossica e filme. Chico Buarque compôs, sobre melodia de Miltinho (MPB4), a música Angélica, em 1977, em homenagem à estilista.  Em 1993, a filha de Zuzu, a jornalista Hildegard Angel, criou o Instituto Zuzu Angel de Moda do Rio de Janeiro, em memória da mãe. Em 2006, o cineasta Sérgio Rezende dirigiu Zuzu Angel, filme que retrata a vida da estilista, protagonizada por Patrícia Pillar.

 

Regina

A jornalista carioca Regina Zappa é também escritora, roteirista, professora universitária e conselheira da ABI. Trabalhou na TV Manchete, na Última Hora, Revista Fatos e Jornal do Brasil onde foi, por mais de 20 anos, editora de Cultura, Política e da Internacional quando fez a cobertura da  abertura econômica da China e do golpe militar sofrido por Gorbachev, presidente da extinta União Soviética.

Regina viveu os fatos dos anos 1960 ainda adolescente no Brasil que, à época, estava mergulhando em uma grave ditadura militar. Mais tarde, publicou diversos livros a respeito, como 1968 – Eles só queriam mudar o mundo, um almanaque sobre a geração de jovens revolucionários.

Também biografou grandes nomes da música brasileira, principalmente tropicalistas, como Chico Burque, com quem escreveu vários livros sobre ele e em parceria, entre eles: Chico Buarque para todos, Para Seguir Minha Jornada: Chico Buarque e Chico Buarque – cidade submersa, além de Gilberto Gil, objeto de uma biografia, Gilberto bem perto. A autora optou por um trabalho discreto e respeito aos biografados sem histórias sensacionalistas.