Reformulação dos jornais em debate


22/08/2008


A polêmica sobre a suposta extinção dos jornais impressos frente a meios eletrônicos mais dinâmicos na transmissão de informações ganhou vulto nos últimos tempos, principalmente após o boom da internet nos anos 90. Há vozes mais alarmistas, inclusive no meio jornalístico, que chegam a fazer previsões para o sumiço das publicações. Não é o caso do repórter especial do Estado de S. Paulo Lourival Sant’Anna, que, em “O destino do jornal” (Record), aponta tendências para o futuro da imprensa e do exercício da profissão neste meio.

O livro é resultado de seu mestrado na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), orientado por Beth Saad, especialista em gestão de empresas de comunicação. Para sua realização, Lourival usou como recursos os dados quantitativos do mercado; uma pesquisa com foco no público-alvo dos jornais; uma revisão da literatura norte-americana e européia; e entrevistas com os diretores de Redação dos três jornais em que concentrou o estudo — Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo — e dois especialistas no tema — Nicholas Negroponte, do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e Ramón Salaverría, do Laboratório de Comunicação da Universidade de Navarra, na Espanha:
— Eu queria saber o que de fato ia acontecer com o jornal e quais as conseqüências disso para o jornalismo em geral — diz Lourival. — É uma discussão sobre sustentabilidade econômica, concorrência, hábitos de leitura e a maneira como as pessoas estão se informando, as tendências do mercado publicitário, a gestão das empresas de comunicação e o uso da tecnologia.

Nova mídia

O jornalismo praticado na internet em tempo real tem sido o grande causador de especulações sobre o fim dos jornais. Para Lourival, no entanto, ainda não está bem estruturado a ponto de rivalizar com o impresso:
— A web ainda se encontra no estágio em que estavam os jornais no século XIX, quando eram menos um negócio e mais a iniciativa de pessoas ou grupos que ganhavam dinheiro com outras coisas e o investiam nos jornais para propagar suas idéias. Estamos tateando nesse novo negócio. Ele ainda é muito pouco rentável e não sustenta operações sólidas de apuração da informação. Em grande medida, a internet se serve das estruturas de apuração dos meios tradicionais, a começar pelos próprios jornais.

Longe de causar a falência dos jornais, o momento é de complementação dos meios, na opinião de Lourival:
— A internet funciona como um teaser, um estímulo para o leitor querer saber mais nas páginas dos jornais, no dia seguinte, sobre aqueles fatos noticiados. O jornal, por sua vez, pode remeter o leitor de volta para a internet, convidando-o a acompanhar o seguimento da notícia no decorrer do dia ou a acessar a íntegra e o áudio das entrevistas, bem como textos, documentos, seqüências de fotos, infográficos, material de arquivo, enfim, tudo o que não caberia pôr no jornal.

 Com o guia no Afeganistão

Em recente pesquisa realizada pelo Datafolha sobre como os jovens brasileiros se informam, constatou-se que a maioria, 33%, ainda prefere a TV; 26%, a internet; e 19%, os jornais, sendo que nas classes A e B e entre jovens de 16 a 17 anos e de 18 a 21, a internet é o meio predileto. Para Lourival, a constante migração para o online é explicada pelo fato de o usuário poder romper com a dicotomia emissor-receptor:
— Ele também quer emitir informações, quer atuar como repórter e editor sem ser um profissional treinado para isso, sem ter as condições de trabalho oferecidas por uma empresa de comunicação e sem estar sujeito aos controles a que os jornalistas estão submetidos: dos colegas, dos chefes, das fontes, dos leitores, do sindicato e da Justiça.

Somadas a isso, outras características do online são apontadas por Lourival como uma ameaça à nossa cultura jornalística. Entre as principais estão os softwares que elevam para o alto da página as matérias mais acessadas, alterando a sua hierarquia, e os “links patrocinados” — palavras do texto que, clicadas, levam a anúncios publicitários e ações de marketing, possibilitando que o comercial tenha influência sobre as pautas:
— Será que os jornais, ao migrarem para o online, cederão a todas as essas demandas? Se o fizerem sem prestar atenção nas possíveis implicações, podem pôr em risco ativos como a credibilidade, o prestígio e a influência, valores intangíveis que tornam o jornalismo um negócio rentável e independente de grupos econômicos e políticos.

Reestruturação

Além da internet, outros meios de comunicação — como o rádio, a TV, os painéis eletrônicos e os celulares — transmitem a notícia com mais eficiência que os jornais, o que implica uma reestruturação da função do impresso:
— O jornal não pode mais se limitar a dar a notícia — diz Lourival. — Ele precisa explicar o que aquele fato, do qual o leitor tomou conhecimento na véspera, significa para sua vida, sua cidade, seu país e o mundo. O jornal deve agregar valor à notícia, tornando-se mais analítico e interpretativo. Não estou falando de opinião; esta já tem espaço nobre e suficiente nas páginas diárias. Ele também deve adquirir mais qualidade narrativa, contando as histórias com início, meio e fim.

Para tanto, os profissionais também devem passar por reformulações:
— Nossos jornalistas estão treinados para relatar fatos e transcrever declarações. Isto não é mais suficiente. O jornal deve continuar apurando a informação, mas precisa trabalhá-la muito mais. Precisaremos de profissionais mais versados em História, Economia, Ciência Política, Antropologia, Direito etc. E que saibam escrever de uma forma ao mesmo tempo precisa, acurada, lógica e saborosa.

Em meio às novas possibilidades de consumo de informação, o repórter aponta algumas tendências estruturais para o destino do impresso e afirma:
— O jornal não vai acabar tão cedo. Vai perder receita publicitária para a internet e diminuir em número de páginas, porque não se proporá mais a noticiar todos os fatos importantes da véspera, concentrando-se apenas em alguns deles. Deve reduzir também em número de cópias, com a migração para o online, e de formato, passando de standard para tablóide, uma tendência internacional que potencializa seu atributo de portabilidade.

A internet deve ainda reduzir mais de um terço dos custos, referente à impressão e à distribuição, além de permitir que as empresas de comunicação transfiram suas atividades do setor industrial para o de serviços:
— Vamos nos concentrar na informação, que é o nosso negócio, e, no processo, nos livraremos das amarras industriais, como o tamanho dos textos, a limitação das fotos e dos infográficos e o cruel deadline, que impõe o fechamento de uma edição quando muitas vezes a notícia ainda está em andamento

Circulação

No primeiro semestre de 2008, em relação ao mesmo período no ano anterior, o Instituto Verificador de Circulação (IVC) constatou um aumento de 8,1% na circulação dos jornais filiados à entidade, entre eles O Globo, o Estadão e a Folha. Lourival atribui o bom momento ao incremento da renda no País:
— Nos anos 90, houve uma bolha de circulação, inflada pelos “anabolizantes”, os brindes. Quando essas promoções se esgotaram, o número de leitores refluiu. Depois, a desvalorização do real, em janeiro de 1999, abalou as finanças dos jornais, altamente endividados em dólares. E o crescimento econômico foi medíocre na primeira metade dos anos 2000. Em conseqüência, os jornais deixaram de investir em campanhas de assinaturas e reduziram a circulação ao nível mais rentável possível — grosso modo, 50% das receitas provêm de anúncios; 25%, de classificados; e só os restantes 25%, de venda de assinaturas e avulsa, de maneira que uma circulação maior não equivale, necessariamente a maior rentabilidade. Quando o crescimento econômico se tornou mais robusto, os jornais, com suas dívidas equacionadas, partiram para atender a demanda reprimida. Daí o aumento de circulação.

Lourival argumenta que este é o melhor momento para se reformular os jornais, apostando na interpretação e contextualização da notícia como forma de assegurar lugar no mercado:
— Acho que o maior valor agregado não está na opinião — que é uma impressão pessoal, mais ou menos embasada, sobre uma informação geralmente apurada por outrem —, mais sim na análise e na interpretação feitas pelos próprios profissionais que apuram a notícia e recorrem, para isso, a fontes especializadas e bem informadas. Em graus e nuanças diversas, os diretores do Estadão, da Folha e do Globo concordam com essa minha tese. Daí a colocá-la em prática, vai uma distância. Para quem tem a responsabilidade da gestão, é difícil, principalmente num momento em que os jornais desfrutam de alta rentabilidade, trocar um modelo pelo outro. Claro que esta discussão terá de ser gradual. Não se faz isso da noite para o dia. Mas é preciso começar. Senão, seremos atropelados pela história e nos tornaremos irrelevantes.