O silêncio do conivente


06/05/2021


Por Ricardo Viveiros, Conselheiro da ABI, jornalista, professor e escritor, é doutor em educação, arte e história da cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; autor, entre outros, de ‘A vila que descobriu o Brasil’ (Geração), ‘Justiça seja feita’ (Sesi) e ‘Educação S/A’ (Pearson).

Artigo publicado do Jorn al Folha de S. Paulo em 4 de maio de 2021.

O Senado brasileiro instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o que o governo Bolsonaro possa ter feito de errado na consciência, no planejamento, na estratégia e na ação contra a pandemia da Covid-19.

CPIs têm poder, geram impeachment de presidentes. Fernando Collor caiu ao final de uma CPI. De 1988 para cá, esse tipo de investigação conquistou ainda mais força, passando a quebrar sigilos bancário, fiscal e telefônico como, até então, só o Judiciário tinha condições de fazer.

O que determinará essa nova CPI? O Parlamento, a quem cabe por vontade popular a fiscalização do Executivo, irá ou não cumprir, rigorosamente, com a liberdade de apurar  e determinar a culpa da tragédia? Em plena pandemia, além do negacionismo e outros erros, em dois anos foram nomeados quatro ministros da Saúde.

O grande personagem dessa CPI é, sem dúvida, o general de divisão do Exército brasileiro, Eduardo Pazuello. Qualquer resultado começará, passará e terminará nele. Pazuello não tem formação na área da Saúde, nem mesmo em logística, que teria sido o bom motivo pelo qual Bolsonaro o nomeou para ministro. A rigor, traz no seu currículo denúncias de corrupção envolvendo curso de paraquedistas e desvio de munição nos tempos em que estava nos quartéis. Sua passagem pelo ministério contabiliza recomendação de uso da cloroquina, cientificamente não comprovada; descaso e militarização da pasta; incentivo à desinformação sobre a pandemia; atrasos na compra de vacinas; e responsabilidade pelo colapso nos hospitais de Manaus, no Amazonas, gerando muitas mortes.

Fontes informam que Pazuello vem sendo “treinado” para sair-se bem na CPI e proteger Bolsonaro. Perda de tempo, ele não assimila esse tipo de preparo, é autoritário demais para tanto. Outras fontes asseguram que ele já teria aceitado o sacrifício da condenação para proteger o presidente. Por fim, ainda corre por fora a hipótese de ele ser fidedigno aos fatos e mostrar quem, de fato, tem a principal responsabilidade pelas consequências da má gestão. Aquele ao lado do qual deixou claro, em uma entrevista, que militar apenas cumpre ordens.

Bolsonaro tentou dar um novo cargo a Pazuello no governo, no qual tivesse foro privilegiado e, assim, ficasse “blindado”. Não conseguiu: teria que desalojar outro militar ou, pior, sacrificar indicados de aliados políticos, em especial do centrão. Um dia após ser exonerado do Ministério Saúde, porém, a Procuradoria-Geral da República pediu o envio do inquérito contra Pazuello para a primeira instância.

Recente portaria retornou o ex-ministro ao Exército. O documento não detalha qual posto o general ocupará, mas é bem provável que seja um cargo restrito a militares no Ministério da Defesa. Enquanto isso, a CPI ouvirá muitos depoimentos. Vai lidar com “nitroglicerina pura”. Pazuello —seja qual for o resultado final da investigação parlamentar— é o personagem mais cotado para ter a culpa de uma tragédia muito maior do que ele teria, sozinho, a capacidade de gerar.