O patriarcado contra-ataca e a igualdade – especialmente a digital – fica mais distante


08/03/2023


Por Gilberto Scofield Jr. (*)

Na segunda-feira passada, dia 6/3, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterrez, afirmou – durante a sessão de abertura da 67ª sessão da Comissão sobre o Estado da Mulher, o principal órgão global da ONU que luta pela igualdade de gênero – que os direitos das mulheres estão sendo “abusados, ameaçados e violados” em todo o mundo e a igualdade de gênero não será alcançada nos próximos 300 anos mantido o ritmo atual de reformas. “O patriarcado está revidando”, avisou ele, em alusão ao ritmo de mudanças, aos conflitos internacionais e, principalmente, ao crescimento de governos autoritários de viés conservador e de extrema-direita que vem ocorrendo em todo o mundo. Trata-se de um fenômeno turbinado, entre outros fatores, por políticas de desinformação e manipulação de narrativas e por uma clara reação ao aumento no volume de vozes femininas do debate público com o auxílio das novas tecnologias digitais.
Mas é exatamente aí que reside o maior problema, observa a subsecretária-Geral da ONU e Diretora Executiva da ONU Mulheres, Sima Bahous: “Um novo tipo de pobreza agora confronta o mundo, que exclui mulheres e meninas de forma devastadora — a pobreza digital. A exclusão digital tornou-se a nova face da desigualdade de gênero, que está sendo agravada pela resistência contra mulheres e meninas que constatamos no mundo hoje.” A revista de tecnologia The Shift, uma das maiores referências brasileiras em novas tendências na área, resumiu de maneira clara as provas enumeradas por Bahous sobre o tamanho do abismo global que separa homens e mulheres da igualdade de voz, oportunidades e remuneração no mundo digital:

● “As mulheres têm 18% menos probabilidade do que os homens de possuir um smartphone e muito menos probabilidade de acessar ou usar a Internet”.
● “No ano passado, 259 milhões de homens a mais do que mulheres estavam online”.
● “Apenas 28% de graduados em engenharia e 22% de profissionais de inteligência artificial em todo o mundo são mulheres”.
● “No setor global de tecnologia, as mulheres não apenas ocupam menos cargos, mas também enfrentam uma diferença salarial de 21%”.
● “Quase metade de todas as mulheres que trabalham com tecnologia já enfrentaram assédio no local de trabalho”.
● “80% das crianças em 25 países relataram sentir-se em perigo de abuso e exploração sexual quando online, sendo as adolescentes as mais vulneráveis”.

A sessão do Estado da Mulher começou no dia 6 e vai até 17 de março com o tema: “Inovação, mudança tecnológica e educação na era digital para alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas”. No Dia Internacional da Mulher, a celebração oficial na ONU vai incluir um grande debate sobre as responsabilidades e o papel de todo o ecossistema digital na melhoria do acesso a ferramentas digitais, mas especialmente na redução da lacuna de gênero digital entre homens e mulheres.

Para se perceber o tamanho do atraso que esta desigualdade traz, destaca Sima Bahous, basta observar que, com a menor inclusão digital das mulheres nos países de média e baixa renda, o PIB desses países deixou de crescer ao menos US$ 1 trilhão nos últimos dez anos. Trata-se de uma sangria que vai crescer para 1,5 trilhão de dólares até 2025, se nada for feito.
Os dados fazem parte do relatório da ONU sobre a situação mundial das mulheres em 2022 – UN Women’s Gender Snapshot 2022 -, que traz ainda algumas constatações desoladoras, destacadas pela “The Shift”:
● “A mudança não virá distribuindo mais smartphones para mulheres. Devemos colocar os princípios de inclusão, interseccionalidade e mudança sistêmica no centro da digitalização, e fazer da igualdade uma pedra angular da cidadania digital”, diz Bahous.;
● “Se as mulheres não forem incluídas entre os criadores de tecnologia e inteligência artificial, e tomadores de decisão, os produtos digitais não refletirão as prioridades de mulheres e meninas”. A misoginia sistêmica exibida nos “vales do silício” do mundo todo precisa ser eliminada;
● Uma análise global de 113 modelos de IA construídos entre 1988 e 2021, identificou que 44,2% tinham viés de gênero, e 25,7% tinham viés de gênero e raça”.

(*) Consultor em Educação Midiática e Digital da Lupa e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Mídias Criativas da UFRJ. É integrante da Comissão de Mulheres e LGBTQIA+ da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).