O fotojornalismo descoberto numa folha de caderno


07/11/2006


Claudio Carneiro
10/11/2006

                                     Claudio Carneiro

Mineiro de Belo Horizonte, onde nasceu em 63, Guarim de Lorena sempre teve interesse pela fotografia. Lá pelos 14 anos, ganhou uma camerazinha — nem sabe de que marca — e, naquele momento, se deu conta do que faria para sobreviver:
— Mas acho que descobri o fotojornalismo — o ato de contar uma história com imagem e texto — quando era ainda bem pequenininho. Eu tinha um caderno de meia pauta. Metade da folha era branca e a outra metade era pautada. Eu fazia o desenho ali e escrevia a história. Só depois me dei conta: o jornalismo é exatamente isso, só troquei a mídia e a plataforma. O resto já estava incorporado.

Para fazer um curso de Fotografia na Aliança Francesa, o rapaz de 17 anos — que morava sozinho no Rio de Janeiro — era inspetor de alunos no Instituto Bennett. Guarim ainda conseguia tempo para fazer faculdade de Comunicação.
Na Aliança, o professor indicou seu nome para cobrir as férias do assistente do conhecido fotógrafo de publicidade João Bosco:
— Foi uma experiência incrível. Trabalhei depois numa produtora de vídeo, onde fiz câmera, edição de imagens e externas. Nessa época, o João Bosco me chamou para substituir de vez o tal assistente, que era montanhista e estava indo morar na Espanha. Virei assistente do melhor fotógrafo do Brasil. Ele era o cara. Eu estava na hora certa, no lugar certo. Era como trabalhar em moda com o Versolato, ou no automobilismo com a equipe Ferrari. Trabalhei muito em publicidade mesmo. Com produto. Naquela época não tinha photoshop. Era tudo à vera. Trabalhei com o João Bosco de 85 a 87 e até hoje ele é minha referência profissional e ética.

Com a experiência adquirida, Guarim resolveu fazer incursões no jornalismo. No prédio onde trabalhava havia diversos fotógrafos: um era Rogério Reis, da agência F-4, que o indicou ao editor da Fotografia do JB, Orlando Brito. O ano era 88. Depois veio o trabalho no Dia, em 90, quando também concluiu a faculdade:
— Os fotógrafos da casa trabalhavam durante a semana. Nos sábados e domingos, folgavam e os frilas entravam em ação. Fiquei lá um ano. Nessa época já “frilava” para a revista Imprensa. Mas sou frila até hoje.

Há dois anos, Guarim aderiu à fotografia digital. O início da tecnologia foi desastroso. Segundo ele, as fotos eram ruins e as câmeras, muito caras. Mas com a evolução do sistema e o conseqüente ultimato do mercado que decretou o fim do analógico, entrou de cabeça no processo.
— Até então, eu fazia negativos, “escaneava”, gravava em CD e entregava. Mas o mercado, ávido por tecnologia, definiu. Hoje, não consigo imaginar a fotografia profissional de outra forma, embora tenha sido fundamental passar pelo filme. Foi importante para o aprendizado. Minha cabeça ainda é analógica, mas eu me beneficio do que o digital traz de novo.

Com a migração de muitos jornalistas, que deixaram as redações e foram para as assessorias de imprensa ou publicações, Guarim se decidiu pelo jornalismo empresarial. Segundo ele, este ramo de atividade requer que o profissional seja eclético, com abordagem jornalística, mas também publicitária:
— Você tem de fotografar bem um determinado produto e ainda fazer o “boneco” (retrato) de um empresário. Além disso, tem de ser um bom repórter fotográfico para, por exemplo, cobrir um campeonato de futebol de uma empresa. E só sabe fotografar futebol quem passou por jornal. O jornalismo empresarial é um desafio por isso.

Ética profissional

Guarim ressalta que, além disso, o jornalismo empresarial exige que o profissional saiba lidar com a hierarquia dentro das instituições, que acabam virando um laboratório de convivência e relacionamentos, onde discrição, ética e seriedade fazem a diferença:
— A ética tem de prevalecer. Vi o João Bosco abrir mão de trabalhos e botar gente pra fora do estúdio, até mesmo profissionais de prestígio, porque alguns intermediários entre o fotógrafo e o cliente queriam tirar proveitos financeiros.

Ele conta que, certa vez, o Diretor de Arte de uma agência levou um leiaute para um anúncio. Enquanto Bosco conversava com o cliente, Guarim era chamado para montar a foto — “eu ia para o estúdio, posicionava a câmera, maquiava o produto, media a luz, ajustava diafragma e obturador e o chamava. Depois, informava os detalhes técnicos da câmera e removia a placa do chassis. Ele disparava duas vezes e mandava revelar no laboratório”. Então, o Diretor de Arte comentou, em tom de brincadeira, que Bosco cobrara alto para apertar um botão e que o assistente tinha feito tudo:
— Ele olhou para o cliente e disparou: “Você não entendeu nada. Isso aqui é igual pelada de rua. Quem tem a bola joga na posição que quiser. Aqui a bola é minha. Se ele fosse o dono da bola, eu seria o assistente dele.” Fiquei arrepiado. Bosco me nivelou a ele na frente do cliente. Ele tinha “comprado a bola” primeiro. Uma questão de tempo, chance e oportunidade.

“Causos” contados na primeira pessoa

O fotojornalismo propicia o acesso a situações inusitadas e ambientes pouco comuns, diz Guarim, para quem, no entanto, o mais fascinante é a oportunidade de conhecer grandes personalidades. No lançamento do livro “Olga”, ele foi escalado pelo Dia para fazer uma foto do Luís Carlos Prestes:
— Fiquei muito emocionado e, ao cumprimentá-lo, disse: “Eu me sinto apertando a mão da História.” Ele me respondeu como se fosse a primeira vez que ouvisse aquilo: “Ah, meu filho, que bom.”

“Causos” não faltam na vida de Guarim:
— Uma vez fui fotografar meu conterrâneo Ziraldo. Ele virou pra mim e repetiu, pensativo, meu nome: “Guarim. Esse é o nome de uma grande desafeto meu. Nós disputamos a mesma mulher. Eu ganhei.” Para minha sorte, ele foi muito simpático. Não me viu como inimigo.

Outra história que conta, dos tempos do jornal O Dia:
— Certa vez, antes de o criminoso Maurinho Branco ser morto, a polícia ia lacrar o apartamento dele, na Tijuca. A imprensa toda estava lá. O Delegado Luís Mariano e vários jornalistas encheram o elevador do edifício. Eu fiquei do lado de fora e com aquela sensação de que ia perder o melhor da matéria. Mas o elevador ficou cheio demais. Peguei outro elevador, cheguei no oitavo andar e… cadê os coleguinhas? Daqui a pouco eu ouço um toque-toque no elevador que, lotado, tinha parado entre o sétimo e o oitavo andar com o Delegado e toda a imprensa do Rio de Janeiro. De lá de dentro, o Mariano — apavorado — gritava: “Peçam auxílio, peçam auxílio!” Quando abriram a porta, fiz a foto do Mariano e todos os colegas presos no elevador. Era uma pauta mais ou menos, mas que rendeu uma boa foto, publicada no dia seguinte.

As histórias continuam:
— Outra vez fui fotografar para uma dessas revistas de forma física e saúde. A matéria era sobre o bumbum, a “preferência nacional”. Foram selecionadas três moças. Levei a modelo para Grumari. Chegando lá, quando ela tirou o roupão, notei uma espinha enorme bem ali, no “personagem” a ser fotografado. Não havia Photoshop na época para corrigir o defeito. O jeito foi fazer “nádegas à milanesa”. Sujei a moça de areia e salvei o trabalho.

E…
— Eu seguia de carro pra casa e, na vizinhança, notei um quintal totalmente tomado por flores de jambeiro. Havia também um caminho marcado no chão, revelando que os moradores não desfaziam aquilo que a natureza criara com tanta beleza. Saquei da máquina e perguntei à dona da casa, uma velhinha, se podia fazer um registro e também fotografá-la na cadeira de balanço, na frente do caminhozinho e do jambeiro. Quando ela se levantou, notei que tinha Parkinson. Aí ela me disse: “Todo dia eu faço esse caminho, senão eu piso nas flores.” Foi o exemplo de vida que D. Ivone me deu.

 

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“Fui fazer
umas 
fotos do…”

“Foi uma emoção fotografar…”

“Esta casa colorida 
é um…”

“Esta é 
mais uma
lenda…”

“Essa foto 
eu fiz do
Gabriel …”

“O jornal norueguês mandou…”

“Esta é a Dona Ivone, que sofre…”

“Esta foto
foi feita 
por acaso…”