27/03/2009
De olho no mercado editorial, que a cada dia está mais dinâmico e competitivo, depois de 58 anos circulando no formato standard, o jornal O Dia mudou o seu visual. Para alguns especialistas, a mudança vem sendo analisada como uma última tentativa do jornal de se salvar de uma grave crise econômica. E acontece justamente depois que a internet se tornou um dos meios mais eficazes de interação dos veículos de comunicação com os seus consumidores.
O Dia foi lançado em 5 de junho de 1951, pelo então Deputado Chagas Freitas, que mais tarde foi Governador dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. Em 1983, o jornal foi comprado pelo jornalista e empresário Ary Carvalho.
Atualmente o jornal é um produto do Grupo O Dia de Comunicação, sob a direção de Gigi Carvalho, do qual fazem parte o jornal Meia Hora, o portal O Dia Online, a TV O Dia, a rádio FM O Dia, uma agência de notícias e o Instituto Ary Carvalho.
A estréia do tradicional veículo da imprensa carioca na versão berliner ocorreu na edição que circulou no domingo, 15 de março. Esta é a sétima reforma editorial e gráfica implantada em O Dia.
A primeira aconteceu em 1987 e foi o início de um novo enquadramento das matérias, que eram muito focadas nas reportagens policiais. Aos poucos as manchetes foram perdendo o tom sensacionalista e o jornal passou a adotar um noticiário mais “sóbrio e consistente, com ênfase na prestação de serviços”, conforme a justificativa dos editores apresentada na época.
Em 3 de junho de 1992, o jornal implantou o seu parque gráfico, no bairro de Benfica, na Zona Norte do Rio. No dia 5 de julho de 1992, foi lançada a primeira edição a cores. Em 1998, O Dia circulou full collor pela primeira vez. No ano seguinte, foi inaugurada a redação multimídia.
Outra mudança foi realizada em março de 2004, visando a ampliar a cobertura regional. O jornal passou então a circular com três capas diárias, com edições focadas no estado, na capital e nos municípios da Baixada Fluminense.
Tendência
José Reinaldo Marques |
Alexandre Freeland e André Hippertt |
O diretor de redação de O Dia, Alexandre Freeland — que também é um dos idealizadores do novo projeto —, diz que a reformulação atual é fruto da observação do mercado. Segundo o jornalista, o novo padrão gráfico e editorial foi inspirado em outros veículos do gênero, considerando as tendências que vêm se cristalizando no Brasil e no mundo:
— O Dia é um jornal popular focado no Rio de Janeiro e com esse novo projeto ele recupera essa proposta, por meio de um noticiário forte sobre a área de segurança pública e cidade, além do entretenimento. Há também outros simbolismos como a volta do amarelo. Isso sempre foi um ponto forte do jornal e para nós é uma bandeira praticamente intocável.
Considerando os exemplos do mercado editorial no exterior, Alexandre Freeland lembra os exemplos dos veículos gratuitos, que fazem grande sucesso na Europa e estão introduzindo um conceito diferenciado de fazer jornal:
— Existem atualmente vários elementos novos no mercado, que fazem com que um jornal precise sempre estar atualizado, buscando um novo formato. É preciso que o veículo esteja em sintonia com o comportamento do leitor: os seus e os dos outros jornais. Isso também impacta no modo como nós internamente lidamos com as plataformas que temos.
A nova proposta editorial e gráfica do jornal O Dia adotou o conceito de uma prática jornalística que no exterior se convencionou chamar de jornal revista. Este modelo, segundo Alexandre, foi defendido no último congresso da Society for News Design (SND), organização internacional voltada para o incentivo de padrões de excelência no jornalismo, por meio do design:
— Eles dizem que no mundo inteiro existe a tendência de fazer jornais com cara de revista. Processo que demanda maior cuidado visual e que permite trabalhar melhor as informações gráficas. Esse modelo nós conseguimos destacar em todo o nosso jornal. Ressaltando determinadas informações, como índices, percentuais, frases de maior relevância, entre outros aspectos. Foi isso o que mudou no trabalho das editorias, declarou Alexandre Freeland.
Destaque
Sobre o impacto da reformulação na reportagem e no fechamento do jornal, o diretor de redação disse que a partir de agora os editores são obrigados a definir melhor qual o melhor assunto do dia até o momento da reunião de pauta:
— Uma reportagem exclusiva, um tema sobre o qual todos os outros veículos vão falar no dia seguinte, ou pode ser também o fato mais importante da cidade. Não importa o assunto, a nossa energia será maior naquele que vai ser o especial do dia.
O processo de edição prevê vários abres das editorias. Assim o jornal procura dar relevância a determinados assuntos, sempre com a preocupação de proporcionar uma leitura bastante ágil para o leitor, para que ele tenha um panorama ampliado de todas as informações relevantes do dia. De acordo com Alexandre Freeland, o objetivo desse procedimento é fazer com que os consumidores de O Dia tenham uma leitura completa sobre o que aconteceu nas diversas editorias, podendo inclusive se aprofundar em algumas matérias.
Em relação à reforma ortográfica, Alexandre disse que o jornal recém-lançado já adotou o novo padrão e que os corretores de texto foram atualizados. Houve também treinamento para toda a redação. Mas como somente na semana passada é que foi publicado o novo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), algumas questões ainda permaneciam em aberto:
— Esse é um aprendizado individual e longo e que requer vigilância total sobre as novas regras que foram introduzidas. Eu acho que o que muda é que um repórter quando vai para a rua já pensa um pouco na edição. De certa maneira os repórteres de O Dia sempre tiveram esta característica, agora mais ainda.
As equipes de reportagem quando saem para fazer suas matérias já pensam nos itens que serão importantes destacar, informa o diretor de redação. Se anteriormente o repórter voltava para a redação com o lead na cabeça, ele agora já percebe a informação que pode ser destacada com o Infográfico:
— O editor não é o único responsável por esse processo, o repórter já tem um grande conhecimento e consegue pensar as matérias em conexão com as outras plataformas além do impresso. Essa reforma que nós fizemos agora sistematiza um novo modelo de reportagem, que já vinha sendo produzido anteriormente. Hoje, nós oferecemos mais recursos para que isso seja valorizado.
Alexandre cita a esse respeito uma matéria sobre barrigas de aluguel e venda de bebês na internet, que foi produzida com muitas entrevistas com câmera oculta (as imagens das pessoas foram preservadas), monitoramento pela internet e troca de e-mails com os personagens:
— Mesmo se a reportagem fosse publicada exclusivamente no impresso, a câmera oculta teria sido importante por causa do registro, mas como nós trabalhamos com plataforma eletrônica todo esse material foi veiculado também na internet. A edição aponta o tempo inteiro para esse conteúdo adicional no online.
Modernização
Ao ser questionado se o veículo impresso que não adotar um novo modelo de edição tende a não sobreviver, Alexandre Freeland disse que esta é uma pergunta difícil de ser respondida, porque o mercado editorial contempla diversos modelos diferentes de impressos:
— Certamente que o formato que adotamos é uma das tendências, de acordo com o perfil cada um procura o seu modelo de crescimento e o de sobrevivência, então não posso afirmar que o nosso seja o único caminho.
Para o diretor de arte André Hippertt, que também assina a reformulação gráfica de O Dia, esse processo de “tabloidização” é uma tendência no mundo todo. Começou na Europa e os jornais standards nos Estados Unidos estão seguindo o mesmo modelo:
— A gente não pode afirmar que essa transformação do standard para o tablóide no Brasil, ou especificamente no Rio de Janeiro, é a grande saída. Mas eu acho que isso é mesmo uma tendência mundial e que deve ser levada em consideração. Os jornais têm realmente que se modernizar.
André Hippertt e Alexandre Freeland afirmam que o novo O Dia tem como característica ser um jornal para toda a família, apontando mais claramente a segmentação de cada caderno. O destaque fica por conta da conexão com o leitor, que acabou virando uma seção:
— A “Conexão leitor” é a seção de cartas com uma outra roupagem, onde a gente dá mais espaço e literalmente põe a cara do leitor nas páginas. Isso faz com que ele interfira cada vez mais na produção. Ao mesmo tempo, como a gente sabe que o leitor está sempre plugado. A seção funciona como um farol da internet, que é uma ferramenta muito comentada no dia-a-dia das pessoas, declarou Alexandre.
Ele lembrou que no começo dizia-se que a internet era a grande inimiga porque ia acabar com o impresso. Mas que o entendimento hoje é de que existe uma via de mão dupla: “O jornal também funciona como uma via para a web”, afirma o jornalista.
Afinidade
Funcionários do jornal O Dia desde 1995, Alexandre Freeland e André Hippertt dizem que um dos aspectos que facilitou muito a realização do novo projeto gráfico é o conhecimento que eles têm da cultura do veículo:
— Nós fizemos uma grande mudança no jornal, mas porque entendemos a sua filosofia e o funcionamento da redação. Além disso, nos favoreceu o bom conhecimento que temos de como pensa o leitor de O Dia. Para realizar o novo projeto gráfico eu refleti sobre as experiências e os erros anteriores, disse Hippertt.
A primeira coisa foi testar as cores na gráfica e não ao contrário. Porque, em outros projetos, as cores idealizadas não saíram exatamente como deveriam na gráfica. O resultado ficou interessante porque, em comparação com os jornais antigos, o novo jornal melhorou a qualidade da impressão:
— Comparando com os jornais anteriores, as cores se harmonizam. Para chegar a esse padrão foram feitos mais de dez testes de cor, num trabalho em conjunto com o pessoal da gráfica, disse o diretor de arte.
Outro ponto interessante destacado por Hippertt é que os cadernos ficaram bem diferentes uns dos outros. Não há mais semelhança entre a cabeça do “Ataque” e o “Dia D”, que agora contam com as cores diferenciadas.
Para Hippertt, esse tipo sinalização facilita o leitor em função dos elementos gráficos que ajudam diretamente na identificação dos cadernos. No formato anterior havia problemas nesse aspecto, porque os padrões visuais eram muito parecidos:
— Buscamos fazer isso para criar uma identificação para facilitar o leitor. No mundo inteiro o design se preocupa muito com isso, ou seja, utilizar características próprias para cada caderno dentro do seu jornal, declarou Hippertt.
Com a nova concepção gráfica, em O Dia o leitor não vai encontrar texto com fundo cor, a não ser nas cabeças, seções onde as letras sejam maiores e nos marcadores de páginas ou editorias. A nova disposição de textos foi pensada para ser muito clara, o que faz com que o jornal seja muito limpo, com pontuações de cor em todas as páginas.
Uma outra preocupação do diretor de arte foi não diminuir o corpo da fonte do jornal, apesar de ter adotado o formato conhecido como novo berliner, que é exatamente igual ao Zero Hora (RS) e ao Clarín, de Buenos Aires. A entrelinha foi ligeiramente aumentada. No formato standard era de 11,8, agora passou para 12 pontos:
— A legibilidade em um design de notícias é fundamental, em função disso a grande preocupação era fazer com que o jornal ficasse fácil de ser lido. Com o berliner — que tem mancha gráfica de 25,5 x 35,7. — o jornal diminuiu em altura, mas ganhou em largura, o que torna possível passar uma matéria ou uma foto de uma página para outra mesmo que esta não seja uma dupla verdadeira, como é feito nas revistas. No standard se trabalha verticalmente, enquanto que no berliner a matéria se harmoniza horizontalmente.
Em relação á receptividade do leitor ao novo formato do jornal, os editores acham que ainda é prematuro fazer uma avaliação mais concreta. Há manifestações muito positivas de leitores, por e-mail, telefone, cartas, e também dos jornaleiros, que é um dado muito importante para O Dia por ser um jornal que é vendido essencialmente em bancas.