Notícia que dá samba


15/02/2006


Rodrigo Caixeta

 Bloco Imprensa Que Eu Gamo

Que o carnaval do Rio de Janeiro é um dos mais belos do mundo, disso ninguém duvida. No entanto, muito além dos desfiles que sacodem a passarela da Sapucaí, há na cidade dezenas de blocos que garantem a diversão da população nas ruas. E muitos desses blocos são freqüentados por jornalistas que não só se embalam ao som do ritmo, mas também dividem a autoria de alguns sambas.

Tedinho Marino trabalha na produção da Band Rio e é co-autor do enredo ”Quando eles rezam, a gente dança!”, vencedor do Imprensa Que Eu Gamo de 2006, bloco formado tradicionalmente por jornalistas. Aos 25 anos, diz que sua ligação com o samba começou com a febre do pagode, momento em que se interessou pelo cavaquinho e conheceu Jorgito Sapia, presidente do Meu Bem, Volto Já — bloco cujo enredo deste ano vai homenagear seu pai, Ted Boy Marino. Segundo Tedinho, há sete anos Jorgito o convidou para tocar no bloco e há cerca de dois ele começou a compor. Nesse período, já dividiu a autoria de dois sambas vencedores: um do Meu Bem, Volto Já e outro do Bloco de Segunda. Diz ele:
— A maior parte dos freqüentadores de blocos são mais velhos, pessoas que me incentivaram, e por isso fui melhorando ao longo do tempo. Gosto da energia que há nos grupos e da participação das pessoas, mas lamento que nem todos preservem nos desfile o espírito de alegria que as reuniões têm. Por ser uma festa de rua, às vezes não tem segurança e policiamento suficiente.

Desde 2002, Tedinho toca no Simpatia É Quase Amor e este é o terceiro ano em que compete com um samba no Imprensa Que Eu Gamo, no qual também toca cavaquinho:
— No ano passado, quando o Imprensa fez dez anos, fiz, em parceria, “A décima edição”. Há uma tradição de o samba do bloco ser baseado numa retrospectiva do ano que passou. Por isso, nosso samba vencedor, agora, foi baseado nos acontecimentos políticos de 2005. 

Tedinho Marino, da Band Rio

Espontaneidade

Tedinho diz que o samba só vem somar em sua vida. Ele curte o excesso de trabalho como jornalista, mas reveza as atividades laborais com o prazer de tocar. No último ano, pouco antes de ir para a cobertura na Sapucaí, havia tocado em um dos blocos. Segundo ele, em época de carnaval o coração sempre balança porque, embora o jornalismo tenha sido a carreira escolhida, às vezes sonha viver de samba:
— Para mim, bom mesmo é ver a satisfação do povo ao cantar alegremente meus sambas. Minhas letras surgem espontaneamente e, à medida que vêm na mente, são transcritas no papel.

O motivo de os jornalistas do Rio se ligarem tanto ao samba, para Tedinho, dá-se pelo fato de o ritmo estar intimamente ligado à cultura do Rio. Além disso, diz, ele serve como válvula de escape:
— O samba faz parte da raiz carioca, é original e também uma bandeira que muitas vezes nós, jornalistas, levantamos porque estamos na mídia. O samba é praticamente uma religião e fazer músicas baseadas em fatos jornalísticos é o que mais me atrai.

Jorgito Sapia, um dos autores de ”Quando eles rezam, a gente dança!”, é um argentino radicado no Rio, professor de Sociologia, mas freqüenta o bloco desde que ele foi criado. Apesar de não ser jornalista, diz que a inspiração para a criação dos sambas vem das páginas de jornal:
— Há poucas semanas, por exemplo, dias antes da escolha dos três sambas finalistas, vi o termo “CPI do fim do mundo” e inseri na letra. Acho que se encaixou perfeitamente.

João Gabriel, editor da revista Veja

Para provar que o samba ultrapassa as fronteiras da Cidade Maravilhosa, o paulistano João Gabriel de Lima, editor da revista Veja, músico formado em Piano e crítico musical no início da carreira, faz parte de um time de nove jornalistas — e um engenheiro — que compõem sambas. Também concorrente na eleição do enredo para o Imprensa Que Eu Gamo deste ano, o mais recente samba de seu grupo, “O santo guerreiro Ibrahim contra o dragão do mensalão”, foi inspirado em Ibrahim Sued e em dois amigos turcos da turma.
— Nossas reuniões acontecem pelos bares da cidade e as letras são compostas coletivamente. Minha função é botar os acordes — diz João Gabriel.

Segundo ele, grupo se reuniu pela primeira vez em 2001, quando compuseram um samba inspirado no ataque às torres gêmeas e na demissão em massa de jornalistas ocorrida naquele ano:
— Desde então, os participantes variam a cada carnaval. Pela primeira vez nosso grupo inscreveu um samba para concorrer no Imprensa Que Eu Gamo, mas já cheguei a fundar um bloco em São Paulo, o Madá Ou Desce, numa alusão à Vila Madalena, bairro onde morava.
 
Ele conta também que este ano o grupo inscreveu um samba para concorrer na Mangueira — um grupo de jornalistas foi a torcida organizada na quadra da escola. E João Gabriel não pára aí: já teve bandas de rock e jazz:
— Faço música para escapar do estresse. A atividade musical é relaxante.

Nesta semana, João Gabriel lançou em São Paulo o livro “Carnaval”, romance “com dois triângulos amorosos meio inusuais” que têm como pano de fundo o carnaval carioca e o mundo do cinema:
— Várias passagens do livro são inspiradas em cenas famosas de filmes — diz. 


Patrono

No grupo de João Gabriel, o também jornalista Sérgio Garcia, editor da Veja Rio, tem posição de destaque:
— Ele é nosso patrono e, por não estar freqüentemente com o restante da turma, costumamos botar uma foto dele à mesa, com um copo de cerveja do lado — diz o paulistano.

Segundo Sérgio, sua ligação com o samba vem da infância, época em que descobriu o agogô e o tamborim:
— Ouvia muito um disco do Cartola, por quem tinha grande admiração. Na década de 80, freqüentava os ensaios da Mangueira. Além disso, tocava na bateria durante os ensaios do bloco Suvaco do Cristo desde o segundo ano de sua fundação.

Há mais de 20 anos, Sérgio cobre o carnaval carioca. Como consultor do grupo, ajusta os detalhes das letras. Ele acredita que a relação dos jornalistas com o samba está na rua. E explica:
— O samba e o jornalismo se fazem na rua. Quando pensamos em ser jornalistas, não pensamos em cobrir guerras, e sim a cidade. É um pensamento regional que depois vai se ampliando.

Sérgio diz que sua forte ligação com o Rio se dá através do samba, a sonoridade da cidade:
— Freqüento a roda de samba do Trapiche da Gamboa, às sextas, o Candongueiro, em Niterói, e as casas de samba da Lapa.

Malu Gaspar, da revista Exame

Malu Gaspar, jornalista há dez anos, editora e chefe da sucursal Rio da revista Exame e também integrante do grupo de João Gabriel, diz que sempre gostou de samba e que desde pequena procurou aprender a sambar:
— Gosto da música, do clima, da cultura que envolve o samba. Sou grande fã de Cartola, Paulinho da Viola e Candeia. Mas só comecei a tentar compor quando cheguei ao Rio, em abril do ano passado. Não dá nem para dizer que é um hobby, é uma diversão, que às vezes acontece quando estou nos bares com amigos.

Embora garanta não ter talento para ser sambista profissional, ela diz a que se deve a forte ligação que os jornalistas criam com o samba:
— Samba é poesia, é boemia também, é boa música… Acho que são ingredientes infalíveis para todo mundo, e claro que também para os jornalistas.

Quanto ao Imprensa Que Eu Gamo, Malu afirma:
— Todo mundo devia ir! É um programaço!

  • O enredo do Imprensa Que Eu Gamo