Nelson Rodrigues, Arquivinho nº 4


29/02/2008


“A obra de arte, quando nasce, precisa encontrar oposição; é preciso que ela desagrade, que irrite, que dilacere.”

Quem reconheceu algo de rodriguiano no ar, acertou. A frase é do jornalista, escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, tema do quarto volume da Coleção Arquivinhos, que traça um panorama da obra de grandes e saudosos escritores brasileiros.

A trajetória de Nelson Rodrigues está reunida em 14 peças gráficas, um DVD com depoimentos inéditos do autor dados ao Museu da Imagem e do Som (MIS), uma entrevista com a atriz Fernanda Montenegro, vasta iconografia e textos assinados por Sábato Magaldi, Barbara Heliodora, Arnaldo Jabor, Armando Nogueira e Cláudio Mello e Souza

Fruto de minuciosa pesquisa da editora e escritora Lélia Coelho Frota, o novo volume dos Arquivinhos resgata a memória do dramaturgo:
— Conseguimos concluir a pesquisa após um ano de muito trabalho. Como o material estava disperso, foi preciso recorrer a inúmeros acervos, instituições e colaboradores. Todos os itens do Arquivinho se completam, e é emocionante ouvir a voz de Nelson no depoimento gravado para o MIS, em julho de 1967 — conta Lélia, criadora da coleção. 

 Fernanda Montenegro e Nelson Rodrigues

Vínculos

Para escrever os textos, a equipe selecionou pessoas que conviveram com Nelson, como os jornalistas Armando Nogueira e Cláudio Mello Souza,  ou ainda que tiveram com ele vínculos criativos e profissionais, como Arnaldo Jabor — que filmou o célebre longa “Toda nudez será castigada” — e Fernanda Montenegro — que encomendou ao dramaturgo o texto de “Beijo no asfalto” e viveu no cinema a Zulmira de “A falecida”.

Cláudio Mello e Souza, que assina a coordenação do volume, conviveu com a verve dramática e a crítica despudorada do escritor:
— Conheci Nelson Rodrigues no final da década de 50, quando eu era um jovem copidesque do Jornal do Brasil. Coincidências felizes me aproximaram de pessoas que eram amigas dele, como Helio Pellegrino, Otto Lara Rezende e Fernando Sabino. Assim como estes e outros amigos do Nelson, eu também virei personagem de seus contos publicados na coluna “A vida como ela é”, da Última Hora. Meu personagem fazia parte do círculo periférico das histórias; já Otto e Helio eram obrigatórios. Nelson criava situações absurdas, divertidas, embaraçosas, e nos incluía nas tramas. O Otto se aborrecia extremamente, mas eu achava engraçado quando ele se referia a mim como “nostalgia de espelho” ou “perfil de Lord Byron” — recorda.

                                        Lan

A vida pessoal do dramaturgo foi marcada por sucessivas tragédias. A morte levou cedo parte da família — o irmão Roberto, assassinado; o pai, em depressão profunda, logo em seguida; o irmão caçula Jofre, de tuberculose, aos 21 anos; o irmão Paulinho, soterrado junto com esposa e filhos quando o apartamento onde moravam desabou. Mais tarde, Nelson enfrentou a perda quase total da visão, em decorrência de hemorragia intra-ocular; a prisão do filho Nelsinho, durante a ditadura; a deficiência da filha Daniela, que nasceu cega e surda.
— Ainda que o drama fosse a matéria-prima de sua arte, Nelson não conseguia extravasar as tragédias pessoais — analisa Cláudio. — Ele se mantinha inconformado. Contudo, seguia adiante, bradando a máxima: “Se os fatos são contra mim, pior para os fatos.”

Outras de Nelson 

A genialidade do dramaturgo pontua cada frase do depoimento que Nelson Rodrigues deu ao MIS em 1967. Há momentos de crítica ácida, escárnio e bom humor sobre temas que vão desde as belezas do Rio de Janeiro ao sexo. Estes são alguns exemplos:
“Eu me sinto profundamente carioca. (…) Tenho realmente esta fidelidade apaixonada ao lugar onde vivo.”

“O sujeito deixa de existir, deixa de ser, durante uma viagem. Acho a viagem a mais empobrecedora, a mais burra das experiências humanas. O nosso querido Otto, na Escandinávia, não foi reconhecido por um mísero bacalhau.” 

“Eu escrevi a história de um adultério que terminou com o marido esfaqueando a adúltera.” (sobre a primeira crônica, escrita aos 7 anos, para um concurso escolar)

“Eu abominava aquelas coisas e me julgava o último dos cães quando saía de um desses rendez-vous. O sexo só faz desgraçados e pulhas.” (sobre as primeiras experiências sexuais, aos 13 anos, na Rua Benedito Hipólito, Centro do Rio).