Movimento Posso Me Identificar


12/09/2006


’POSSO ME IDENTIFICAR’ dirige-se aos Poderes Públicos

Movimento de Paz, Garantia de Direitos e Preservação da Vida -, oriundo da reunião de diversas comunidades de favelas e periferias do Estado do Rio de Janeiro, com o apoio de diversos movimentos sociais, populares e de direitos humanos, vem por este documento apresentar suas propostas aos poderes públicos, em suas diversas instâncias, visando a superação gradual e contínua da violência estrutural que atinge a sociedade.

De forma geral, entendemos que a melhor forma de enfrentar e evitar a violência é através do controle social informal desta. Ou seja, através da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente de grupos historicamente vulnerabilizados e minorizados da sociedade brasileira.

Nisto, no que dizemos, não há nenhuma novidade nem incongruência. Apenas a reafirmação do que os cânones científicos em Criminologia (Política Criminal), Sociologia, entre outras disciplinas, já apontam nas últimas décadas, sistematizando uma percepção e compreensão da realidade que perpassa, de forma dialética, o conhecimento retido pelas próprias comunidades vitimizadas pela violência.

Vimos, em nome de amplos setores da sociedade, requerer que os artigos da Constituição de 1988 que estabelecem a igualdade e a garantia de direitos fundamentais, em primeiro lugar o direito à vida, sejam cumpridos pelas estruturas estatais.

Neste sentido, o Movimento Posso Me Identificar requer, como garantia da implementação de políticas de estado já determinadas na Carta Magna:
1) A todos os poderes nos níveis federal, estadual e municipal:
I ) Garantia do princípio da absoluta prioridade orçamentária para a efetivação dos direitos fundamentais em todas as instâncias dos poderes públicos: municipal, estadual e federal, implícito no artigo 5º da Constituição Federal;
II) Garantia de que as pensões sejam iguais para todos; não devem haver valores diferentes para casos iguais (caso necessário, incluir adendo à lei);
III – Constituição de um projeto sistêmico de Reforma da Polícia, da carreira policial e dos órgãos de Segurança Pública e de controle social dos instrumentos de repressão do Estado (em caráter emergencial);
IV – Retirada do valor de prova judicial da “confissão” do réu na fase de inquérito policial, como forma de evitar a tortura;
V – Proibição do segundo emprego de policiais em serviços de segurança privada;
VI – Proibição aos agentes policiais de serem proprietários, acionistas, prestarem consultoria ou de terem qualquer ligação com empresas de segurança;
VII – Redefinição do Estatuto do Desarmamento para impedir o armamento das guardas municipais;
VIII – Proibição da incorporação de policiais afastados em quaisquer outros serviços de segurança públicos ou privados;
IX – O afastamento imediato de funcionários dos órgãos de segurança que tenham trabalhado em órgãos de repressão durante a ditadura militar;
X – A separação dos presos no âmbito do sistema de detenção, conforme os indivíduos estejam aguardando julgamento ou já tenham sido condenados, conforme estejam cumprindo pena em regime aberto, semi-aberto ou fechado, bem como conforme a gravidade do delito;
XI – Ênfase na redução de danos nas políticas públicas sobre drogas tornadas ilícitas;

2) Ao Poder Executivo Federal:
XII – A definição de metas de redução da violência policial para os Estados e de reparação (tutela antecipada) das vítimas da violência policial e de seus familiares, vinculadas ao recebimento de verbas federais de programas e do plano de segurança pública; 

3) Ao Poder Judiciário Estadual:
XIII – Garantia da proteção jurídico-social e da reparação moral e de direitos, de forma prioritária, às vítimas da violência policial e aos familiares destas;
XIV – Ttutela antecipada dos direitos destes cidadãos supracitados, tendo em vista a situação de extremo risco social em que se encontram;
XV – Efetivação do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público; 

4) Ao Poder Legislativo Estadual:
XVI – Constituição e efetivação prioritária de um Programa de Atendimento e Proteção para Jovens Vítimas da Violência e/ou Ameaçados por esta, e para os demais cidadãos nas mesmas condições;
XVII – Constituição do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) deliberativo, de forma intersetorial, e, dotado de instrumentos de promoção, proteção, defesa e garantia de direitos e de controle social da violência institucionalizada, com a participação da população em audiências públicas e conferências;
XVIII – Reconstituição do Plano Estadual de Direitos Humanos, em conferências com ampla participação das organizações populares, com o estabelecimento de metas precisas, instrumentos de controle social do Estado e do Capital, de monitoramento e responsabilização;
XIX – Constituição de um Sistema Estadual de Proteção aos Direitos Humanos que garanta a prioridade no acesso à Justiça aos casos de violação dos direitos humanos cometidos contra grupos e/ou indivíduos de grupos historicamente vulnerabilizados e/ou minorizados da sociedade;
XX – Passagem imediata do Sistema de Cumprimento de Medidas Sócio-Educativas para a Secretaria Estadual de Direitos Humanos;
XXI – Passagem imediata do Instituto Médico Legal, e das perícias técnicas, para a Secretaria Estadual de Direitos Humanos, com dotação orçamentária específica suficiente;
XXII – Modificação dos símbolos da atividade policial, estampados em veículos, uniformes e órgãos de segurança pública: supressão de armas, dos ramos de cana e café que remetem à repressão contra à insubmissão à escravidão e demais símbolos que representam o paradigma da morte, evitando expressões que remetam à ação violenta/ armada trocando-os por símbolos que remetam à disciplina, à atenção, ao respeito, à excelência investigativa e à sabedoria;
XXIII – Formação continuada dos policiais, agentes penitenciários e de disciplina em Direitos Humanos, monitorada pelo CEDH;
XXIV – Formação dos novos policiais não deve durar menos de dois anos e obrigatoriedade de formação/atualização em direitos humanos dos antigos;
XXV – Criação de ouvidoria e corregedorias independentes constituídas a partir do CEDH, com autonomia e estrutura investigativas;
XXVI – A garantia do direito de acompanhamento, no mesmo veículo, de parente, amigo, ou técnico por estes designado, a vítimas, feridos ou mortos em ações policiais;
XXVII – A elaboração de um rigoroso Estatuto sobre a abordagem de suspeitos; 

5) Ao Poder Executivo Estadual:
XXVIII – Fim do período de plantão de 24h por 48h de folga;
XXIX – Por um plano de cargos e salários que contemple a categoria policial;
XXX – O acesso público, nas delegacias e batalhões, a listagem de funcionários em escalas de plantão, que deve ser disponibilizada até 48h após o plantão em caso de missões especiais;
XXXI – O afastamento dos agentes que estiverem sendo investigados em casos de envolvimento em grupos de extermínio, execução sumária, corrupção e demais violações de direitos humanos até que se conclua a investigação e o devido processo judicial;
XXXII – A garantia de que em cada delegacia policial deve ter um defensor público;
XXXIII – O afastamento da função de policiais que se envolverem em eventos com resultado de morte, até que se investigue as motivações e proceda a necessária avaliação psicológica do envolvido;
XXXIV – A implementação de programa de atendimento psicológico aos policiais e agentes de segurança envolvidos em ocorrências seguidas de morte;
XXXV – O treinamento para todos os policiais no emprego de técnicas não letais nas operações policiais (tiro defensivo, forma de abordagem, etc);
XXXVI – A demissão dos funcionários da área de segurança que ocultarem sua identificação;
XXXVII – A premiação para policiais que resolverem situações difíceis sem o emprego da força;
XXXVIII – A premiação para batalhões, delegacias, equipes, que diminuírem o número de mortes reduzindo a insegurança e a criminalidade nas suas regiões de atuação.

Assim, requeremos que os citados poderes assumam as propostas acima como políticas de Estado. Ao negligenciar estas propostas, os atuais governos, parlamentos e tribunais; e os futuros, estarão apostando na política do confronto e da violência, da banalização da vida e do desrespeito aos Direitos Humanos. Rasgando a Constituição que rege o Estado, os governos, com a cumplicidade ou não dos poderes legislativo e judiciário, estarão violando a democracia no Brasil.

Desta forma, agradecemos a vossa atenção, e aguardamos sua consideração a respeito deste documento, visando a abertura de um canal de diálogo permanente com a sociedade e com as comunidades vitimizadas pela violência.
Neste sentido, nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos.

Cordialmente,

MOVIMENTO POSSO ME IDENTIFICAR
REDE DE MOVIMENTO CONTRA VIOLÊNCIA NAS COMUNIDADES