Militar denuncia farsa no STM em depoimento à Comissão da Verdade


Por Mário Jacobskind

17/06/2013


“Em depoimento prestado nesta terça-feira (18) na audiência pública da Comissão da Verdade, o ex-Capitão de Mar e Guerra Ferro Costa sugeriu à Comissão da Verdade que busque acesso aos arquivos dos julgamentos do Superior Tribunal Militar (STM) que condenaram vários oficiais perseguidos pela ditadura instalada no Brasil com o golpe civil-militar de abril de 1964.

Depois de fazer um breve histórico das raízes do golpe de 64, o militar expurgado da Marinha lembrou que os inquéritos do STM foram baseados em mentiras e farsas que tinham por objetivo justificar a quebra da ordem constitucional.

Ferro Costa assinalou que os golpistas de 64 usaram as falsas acusações para apresentar à opinião pública a idéia segundo a qual a derrubada do Presidente evitou a instauração do comunismo no Brasil. O Capitão de Mar e Guerra, que esteve preso no navio Princesa Leopoldina, posteriormente expulso da corporação, garantiu que nunca existiu o propalado “perigo comunista”, mas o que houve de fato foram militares tentando defender a legalidade e por isso presos, cassados, alguns torturados e expulsos das Forças Armadas.

Falsas denúncias

O militar expurgado da Marinha exortou a Comissão da Verdade a convocar o oficial militar Vlander Moreira, hoje residente na rua Fadel Fadel 186 apartamento 202, para prestar depoimento sobre os inquéritos no STM, acusando-o de  ser “um mentiroso por denunciar falsamente militares legalistas”.

Emocionado e interrompendo o depoimento para conter as lagrimas,  ao relatar a sua prisão em 1970, quando foi levado para o quartel da Barão de Mesquita, onde “conheci o horror da tortura e vi a face dos mortos nas paredes impregnadas de sangue dos torturados, Ferro Costa lembrou que foi conduzido em um camburão para a sede do antigo Ministério da Marinha, onde chegou desidratado por causo do calor superior a 40 graus. “Lá então fiquei numa prisão, no subsolo do Ministério em um espaço de quatro palmos por 11”.

Em outro depoimento, o marinheiro Antonio Duarte relatou o processo de criminalização sofrida pelos integrantes da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, acusados de “baderneiros”, por defenderem a legalidade. Comentou que se os oficiais sofreram o que sofreram, pode-se imaginar o que aconteceu com os marinheiros e fuzileiros navais.

Duarte relatou a série de prisões que sofreu até ser conduzido como “criminoso comum militar” para a Penitenciária Lemos Brito, onde uma ação de resistentes conseguiu libertá-lo, juntamente com outros presos políticos. Ele tinha sido condenado a 12 anos de prisão.

Antonio Duarte, hoje antropólogo, optou por continuar no Brasil e participar da resistência armada contra a ditadura.

O marinheiro Osvaldo Araújo disse que não foi expulso, mas obrigado a ir para a Reserva depois de ter sido investigado durante sua permanência em um hospital da Marinha onde se recuperava de um acidente em que sofreu graves queimaduras por todo o corpo.

Tortura no Galeão

O cabo José Bezerra da Silva, que serviu na base do Galeão de 1970 a 1979, denunciou ter presenciado torturas naquele local inclusive contou uma história conhecida entre a oficialidade. O Brigadeiro Bournier teria dado um tapa na cara do ex-deputado Rubens Paiva e teria dito a ele: “quero ver você falar o que falava quando deputado”. Depois disso, segundo José Bezerra da Silva, Rubens Paiva desapareceu.

José Bezerra da Silva revelou ainda que o então cabo enfermeiro Jose Augusto Queiroz Pereira Filho, que prestava serviços ao Brigadeiro Eduardo Gomes, tinha sido designado para uma operação secreta em Paris com o objetivo de matar o então professor Fernando Henrique Cardoso, que lecionava na Sorbonne por meio de uma injeção letal.

Segundo José Bezerra Silva, a missão do cabo enfermeiro vazou e posteriormente internado como “doente mental”, colocado na reserva e sua mãe recebendo o soldo do filho.

Todos os militares que prestaram depoimento confirmaram a prática de torturas logo após a derrubada do presidente constitucional João Goulart e alguns deles disseram que o então ditador Castelo Branco sabia o que acontecia nos quartéis e departamentos de ordem política.”

 *Mário Jacobskind é jornalista, Conselheiro da ABI e membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da entidade.