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Maior parte de ataques online contra jornalistas mulheres mira credibilidade, inteligência e reputação


02/05/2024


De Patrícia Campos Mello, na Folha de São Paulo


A vencedora do prêmio Nobel da Paz, a jornalista Maria Ressa, fundadora da empresa de análise de dados – Foto: Jam Sta Rosa/AFP

Análise de mais de 1,15 milhão de publicações no X (ex-Twitter), no Facebook e comentários do YouTube entre 2019 e 2024 mostra que a maior parte dos ataques contra jornalistas e políticas mira a credibilidade, inteligência e reputação dessas mulheres. As ofensas são frequentemente compartilhadas em páginas de extrema direita mas também em grupos não relacionados a política.

O estudo Ataques relacionados a gênero e desinformação, da organização #ShePersisted e da empresa de análise de dados The Nerve, analisou os tipos de ataques online contra políticas e jornalistas no Brasil e as estratégias de distribuição desse conteúdo.

O relatório foi lançado na reunião paralela ao G20 sobre integridade da informação, em São Paulo, na quarta-feira (1º), e teve a participação da vencedora do prêmio Nobel da Paz Maria Ressa – que é a fundadora da The Nerve.

Para o estudo, a The Nerve analisou publicações com menções a jornalistas e políticas que eram alvos constantes de ataques de cunho misógino. Foram observados posts com menções às jornalistas Daniela Lima, ex-CNN e atual GloboNews; Amanda Klein, da Rede TV! e Jovem Pan; Vera Magalhães, da TV Cultura e de O Globo, Miriam Leitão, da GloboNews, Mônica Bergamo, da Folha, e a antropóloga e acadêmica Debora Diniz.

Entre as políticas, foram avaliados posts contra as deputadas federais Tabata Amaral (PSB-SP), Maria do Rosário (PT-RS), Erika Kokay (PT-DF), Carla Zambelli (PL-SP), Duda Salabert (PDT-MG), Erika Hilton (PSOL-SP), a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), e as ex-deputadas federais Manuela D’Ávila e Joice Hasselmann.

A partir de publicações ou comentários com menções a essas jornalistas e políticas, a The Nerve usou processamento de linguagem natural (detecção de padrões e insights a partir de conjuntos de dados em texto) para avaliar a agressividade das publicações. A partir daí, classificou as publicações mais tóxicas em diferentes categorias de ofensas e acusações falsas.

Segundo o levantamento, a maioria das postagens com conteúdo considerado tóxico era de reação a críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seus filhos e aliados.

A principal linha de ofensas contra as mulheres eram ataques à credibilidade, inteligência e reputação dos alvos, incluindo alusões a doenças mentais. Esse tipo de ofensa respondeu por 75% dos ataques ligados a gênero no YouTube, 41% no X e 24% no Facebook.

Nesses ataques, as jornalistas eram frequentemente tachadas de espalhar “fake news” ou chamadas de “militantes travestidas de jornalistas”, ligando as profissionais a grupos de esquerda e as descrevendo como tendenciosas.

Também havia tentativas de pôr em dúvida a qualificação das políticas e jornalistas ao minimizar suas aptidões intelectuais. Entre as expressões mais usadas estavam “besta quadrada”, “burra”, “idiota”, “louca”, “esquizofrênica” e “não bate bem da cabeça”.

Outra vertente eram tentativas de minar a confiança pública nas jornalistas ou políticas, com acusações de serem antipatrióticas, “comunistas”, “bandidas” ou “traidoras” —foram 60% dos ataques de gênero no Facebook, 31% no X, e 15% nos comentários no YouTube.

Outra linha de ofensas referia-se à aparência física –foram 10% dos posts agressivos ligados a gênero no X, 4,8% no Facebook e 0,26% nos comentários do YouTube. “Feia”, “bruxa”, “fez plástica” e “gorda” eram alguns dos insultos.

Uma vertente das publicações contra essas mulheres era ligada à defesa dos direitos das mulheres e evocava religião –8% no Facebook, 2,6% nos comentários do YouTube. Um dos focos eram críticas à Lei Maria da Penha e à defesa ao direito ao aborto.

Postagens com comentários de teor sexual ou insultos relacionados à sexualidade dos alvos, incluindo ataques transfóbicos, foram 18% dos ataques de gênero no X, 7,1% nos comentários do YouTube e 4% no Facebook.

Parte dos posts afirmava que mulheres transgênero não são “mulheres de verdade” e chamava políticas de “prostitutas”. Também faz parte dessa linha de ataque a postagem com a informação falsa de que a deputada Erika Kokay teria apoiado operações de transição de gênero em crianças sem autorização dos pais e defendido o incesto.

Segundo o estudo, as ofensas ou informações falsas mirando mulheres vêm, predominantemente, de figuras da direita ou extrema direita e se disseminam em grupos ligados a Bolsonaro, mas, também, naqueles que não são de conteúdo político.

“Isso remete a táticas do manual de líderes autoritários como na Rússia e nas Filipinas —onde a desinformação é espalhada contra críticos de um governo autocrático usando comunidades hiperpartidárias existentes nas redes sociais para influenciar a opinião pública”, diz o levantamento.

A pesquisa aponta ainda que houve esforços para infiltrar e disseminar desinformação em comunidades não políticas, incluindo grupos sobre religião, cultura e estilo de vida, como um relacionado a edição de fotos e outro de fãs de um escritor.

“É uma maneira de sair das câmaras de eco políticas e conseguir um alcance maior”, diz Mia Gaviola, presidente da The Nerve.

Para Maria Ressa, fundadora da empresa, “é como se um vírus fosse introduzido em uma população, não se sabe quantos vão pegar a doença, até que começamos a perceber mais e mais pessoas com febre.”

A empresa vai conduzir essas análises digitais em diversos países.

Ressa aponta também que nos mesmos grupos hiperpartidários ou não políticos onde circulam esses ataques ligados a gênero se disseminava desinformação em relação à Covid, e as plataformas deveriam ter tomado providências.

O levantamento aponta ainda que grande parte das publicações com informações falsas sobre mulheres continuam online mesmo após serem desmentidas por agências de checagem.

“Essa transformação da misoginia em uma arma leva a retrocessos na democracia, e muitos líderes políticos estão investindo nisso”, diz Kristina Wilfore, cofundadora do #ShePersisted.

No Facebook, foram analisados 1.081.233 posts públicos mencionando as mulheres entre janeiro de 2019 e janeiro de 2024 em páginas e grupos. No X, foram 50.046 publicações com menções às mulheres analisadas, entre novembro de 2021 e janeiro de 2024 e no YouTube, 43.300 comentários citando os nomes das analisadas entre novembro de 2021 e janeiro de 2024.

Tipos de ataques contra jornalistas e políticas brasileiras na internet Contra credibilidade e reputação:
75% dos ataques ligados a gênero em comentários no YouTube
41% no X
24% no Facebook

Para minar a confiança ou indicar falta de patriotismo:
60% dos ataques de gênero no Facebook
31% no X15

Críticas à aparência física:
10% dos posts agressivos ligados a gênero no X
4,8% no Facebook
0,26% dos comentários do YouTube

Ligados à defesa do direito ao aborto ou legislação contra violência doméstica:
8% no Facebook
2,6% nos comentários do YouTube
Estatisticamente insignificante no X

De cunho sexual, incluindo transfóbicos:
18% no X
7,1% no YouTube
4% no Facebook

* Alguns posts se encaixam em mais de uma categoria

Fonte: The Nerve e #ShePersisted