José Domingos Raffaelli – Carreira dedicada ao jazz


15/07/2008


Bernardo Costa
18/07/2008

Nascido em 1936, o jornalista, radialista e crítico musical José Domingos Raffaelli conseguiu unir o útil ao agradável em sua carreira profissional, ficando próximo a uma arte que desde a infância o impressionou: o jazz. Escreveu para diversas publicações nacionais e estrangeiras, produziu eventos musicais e programas de rádio e realizou inúmeras palestras e cursos, ganhando alguns prêmios, como o concedido pela International Association of Jazz Educators (IAJE), em 1999, como o melhor crítico desse gênero musical fora dos EUA, e outro pelo Centro Cultural San Martin, de Buenos Aires, em 1989, “pela valiosa contribuição ao jazz”.

Em 1976, venceu um concurso de abrangência internacional da revista americana Down Beat, considerada a “bíblia” do jazz, com matéria que lhe valeu a premiação de US$ 1.500, e em 2002, em parceria com Luiz Orlando Carneiro, escreveu o “Guia do Jazz em CD”. Também foi responsável pelo primeiro artigo sobre bossa nova no Rio de Janeiro, que escreveu, em 1959, para o jornal Última Hora. Atualmente, seleciona suas 50 melhores críticas para um livro, que sairá pelo Sesc-SP.

Começo

O envolvimento de José Domingos Raffaelli com a música norte-americana começou em casa, na infância:
— Meus pais tinham uma vitrola antiga e uns 20 ou 30 discos, a maioria de ópera. Mas eu só gostava de ouvir dois, que eram da orquestra de Paul Whitman. Não eram propriamente de jazz, mas tinham um ritmo saltitante e entusiasmado que me contagiava.

Um pouco mais tarde, ligado no rádio, começou sua coleção, que já contou com mais de 30 mil títulos:
— Eu estudava de manhã e, à tarde, escutava os programas de jazz. Assim que comecei a ganhar mesada, passei a andar atrás de discos e a fazer anotações. Quando comprava coisa nova, eu ouvia cinco, seis vezes seguidas, para desgosto de meus pais. (risos)

Durante o ginásio, no Colégio Santo Antônio Maria Zacarias, no Catete, Raffaelli conheceu Ary Vasconcelos:
— Naquele tempo, ele redigia a primeira coluna de jazz no Rio. Conversávamos muito sobre música e, como ele já escrevia, me passava muitas informações. Depois ele se tornou um brilhante jornalista especializado em MPB.

Aos 18 anos, Raffaelli criou o hábito de escrever sobre o que ouvia em seus discos e, após ler um anúncio numa revista de música, começou a trocar correspondência sobre jazz com um colega de São Paulo:
— Logo depois ele fundou a revista Quinta Avenida e me pediu para colaborar. Foi quando eu comecei a escrever efetivamente. Depois, escrevi para o jornal belga Le Matin, quando viajei a Nova York pela primeira vez, em 54.

Colaboração

Já formado em Jornalismo, Raffaelli estreou no Correio da Manhã, com uma seção de jazz semanal. Com a falência do diário, foi para o JB:
— Lá corria tudo bem até a chegada de um crítico de música xenófobo, José Ramos Tinhorão. Ele começou a dizer que eu era vendido ao imperialismo norte-americano, que estava ganhando dinheiro deles para escrever sobre jazz. Foi um camarada que fez tudo para eu sair do jornal, inclusive pedir isso ao Diretor. Mas eu fiquei até 85, quando recebi uma proposta irrecusável do Globo, onde permaneci até 2002. Paralelamente, de 1973 a 90, mantive uma coluna no Estado do Paraná e no Diário do Paraná. Podia colaborar com esses jornais, desde que não repetisse as matérias.

Com o tempo, o jornalista foi ampliando os horizontes, tornando-se colaborador de diversas publicações estrangeiras sobre jazz:
— Fiquei muito amigo do editor do Jazz Journal, Mike Hennessey, que hoje vive na Alemanha e é correspondente de todas as revistas de jazz do mundo. Quando a música brasileira começou a crescer lá fora, principalmente a bossa nova, consultavam o Mike para saber se ele conhecia algum jornalista brasileiro. Ele dava o meu endereço e eu escrevia para publicações como a Jazz Hot, da França; Jazz Journal, da Inglaterra; Jazz Forum, da Polônia; International Jazz, Billboard e Cadence International, dos EUA; Jazzit, da Itália; e Jazz Life, do Japão.

Como radialista, Raffaelli foi responsável pela produção e a apresentação de programas como o “Jazz em desfile”, na Mayrink Veiga; “Jazz na Imprensa”, na Imprensa FM; “Jazz na Eldorado”, na Eldorado AM; “Jazz na CBN”; “O mundo do jazz”, na MEC AM e FM, e “Arte final: jazz”, na JB AM:
— Este foi o primeiro programa em AM estéreo na América do Sul. Numa época em que tinham 26 programas de jazz no Rio e em Niterói, a emissora encomendou uma pesquisa ao Ibope e foi constatado que o “Arte final” tinha três vezes mais audiência que o segundo colocado, da Rádio Globo, feito pelo meu amigo Arlindo Coutinho. Ele não gostou do resultado. Disse que tinha tido “jabá” pra gente ganhar. (risos)

Coberturas

Durante sua permanência no Globo (1985-2002), Raffaelli cobriu todos os festivais de jazz realizados no Rio e em São Paulo, bem como o JVC Jazz Festival, de Nova York, em 96, 97 e 98. Mais tarde, colaborou como consultor e crítico do blog do “Chivas Jazz Festival”, produzido por Toy Lima:
— Quando eu saí do Globo, liguei pro Toy, perguntando se tinha algum lugar pra mim na organização dele. A resposta foi: “Pra você, tem lugar a qualquer hora.” Então, eu comecei a fazer matérias pré e pós-festival e até indiquei três músicos para apresentações: os sax-alto Bud Shank e Mike DiRubbo e o sax-tenor Eric Alexander, que considero o melhor da atualidade. Com um minuto de show, as pessoas já estavam de pé o ovacionando. Foi um dos maiores sucessos do festival.

Na passagem pelo Globo, Raffaelli orgulha-se de ter entrevistado todos os músicos de jazz e blues que se apresentaram no Rio — “foram mais de 500 entrevistas”, calcula. E não se esquece do encontro com Duke Ellington, em 71, quando o entrevistou para o JB:
— Fui o único admitido no camarim do Theatro Municipal. O filho dele, Mercer Ellington, trompetista da orquestra, tinha vindo ao Rio dez anos antes e conversamos bastante. Então, quando os músicos chegaram ao Hotel Glória, fui ver se ele se lembrava de mim. Ele lembrou, e disse que eu iria no ônibus da banda até o teatro para entrevistar seu pai no camarim. E assim foi. Duke ainda autografou discos e fotos e, quando fui embora, me deu um beijo no rosto. Foi engraçado quando eu desci do ônibus junto com a orquestra. O segurança do Municipal não percebeu que eu estava sem instrumento, olhou pra mim e disse: “Boa apresentação. Sucesso!”