Jornalista intimidado no interior do Pará


17/06/2020


Imagem: Arquivo pessoal

O jornalista paraense Ronaldo Brasiliense foi vítima de uma ação de intimidação na tarde desta terça-feira, 16 de junho, em sua casa na cidade de Óbidos, interior do Pará. Quatro policiais civis, cumprindo um mandado de busca e apreensão, revistaram a casa de Ronaldo e levaram dois computadores e um telefone celular, instrumentos de trabalho do jornalista.

O mandado não especificava o motivo da busca e apreensão e nem mesmo quais os objetos que se pretendia apreender. Segundo Ronaldo, que leu o documento, o mandado dizia apenas: “Descoberta a coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes, devendo os executores, finda a diligência, lavrar auto circunstanciado, assinado com duas testemunhas presenciais.”

A diligência foi determinada pelo juiz Heyder Tavares da Silva Ferreira, da Primeira Vara de Inquéritos Policiais e Medidas Cautelares de Belém, a 800 km do local. Segundo fontes em Belém, o juiz teria ligações com a família do governador do Pará, Hélder Barbalho, filho do senador Jáder Barbalho, ambos do MDB. Ronaldo Brasiliense é um crítico frequente do governador, tendo escrito várias matérias sobre compras e contratos com suspeitas de superfaturamento e fraude, por parte do governo do estado. Um desses contratos – para compra de respiradores – motivou a operação Para Bellum, da Polícia Federal, em que a casa do governador e o palácio do governo foram alvo de busca e apreensão.

Segundo Ronaldo, os policiais reviraram o único quarto da casa e levaram um lap top Dell, um celular Motorola e um outro lap top HP, sem uso há vários anos. Também apreenderam 128 exemplares da revista “Pará em Foco”, que traz na capa uma foto do governador, quando ele estava em campanha, em 2018, e a manchete: “Helder cai na Lava Jato”. A matéria se refere à delação do então presidente da Odebrecht Ambiental, Fernando Reis, de que Helder teria recebido R$ 1,5 milhão de caixa-dois para sua campanha. A denúncia deu origem a uma ação penal.

Ronaldo Brasiliense tem 43 anos de profissão, portanto, começou sua carreira ainda sob a ditadura militar. Mas nunca havia passado por semelhante constrangimento e intimidação. “Nunca passei por tamanha truculência. O Judiciário, que deveria proteger o cidadão, está sendo usado, com todo o seu peso, contra o cidadão, em uma ação de vingança pessoal, sem fato determinado”, disse Ronaldo ao site da ABI.

Ele lembrou que responde a um outro processo movido por Helder Barbalho por conta de uma nota que postou no facebook, quando o atual governador era Ministro da Integração Nacional, no governo de Michel Temer. Na nota, Ronaldo qualificou o então ministro como “sem noção” e “sem escrúpulos”. O jornalista foi condenado em primeira instância, mas seguiu recorrendo e hoje o caso aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal.

“Não vão me amedrontar e vou continuar meu trabalho. É uma ação arbitrária, surreal, o chefe do executivo estadual usar o poder Judiciário para intimidar um jornalista”, afirmou Ronaldo. O jornalista conta que há 12 anos decidiu mudar-se para Óbidos, pequena cidade do interior, por motivos de saúde, para levar uma vida menos estressante. “Com uma boa conexão de internet e telefone, dá pra fazer jornalismo de qualquer lugar do país. Por isso, decidi vir pra cá, em busca de uma vida mais tranquila”, disse.

Em um dos computadores apreendidos estão os arquivos de uma vitoriosa carreira jornalística. Segundo o ranking nacional do Portal dos Jornalistas Brasileiros (Jornalistas e Cia), Ronaldo é o profissional mais premiado da Amazônia neste século, vencedor várias vezes dos prêmios de imprensa mais importantes do país, como o ESSO, Embratel, Petrobras e AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Também trabalhou nas principais redações brasileiras, entre elas: O Globo, Jornal do Brasil, Veja, O Estado de São Paulo, Correio Braziliense, O Estado do Pará e A Província do Pará.

Felizmente, os arquivos em papel do jornalista não foram levados. E Ronaldo já sabe o que fazer com eles. “Será o material para o livro ‘A Quadrilha’, que conta a história real de uma família de políticos paraenses que enriqueceu no poder assaltando os cofres públicos”.

Por Cristina Serra