Jacarezinho lembra seus mortos e exige justiça por massacre


07/09/2021


Por Rogério Marques, conselheiro da ABI

Há quatro meses, no dia 6 de maio, acontecia a maior matança policial da história do Rio de Janeiro. Uma ação da polícia civil na Favela do Jacarezinho resultou em 28 pessoas mortas, entre elas o policial André Leonardo de Mello Frias, de 48 anos. 

Quatro meses da Chacina do Jacarezinho: mães exigem justiça

     

Acima, à esquerda, Guilherme Pimentel, ouvidor-geral da Defensoria Pública do Estado: indícios de execuções. Ao lado, Rumba Gabriel, liderança comunitária do Jacarezinho: estamos resistindo e denunciando, para que justiça seja feita. Abaixo, Adriana Santana de Araújo Rodrigues: meu filho Marlon foi executado

Para lembrar os quatro meses do episódio, que ficou conhecido como Chacina do Jacarezinho, moradores da comunidade, entre eles as mães de jovens assassinados, organizaram uma manifestação para exigir justiça e cobrar o aprofundamento das investigações. 

O ato, que teve a presença de entidades de defesa dos direitos humanos, aconteceu na quadra da Escola de Samba Unidos do Jacarezinho. A Associação Brasileira de Imprensa foi representada pelo vice-presidente Cid Benjamin, que é também o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Defesa dos Direitos Humanos da ABI.

                                 TENTATIVA DE INTIMIDAÇÃO  

Logo na entrada da quadra da escola, a poucos metros do portão, dois policiais militares marcavam presença com fuzis em punho, uma atitude que segundo moradores tinha o objetivo de intimidar. Durante o ato, várias mulheres que tiveram seus filhos mortos, e que lutam por justiça, denunciaram que constantemente são alvo de deboches e ofensas por parte de policiais, chamadas de “mães de bandidos” e de “úteros fabricantes de bandidos”.

A Favela do Jacarezinho é um amontoado de becos, em área plana, na Avenida Dom Hélder Câmara, que até hoje alguns chamam de Avenida Suburbana. Um amontoado de becos, vielas, sem a estrutura mínima de qualquer bairro, mesmo os mais simples do subúrbio.

Desde o dia do massacre os policiais que participaram da ação sustentam que todos os moradores mortos reagiram à prisão. Mas várias testemunhas afirmam o contrário, como Guilherme Pimentel, ouvidor-geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Entrevistado pelo site da ABI, Guilherme conta que foi avisado pelos moradores no momento do episódio, correu para a favela e chegou lá quando os policiais ainda estavam presentes:

“De manhã, desde seis e meia da manhã mais ou menos, eu já estava recebendo a denúncia do que estava acontecendo aqui. Então, com outras organizações de direitos humanos que também estavam recebendo denúncias a gente veio para cá quando nem tinha terminado a operação. Nessa nossa entrada vimos algumas cenas de crimes, de execuções, verificamos a gravidade do que estávamos vendo, a gente chegou a cruzar com as equipes de policiais dentro do Jacarezinho, e a gente fez uma documentação de amostragem, para revelar que essa operação deveria ser investigada rigorosamente, como qualquer ocorrência com perda de vidas, mas essa pela quantidade de indícios, cenas de arrastamento de corpos, poucos indícios de confrontos, cenas de homicídios, famílias traumatizadas, se tremendo todas, uma cena de destruição muito grande.”

                                MÃE DENUNCIA EXECUÇÃO          

Uma das famílias citadas por Guilherme Pimentel era a de Adriana Santana de Araújo Rodrigues. Ela foi uma das mães que participaram do ato na quadra da Escola de Samba Unidos do Jacarezinho. Adriana afirma que seu filho, Marlon Santana de Araújo, 23 anos, foi assassinado na mesma casa em que outros jovens estavam encurralados:

“Eu estive lá na casa, ali sinceramente não tinha saída para eles, eles foram mortos, 16 pessoas, naquele beco, naquela casa, uma casinha de um cômodo praticamente, e eles fizeram essa execução. Mas a justiça já está sendo feita, porque eles pensavam que a gente iria ficar com medo, que a gente não ia lá nas casas, não ia filmar nada, acharam que a gente ia se calar. Não, a nossa dor se tornou em luta, nós vamos saber lutar, sim, por justiça.”

Adriana lembra, com orgulho, que o filho Marlon foi para a Copa do Mundo na África do Sul quando tinha 12 anos, selecionado por uma empresa patrocinadora:

“Ele foi lá representar este país, e o Estado o matou.”

                          ANDAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES

Também presente ao ato, Rumba Gabriel, liderança da Favela do Jacarezinho, onde nasceu e foi criado, e integrante da Comissão de Liberdade de Imprensa e Defesa dos Direitos Humanos da ABI, se mostra otimista com o andamento das investigações da chacina:

“Se fosse numa outra época teria caído no esquecimento, como eles sempre premeditaram. Vão esquecer, vão esquecer e a gente tá pronto pra fazer uma outra. Podem até estar prontos para fazer uma outra, mas nós também vamos estar prontos para fazer o que estamos fazendo agora, resistindo, denunciando, e fazendo as parcerias certas, para que a justiça seja feita.”                         

O vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Cid Benjamin, disse durante o ato que no que depender da ABI essa parceria jamais deixará de existir: “Aquilo que aconteceu no dia 6 de maio aqui no Jacarezinho precisa ser acompanhado e cobrado por toda a sociedade. A ABI esteve presente nas primeiras manifestações de protesto da comunidade, logo após a chacina, está aqui agora e estará tantas vezes quanto necessário. Rumba Gabriel é uma liderança de respeito, faz parte da ABI. Estaremos sempre juntos.

Guilherme Pimentel, ouvidor-geral da Defensoria Pública do Estado, também está otimista quanto ao andamento das investigações, apesar do sigilo imposto pela polícia:

– O que a gente tem tentado fazer dentro daquilo que a gente tem acesso é primeiro prestar apoio e assistência jurídica a todas as famílias e testemunhas, para que elas possam ter um ambiente seguro, para tocar a vida pra frente. Segundo, garantir que os elementos de prova aos quais tivemos acesso com a nossa vinda e posteriormente nos atendimentos individuais sejam considerados na investigação, sejam incorporados à investigação, não sejam negligenciados. E terceiro, impedir que essa investigação seja tocada pela mesma instituição responsável pela ocorrência. Isso é uma determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Existe também uma determinação do Supremo Tribunal Federal de que a instituição envolvida na ocorrência não seja responsável por investigar, determinando então que a instituição do controle externo, que é o Ministério Público, assuma para si as investigações. E o que a gente está fazendo é exigir que isso seja respeitado.