Hoje é Dia de Livro


06/12/2022


Ana Arruda e Maria Yedda, formadoras de gente

Por Erika Werneck, conselheira da ABI

Nesta quarta-feira, (07), a jornalista, escritora, professora e integrante do Conselho Consultivo da ABI, Ana Arruda Callado, lança mais um perfil de uma mulher que esteve à frente de seu tempo: a professora Maria Yedda Linhares. É assim que a autora de Maria Yedda, formadora de gente gosta de chamar o que outras pessoas chamariam de biografia. No livro, Ana Arruda revela a trajetória da professora Maria Yedda, primeira mulher catedrática da Faculdade Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ. Tinha, à época, 36 anos de idade. Foi diretora da Rádio MEC durante o governo de João Goulart e secretária de Educação do Município do Rio de Janeiro e, depois, do Estado do Rio de Janeiro durante o governo de Leonel Brizola.

Exemplo de uma geração, junto com seus colegas e alunos, Maria Yedda foi às ruas para protestar contra o arbítrio. E foi o arbítrio que a afastou da Rádio MEC e da Universidade. Foi cassada pelo AI-5, presa e exilada. No livro, Ana Arruda mostra que, “enquanto em seu próprio país as portas se fecharam para Maria Yedda, na França, as portas da Universidade se abriram para a professora. O governo francês a nomeou professora titular visitante (professeur associé)”. Com a anistia, Maria Yedda voltou à UFRJ como professora titular do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, do qual foi, também, professora emérita. Foi pioneira, mais uma vez, nos estudos de História da Agricultura no Brasil, tendo formado vários historiadores no campo da História Regional e da História Agrária, uma das razões que despertaram o interesse de Ana Arruda Callado pela trajetória da professora Maria Yedda.

Por que você decidiu a fazer o perfil da professora Maria Yedda Linhares?

Eu já fiz sete perfis de mulheres, e Maria Yedda começou a aparecer, a se impor há algum tempo, quando comecei a ver a quantidade de pessoas que a Maria Yedda tinha influenciado. Por isso, inclusive, a escolha do título do livro: Maria Yedda, formadora de gente. Ela não foi só professora, ela foi formadora de gente. Ainda hoje, há muitos discípulos dela que continuaram o seu trabalho. Outro motivo é que Maria Yedda foi nordestina, e eu sou um pouco patriota nordestina. Eu nasci em Pernambuco e acho fantástico, exatamente, você ver como aquele sertão – foi no sertão que ela nasceu – produz gente extraordinária. Então, eu me aprofundei na vida dela por essas duas razões.

Por que você diz que faz perfis e não biografias?

No meu entender, fazer uma biografia é impossível. Nem uma autobiografia seria possível.  Porque a memória vai perdendo os detalhes, vai mudando o ponto de vista, vai “inventando”, mesmo sem querer. Já um perfil é algo perto da biografia, mas não tão pretensioso. E dá uma boa ideia de quem foi a pessoa que você quer homenagear. Porque eu só faço perfis das mulheres que eu quero homenagear.

Quais os traços mais marcantes que você identificou na professora Maria Yedda?

Maria Yedda fez muita coisa extraordinária, mas o que mais me agrada nela foi a introdução da disciplina História Agrária do Brasil nos currículos de História do Brasil inteiro. Não se estudava isso. Ninguém queria saber o que se plantava, o que se comia, e também – voltando ao Nordeste – ela fez isso por influência do grande Josué de Castro (geógrafo, autor do livro Geografia da Fome, publicado pela primeira vez em 1946), que foi colega dela no exílio, frequentava a casa dela com outros intelectuais, e que era uma espécie de recanto dos exilados na França. A influência dele foi tamanha que, ao voltar do exílio, Maria Yedda criou essa disciplina, um pouco também em homenagem a Josué de Castro.

A propósito de Josué de Castro, você traz um dado totalmente novo, o de que Josué de Castro se suicidou. Até então se acreditava que ele havia morrido de um ataque cardíaco, causado pela saudade do Brasil.

Sim, ele morreu de saudade, que foi a causa do suicídio. Foi o desespero que o levou a isso, depois que os militares lhe negaram, pela décima vez, a emissão de um passaporte brasileiro. Seu grande crime foi ter dito que havia fome no Brasil. E afirmei isso no livro porque me foi dito por um importante personagem do meu livro, e amigo de Josué, o filho de Maria Yedda, grande fotógrafo Zeca Linhares.

 O professor Eremildo Vianna foi responsável pela cassação e prisão de Maria Yedda.  Que páginas ele ocupa no seu livro?

O Eremildo Vianna recebe uma homenagem no meu livro. Tem um capítulo inteiro sobre ele chamado O nefando Eremildo. Relato como ele, depois de “dedurar” professores e alunos da FNFi, inclusive Elio Gaspari, Darcy Ribeiro e Leite Lopes, entrou armado na Rádio MEC, com um grupo para-militar. Maria Yedda não estava lá naquele momento, mas ele entrou no gabinete dela, tomou o seu lugar e lá ficou por muitos anos. Ela foi presa, depois foi para a França, porque vários professores franceses, entre eles Jean Paul Sartre, escreveram ao governo brasileiro pedindo a liberação dela para dar aulas na França.

 Você levou cerca de três anos para escrever este livro. Quais foram as dificuldades?

O problema é que, cada vez que eu achava que um capítulo estava pronto, eu acrescentava ou alterava coisas. E ela foi muito grande, muito produtiva.

 O que essa biografia tem de diferente das outras que você escreveu?

Exatamente a produção da Maria Yedda. E é por isso que eu levei tanto tempo para terminar o livro. Maria Yedda era uma mulher com uma produção enorme, então em cada capítulo você vê que ela está fazendo coisas, desde menina. Ela ganhou uma maratona do Ministério da Educação, quando tinha 14 anos, e a pessoa que ganhou o segundo lugar foi o Darcy Ribeiro. Então os dois brincavam com isso, quando trabalhavam juntos. Ela dizia: “Eu ganhei de você a maratona”. Ela realmente trabalhava loucamente, sempre produzindo coisas novas. Ela não se habituava à ideia de repetir. Ela não repetia coisas. Cada vez que eu descobria mais alguma produção dela, eu ficava mais contente de estar debruçada em cima dela. Então, fazer este livro me deu muito trabalho, mas muita alegria.

Como você resumiria a personalidade de Maria Yedda

Mulher mandona, positiva, divertida, crítica, inovadora……

 Maria Yedda, formadora de gente. Editora Bartel.