Fotografia de corpo e alma


30/07/2007


Rodrigo Caixeta
3/8/2007

Há 27 anos Marcelo Prates se dedica exclusivamente à fotografia. Formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, ele estreou bem na imprensa: suas primeiras fotos, da posse de Tancredo Neves como Governador de Minas, foram publicadas em vários veículos de circulação nacional. Outras grandes coberturas também marcam a sua trajetória profissional, como a da tragédia de Abre Campo, no interior mineiro, quando o asfalto se abriu e vários carros foram engolidos; do dia em que Aureliano Chaves, Vice do então Presidente João Figueiredo, quebrou a perna cavalgando um pangaré; da “Ciranda da morte” na Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte; e da campanha presidencial de Fernando Collor:
— Nesta última, aconteceu um fato curioso. Cobria a peregrinação de Collor por Minas Gerais e, depois de uma caminhada pelas ruas de Viçosa, ele se dirigiu para o coreto onde ia discursar. Cheguei lá antes dele, esperando o seu gesto habitual, em que cerrava os punhos e erguias os braços com fúria. Quando chegou no coreto, o Collor me deu uma cotovelada na altura do estômago e quase perdi o rumo. No meio do povo, tinha um cinegrafista que registrou tudo. O fotograma da agressão foi publicado nos principais jornais brasileiros.

Atualmente editor de Fotografia do Hoje em dia, de Belo Horizonte, Marcelo trabalhou dez anos na sucursal do Globo na capital mineira. Antes ainda, fotografou para a revista da Associação Comercial de Minas (ACM) e fez freelances para a Folha de S.Paulo, Estadão, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Veja, Manchete e IstoÉ Senhor, além de ter fotos publicadas no Libération e na revista L’observacion, da França, no Corriere dela Sera, da Itália, e distribuídas pela Agência France Presse. Fotografou também para empresas como Fiat e Grupo Aché e há 15 anos presta serviço para o jornal da Companhia Vale do Rio Doce.

O primeiro clique foi aos 16 anos, por influência de alguns fotógrafos, amigos de seu pai. Marcelo passeava num condomínio de Retiro das Pedras, próximo a Belo Horizonte, e usou uma câmera Pratika. Ficou tão animado com o resultado que, pouco depois, comprou um ampliador “caindo aos pedaços” e, sozinho, aprendeu a revelar fotos no laboratório que montou num quarto nos fundos da casa da mãe:
— Mas, acredite, foi aos 5 anos que comecei a me interessar pela fotografia. Na minha rua, no bairro Floresta, em BH, morava um fotógrafo italiano, que chegava, todo dia, por volta das 17h30, carregando uma Rolleiflex. Às vezes sobravam umas chapas e ele tirava uma foto minha. Aquele ambiente repleto de câmeras despertou desde cedo meu interesse pela arte de fotografar — diz Marcelo, que fortaleceu sua relação com o mundo das imagens alguns anos mais tarde, quando trabalhava com o pai, afixando cartazes e montando vitrines com as próximas atrações de uma tradicional rede de cinemas da capital mineira. 

Fotografia de corpo e alma

Para ter êxito em sua atividade, Marcelo diz que o fotógrafo deve ter muita concentração e atenção nos flagrantes e coberturas:
— É preciso ser curioso, dominar a técnica, ter apurado conhecimento geral, ler muito, estudar técnica e arte, folhear revistas com olhar crítico, questionando sempre o que o profissional quis transmitir com aquela foto, criatividade e muita, muita sensibilidade. E também, claro, gostar do trabalho, fazer da profissão a vida, de corpo e alma.

O fotógrafo planeja lançar um livro e fazer uma exposição — aliás, o que não falta em seu currículo: participou de “Crianças”, na Galeria do Palácio das Artes de Belo Horizonte, em 1979; “Auto-retrato do brasileiro”, na Fundação Bienal de São Paulo, em 1989; “10 anos de Diretas Já”, da Prefeitura de BH, em 1994; “Kinder der Welt — Speyr”, na Alemanha, em 2001; “Mineirão 50 anos”, em 2006, e muitas outras.

Marcelo também acumula prêmios, como o Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em 1985; o Nikon de Aquisição de Obra, em 1987; a Comenda do Mérito Ambiental da OAB/MG; o 3º lugar no Grande Prêmio CNT de Jornalismo e Fotografia, em 2002; o PQN de Ouro, em 2003; o National Geographic de Momentos Incríveis e o Mineirão de Todos os Tempos, em 2006, e menções honrosas no Ayrton Senna de Jornalismo e no Fotografia Contemporânea da América Latina, em 2001; no SSF World Photo Contest, em 2002; e no New Holland, em 2005.

Histórias

Das coberturas de que participou, diz ter várias histórias. Uma engraçada aconteceu em Rio Verde, próximo a Teófilo Otoni, no interior de Minas:
— Várias pessoas da zona rural tinham morrido no posto de saúde daquela localidade, apresentando sintomas da febre maculosa. Estava com o repórter Sidney Martins e o então motorista Beto Novaes, atualmente fotógrafo do Estado de Minas. Acabamos a cobertura e fomos para um hotel. Depois de tomar banho para ir jantar, o Sidney disse que estava passando mal. Tinha todos os sintomas da febre do carrapato: dor de cabeça, dor no corpo, calafrios… Fomos para o hospital e passamos a noite em claro, preocupados. No dia seguinte, descobrimos que ele não tinha nada, havia somatizado a doença. Até hoje rimos dessa história — diverte-se.

Mas o fotógrafo também já viveu situações de risco, como a que narra a seguir:
— Foi tão marcante que lembro até a data: 15 de novembro de 1985. Era feriado e, depois do plantão, às 18h, fui esperar minha namorada num bar, ao lado de uma delegacia. O proprietário era um detetive da polícia, que foi chamado à Penitenciária de Neves, onde acabara de estourar uma rebelião. Os presos pediam a presença da imprensa, para mostrar como eram maltratados no local. No meio do trabalho, um presidiário olhou para mim, cismou e gritou que eu era um policial disfarçado. Todos acreditaram nele, pegaram minha máquina, tiraram meu filme, me seguraram pelos braços e senti que seria arrebentado. Os colegas gritavam em meu auxílio, mas de nada adiantava. De repente, um detento forte, alto, interveio: “Opa, esse aí não. Marcelinho é meu amigo. Tira a mão dele agora.” Ufa! Era o Marcinho, uns dos líderes, muito respeitado no presídio e meu vizinho no bairro da Serra, na adolescência. Foi a minha salvação! Os detentos me soltaram e eu passei de réu a rei. Com o Marcinho do lado, tive acesso a visões privilegiadas. Foi um furo de reportagem.

                                                                           
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