Festejos dos 100 anos de Clarice Lispector


10/12/2020


Festejos dos 100 anos  de Clarice Lispector

Os cem anos da escritora e jornalista Clarice Lispector será comemorado nesta quinta-feira, 10, com estreia de peça on-line, sessão especial de musical e sarau virtual.  E a pandemia obrigou o Instituto Moreira Salles, onde está sua obra, a suspender as visitas à biblioteca e adiar para 2021 a mostra Constelação Clarice, que reunirá artistas plásticas brasileiras contemporâneas da autora e que deveria celebrar seu centenário.

Ela é autora de romances, contos e ensaios e considerada a maior escritora judia desde Franz Kafka e uma das brasileiras mais importantes do século XX. Nascida em uma aldeia ucraniana, à época pertencente à Rússia soviética, com o nome Chaya Pinkhasovna Lispector, era bebê quando seus pais chegaram ao Brasil, fugidos da perseguição aos judeus na Guerra Civil russa.

Alfabetizada em Recife, foi criada em iídiche e tinha um sotaque peculiar embora falasse e lesse em francês, inglês e italiano. Mas o português foi a língua em que escrevia. Tinha 22 anos quando publicou seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, que lhe valeu um prêmio. Sua fama de autora de leitura difícil foi um lastro durante anos. “Não se trata de inteligência, mas sim de sentimentos, de entrar em contato”, disse na televisão em sua última entrevista, meses antes de morrer de câncer de ovário, às vésperas de completar 57 anos, em 9 de dezembro de 1977, no Rio. E ainda acrescentou: “Quando não escrevo, acho que estou morta”.

Ela costumava anotar ideias que lhe brotavam, sensações ou frases perturbadoras, observações literárias e só quando aquelas palavras estavam maduras datilografava o texto. Sempre com a máquina de escrever sobre o colo. Tinha 22 anos quando publicou seu primeiro romance, Perto do coração selvagem. Sua obra póstuma, Um Sopro de Vida, é parte da sua biblioteca, conservada pelo Instituto Moreira Salles (IMS) do Rio de Janeiro.

Lispector revolucionou o panorama literário brasileiro nos anos quarenta. “Nela você percebe fome, sede, amor, paixão. É muito pouco intelectual”, diz o estudioso de sua obra Eucanaã Ferraz, do IMS. Aquela mulher enigmática, bela, arrumada como uma estrela de cinema, irrompe num momento de profunda transformação social para as mulheres ocidentais. Começam a se liberar quando Lispector deixa em sua obra sua parte mais selvagem, mais animal, ao mesmo tempo em que leva a vida convencional de uma mulher de classe alta. Durante 15 anos viveu no exterior para acompanhar seu marido diplomata, Maury Gurgel Valente (de 1943 a 1959) enquanto cria os dois filhos do casal, Pedro e Paulo Gurgel Valente.

Alguns de seus artigos e livros estão depositados em outra instituição cultural do Rio, a Casa de Rui Barbosa, mas a maioria está no IMS. Junto a dois manuscritos colados, conserva 800 livros de sua biblioteca pessoal, seus discos, fotografias familiares e a correspondência com suas irmãs, Tania e Elisa. O intercâmbio de cartas relata sua vida durante os anos que viajou pela Europa e África e viveu na Suíça, Estados Unidos, Reino Unido e Itália. Era uma escritora cult e leitora eclética. Gostava tanto de Dostoiévski quanto de O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse. Escolhia suas leituras pelos títulos mais que pelos autores, dizia. Há exemplares de Spinoza, obras de Tolstói, Kafka, Machado de Assis, livros sobre James Joyce e Shakespeare, metafísica, romances de espionagem e a Enciclopédia da Mulher e da Família. Com seu primeiro salário, ganho como jornalista no Rio comprou Felicidade, de Katherine Mansfield.

Perto do Coração Selvagem é o romance de estreia de Clarice Lispector. Publicado originalmente em dezembro de 1943, o livro é marcado pelo estilo introspectivo da escritora. Teve críticas positivas na época e foi premiado como melhor romance de estreia pela Fundação Graça Aranha, em outubro de 1944.

Em 1960 trabalhou no Diário da Noite com a coluna “Só Para Mulheres” e nesse mesmo ano lançou Laços de Família, livro de contos que recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. Em 1967, publicou O Mistério do Coelhinho Pensante, seu primeiro livro infantil, que recebeu o Prêmio Calunga, da Campanha Nacional da Criança. Nesse mesmo ano, ao dormir com um cigarro aceso, Clarice Lispector sofreu várias queimaduras no corpo e na mão direita. Passou por várias cirurgias e viveu isolada, sempre escrevendo. No ano seguinte publicou crônicas no Jornal do Brasil. Clarice passou a integrar o Conselho Consultivo do Instituto Nacional do Livro. Em 1976, pelo conjunto de sua obra, Clarice ganhou o primeiro prêmio do X Concurso Literário Nacional de Brasília.

Em 1977, Clarice Lispector escreveu Hora da Estrela, sua última obra publicada em vida, onde conta a história de Macabea, uma moça do interior em busca de sobreviver na cidade grande. A versão cinematográfica desse romance, dirigida por Suzana Amaral em 1985, conquistou os maiores prêmios do festival de cinema de Brasília e deu à atriz Marcelia Cartaxo, que fez o papel principal, o Urso de Prata em Berlim, em 1986. Clarice Lispector faleceu no Rio de Janeiro, no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu aniversário. Seu corpo foi sepultado no cemitério Israelita do Caju.

Ela é considerada uma escritora intimista e psicológica, mas sua produção acaba por se envolver também em outros universos, sua obra é também social, filosófica e existencial. Em busca de uma linguagem especial para expressar paixões e estado da alma, a escritora utilizou recursos técnicos modernos como a análise psicológica e o monólogo interior. As histórias de Clarice raramente têm um começo meio e fim. Sua ficção transcende o tempo e o espaço e os personagens, postos em situações limite, são com frequência femininos, quase sempre situados em centros urbanos.

Aos 40 anos, Clarice se divorciou, voltando com os dois filhos para o Rio, onde hoje é tema de uma escultura pública: sentada com um livro no colo, dá as costas a uma das praias mais belas do mundo, Copacabana. Entrou na literatura infantil após ouvir as queixas de um de seus filhos, que a recriminou por escrever para tanta gente, mas não para ele. Dedicou-lhe um conto em inglês, porque na época a família vivia nos EUA. Ser mãe é a experiência que mais a marcou, pelo fato de dar vida. Nunca quis ser aquela escritora que no horário de trabalho não podia atender a sua prole.

Um sopro de vida – Pulsações foi o último romance de Clarice Lispector, escrito entre 1974 e 1977, e publicado somente após a morte da autora, em 1978. O romance remete a uma interrupção no processo de escrita do livro. Clarice não viveria para vê-lo publicado. Quando morreu, restava uma montanha de fragmentos, mais tarde ‘estruturados’ por Olga Borelli, sua melhor amiga. O fato de ser póstuma dá a essa obra, por associação, a sensação de inacabamento. Não se sabe se o resultado final é exatamente o que a autora queria, pois parte do livro foi escrito após a morte de Clarice. Olga Borelli organizou os pedaços e até retirou uma frase, como ela mesma admite, “para a família não ficar muito sofrida.” Nessa passagem, o autor-personagem que dá fala à personagem principal, fala do câncer que a matará. Como foi na vida real da escritora.

Obras de Clarice Lispector: Romances: Perto do Coração Selvagem (1944),O Lustre (1946), A Cidade Sitiada (1949), A Maçã no Escuro (1961), A Paixão Segundo G.H. (1961), Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres (1969), Água Viva (1973), A Hora da Estrela (1977); Contos: Alguns Contos (1952), Laços de Família (1960), A Legião Estrangeira (1964), Felicidade de Clandestina (1971), Imitação da Rosa (1973), A Via Crucis do Corpo (1974), A Bela e a Fera (1978); Literatura Infantil: O Mistério do Coelho Pensante (1967), A Mulher Que Matou os Peixes (1969), A Vida Íntima de Laura (1974), O Mistério do Coelho Pensante (1967)

Comemorações

Hoje – espetáculo extra de Na sala com Clarice na plataforma Zoom (acesso pelo site www.sympla.com.br/nasalacomclarice), encenado pelo ator Odilon Esteves. O monólogo se baseia numa seleção de contos e crônicas assinadas pela escritora que completa cem anos hoje.

1ª Bienal Virtual do Livro de São Paulo – apresenta mesas sobre aspectos da obra de Clarice. Hoje, às 15 hs, a participação é de Nélida Piñon

Ed. Rocco tb apresenta hoje uma programação on-line que começa com uma live, às 11hs, de Teresa Montero, biógrafa de Clarice Lispector.

Sarau Virtual – está entre as atrações da agenda a vigília “Clarice 100 anos”, coordenado por João do Corujão com a participação do público das 22hs até a madrugada. Nas redes sociais.

Hoje   – SescTV exibe um documentário e um curta sobre Clarice dirigido por Nicole Algranti (sesctv.org.br) e o Instituto Moreira Salles, lança uma site dedicado à escritora (www.claricelispector.ims.com.br), com material de acervo que inclui fotos, manuscritos, áudios, vídeos, cartas e aulas.

Dia 20  – 19hs – musical A Hora da estrela ou O canto de Macabéa, protagonizado por Laila Garin  com direção de André Paes Leme e trilha musical de Chico César, ganha versão virtual com transmissão direto do palco pelo YouTube e pelo canal Arte 1. O espetáculo estava no CCBB quando foi interrompido pela pandemia.

Pesquisa Diretoria de Cultura e Lazer da ABI