Ferreira Gullar comemora 80 anos


10/09/2010


“A parte mais efêmera de mim / é essa consciência de que existo / e todo existir consiste nisto/ é estranho!”, diz um dos versos de “Perplexidade” um dos poemas inéditos do livro “Em alguma parte alguma” (Editora José Olympio) de Ferreira Gullar, que nesta sexta-feira, 10 de setembro, está completando 80 anos de idade.
 
O livro acaba se tornando um presente duplo: para o autor pela criação de mais uma obra, para os fãs da sua poesia pela oportunidade de matar as saudades de seus poemas reunidos em uma única publicação, pois o último lançamento aconteceu há dez anos, com “Muitas vozes”.
 
Dividido em quatro partes, o livro reúne 59 poemas inéditos, compostos nos últimos dez anos, nos quais o autor aborda diversos temas, entre os quais arte, universo e exílio. Todas as características dos versos do poeta, que segundo o próprio nascem do “espanto, do inesperado, como sentir o cheiro de um jasmim ou esbarrar em um móvel”, são analisadas na obra por Antonio Carlos Secchin e Alfredo Bossi, em dois textos críticos.
 
“Com 61 anos de ofício, a poesia de Ferreira Gullar torna-se cada vez mais nova. Neste arrebatador Em alguma parte alguma pulsa a urgência da vida, por meio de um olhar que se lança tanto microscopicamente à textura espessa das frutas condenadas ao apodrecimento, quanto telescopicamente à solidão esquiva e silenciosa do cosmo”, diz Antonio Carlos Secchin, poeta, professor, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e um dos maiores especialistas da obra de Gullar.
 
Especial
 
O ano de 2010 tem sido especial para o poeta Ferreira Gullar, pois celebra o seu octagésimo aniversário esbanjando a mesma fecundidade poética que o elegeu um dos maiores do gênero no Brasil. Em junho, conquistou o 22º Prêmio Camões, o principal da língua portuguesa, pelo reconhecimento alcançado pelo conjunto da sua obra. Em agosto, foi festejado com uma mesa especial de debates na Flip, em Paraty.
 
Poeta, jornalista, teatrólogo, pintor e crítico literário Ferreira Gullar nasceu em São Luís, no Maranhão, em 10 de setembro de 1930. Seu primeiro poema publicado foi “O trabalho”, impresso no jornal O Combate, em 1948. No mesmo ano, estreou como locutor da Rádio Timbira e colaborador do Diário de São Luís. Em seguida, contando com recursos próprios e o apoio do Centro Cultural Gonçalves Dias, publica “Um pouco acima do chão”, seu primeiro livro de poesia.
 
Em 1951, mudou-se para o Rio de Janeiro onde desde então desenvolveu o seu brilhante dom artístico e literário, e se tornou amigo de Mário Pedrosa, Oswald de Andrade, Décio Pagnatari, Augusto e Haroldo de Campos. Ainda nos anos 50, trabalhou nas revistas O Cruzeiro e Manchete, no Diário Carioca e teve também uma participação no “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil.
 
A partir dos anos 60, Ferreira Gullar passa do texto poético considerado experimentalista para uma poesia mais engajada de vanguarda. Isso aconteceu depois da sua passagem pelo Distrito Federal como diretor da Fundação Cultural de Brasília, nomeado por Jânio Quadros, onde criou o projeto do Museu de Arte Popular.
 
Em 1962, o poeta ingressou no jornal O Estado de S.Paulo, onde trabalhou por 30 anos. No mesmo ano filiou-se ao Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC). Nesta época publicou “João Boa-Morte, cabra marcado para morrer” e “Quem matou Aparecida”, cujos textos são pistas do seu engajamento político ideológico.

Senso crítico

 
Uma das principais características que marca a trajetória de Ferreira Gullar é o seu senso crítico que faz dele, para além do ambiente literário, um dos maiores pensadores do País. Entre suas obras mais importantes estão “Poema sujo” (1976), “Argumentação contra a morte da arte” (1993) e “Muitas vozes” (1999). 

Duas vezes indicado para o Prêmio Nobel de Literatura (2002 e 2004) Ferreira Gullar já foi agraciado com o Prêmio Jabuti e o Prêmio Alphonsus de Guimarães, da Biblioteca Nacional (ambos em 1999). Conquistou o Prêmio Multicultural 2000, do Estadão, e o Prêmio Príncipe Claus, da Holanda, dado a artistas, escritores e instituições culturais de fora da Europa que tenham contribuído para mudar a sociedade, a arte ou a visão cultural de seu país.

 
Em 1964, filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi uma das vozes que protestou contra a ditadura militar, e que defendeu o socialismo como a única alternância digna para “o capitalismo selvagem” que oprimia a classe operária. Foi um período de grande efervescência da criação artística de Ferreira Gullar, que tinha como parceiros Oduvaldo Viana Filho, Paulo Pontes e Thereza Aragão, entre outros, com quem fundou o Grupo Opinião.
 
O engajamento social em um tempo de nebulosidade política no País lhe valeu um período no exílio (1971 a 1977), passado na antiga URSS, Peru, Argentina e no Chile onde acompanhou a derrubada de Salvador Allende (Chile, 1973), e disse ter-se dado conta de que a esquerda acabou cometendo um equívoco: “Eu aprendi na minha luta política, no preço que paguei no exílio, a ter uma visão diferente do marxismo que não tenho medo de expressar. Eu vi a extrema esquerda e o Partido Socialista de Allende trabalharem a favor do golpe, pensando que estavam sendo mais de esquerda do que todo mundo. Na verdade, colaboraram com a CIA para derrubar Allende. O marxismo tem uma visão política generosa, mas equivocada ”, afirmou Gullar em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
 
Ferreira Gullar diz que não se arrepende de todas lutas sociais e políticas que apoiou. Costuma dizer que as frustrações e as tristezas ele supera com a poesia. Seus escritos são como um combustível para o recomeço. Esse comportamento está refletido no poema “Toada à toa”, que faz parte do livro recém-lançado: A vida, apenas se sonha / que é plena, bela ou o que for. / Por mais que nela se ponha / é o mesmo que nada por. / Pois é certo que o vivido / – na alegria ou desespero – / como o gás é consumido… / Recomeçamos de zero.
 
De bem com a vida e com os poemas que escreve, Ferreira Gullar diz que a poesia lhe traz felicidade e discorda daqueles que dizem que escrever poesia é um sofrimento: “Pode ser pra eles, para mim é uma alegria”, declarou ele à Folha, revelando que “Poema Sujo”, um dos mais importantes que escreveu, nasceu no exílio de um “transe, um barato que durou por cinco meses. Sentia-me impelido a escrever”.

Com uma trajetória repleta de experiências inusitadas em vários campos de atuação (jornalismo, política e arte literária), Ferreira Gullar afirma que é um poeta que não dá bola para o sofrimento, que para ele não tem nenhum valor: “Não quero saber do sofrimento, quero é felicidade. Não gosto de fazer lamúrias. Detesto o passado”.