Fausto, de Codó para o mundo


04/04/2008


Quando, na primeira quinzena de julho de 1930, a delegação brasileira chegou a Montevidéu a bordo do navio “Conte Verde”, desembarcava com seus companheiros o codoense Fausto dos Santos. Na capital uruguaia, aquele negro esguio encantaria a imprensa e a torcida uruguaias com seu extraordinário futebol.

A cidade de Codó fica no interior do Maranhão, ao longo da Estrada de Ferro São Luís—Teresina. Lá nasceu Fausto dos Santos, em 28 de fevereiro de 1905. As dificuldades enfrentadas pela família numa região pobre reforçavam o desejo de vir para o Rio de Janeiro.

Com 21 anos, em 1926, o jogador Fausto passou a ser conhecido pelos torcedores cariocas. O meia-direita do time amador do Bangu, nos campeonatos cariocas de 26 e 27, mostrava que era bom de bola. Porém, era mais conhecido pela sua vida boêmia.

Tinoco, um de seus muitos amigos de jornadas noturnas, jogava no Vasco da Gama e sempre insistia para Fausto vestir a camisa preta com a cruz branca do lado esquerdo do peito do clube de São Januário. Os principais argumentos eram que no Vasco ele ganharia fama e que Bangu era muito distante. Em 1928, Fausto cedeu aos apelos dos companheiros e se transferiu para o Vasco.

No ano seguinte, o Vasco sob o comando do inglês Harry Walfare, ex-jogador do Fluminense, vencia o Torneio Início e o Campeonato Carioca. Vasco e América decidiram o título numa série melhor de três. Fausto, agora, de centro-médio, era o armador das jogadas e principal referência do esquema tático vascaíno. Após dois empates, 0 a 0 e 1 a 1, o Vasco goleou o América por 5 a 1 e se sagrou campeão carioca de 1929. O inesquecível time campeão jogava com Jaguaré, Brilhante e Itália; Tinoco, Fausto (que na foto ao lado aparece com o uniforme do Vasco pela primeira vez) e Mola; Paschoal, Oitenta e Quatro, Russinho, Mário Matos e Santana.

Suas grandes atuações o levaram ás seleções carioca e brasileira. No mesmo ano do título carioca, várias equipes estrangeiras estiveram no Brasil, entre elas o Ferencvaros, da Hungria. No dia 10 de julho de 1929, no Estádio do Fluminense, a seleção brasileira vencia os húngaros por 2 a 0 gols de Petronilho e Feitiço. Fausto estreava a camisa da seleção. 

Protestos
BR>A CBD preparava-se para o Campeonato Mundial do ano seguinte, no Uruguai. A comissão técnica da seleção era exclusivamente de cariocas, fato que gerou protestos da Associação Paulista de Esportes Atléticos. A reivindicação era a inclusão de pelo menos um paulista na comissão. Como a CBD manteve seu ponto de vista, a Apea não cedeu seus jogadores. O único paulista a integrar a seleção foi Araken Patuska, em litígio com o Santos.

Fausto seguiu com a delegação brasileira e, na capital uruguaia, atuou contra a Iugoslávia e a Bolívia. Suas duas notáveis exibições extasiaram a crônica esportiva e o público uruguaios. Os jornais estampavam manchetes, referindo-se a Fausto como a “Maravilha Negra”.

O Brasil perdeu para a Iugoslávia por 2 a 1 e venceu a Bolívia por 4 a 0. Porém, a vitória iugoslava diante dos bolivianos por 4 a 0 tirou o Brasil do mundial. Apesar da eliminação brasileira, o futebol de Fausto estava consagrado.

Em 5 de setembro de 1931, na véspera da partida contra o Uruguai, no campo do Fluminense, pela Copa Rio Branco, Fausto recebeu do próprio médico da CBD a notícia de que não jogaria. Uma forte gripe o deixara de cama por vários dias no dormitório de São Januário. Eram os primeiros sintomas da tuberculose. A vida boêmia deixava suas marcas.

Seu futebol continuava o mesmo, mas as freqüentes gripes impediam que suas participações nos jogos fossem constantes. Em 1931, o Vasco realizou uma excursão a Europa, jogando na Espanha e em Portugal. A Europa conheceu de perto a “Maravilha Negra”. No fim da temporada, em Lisboa, chegou ao conhecimento do chefe da delegação do Vasco que Fausto e Jaguaré tinham assinado contrato com o Barcelona.

Naquela época o preconceito existia com mais intensidade e Fausto e Jaguaré passaram a ser alvos de críticas ofensivas por parte da imprensa. A resposta dos dois eram suas atuações que se transformavam em grandes vitórias para o Barcelona. 

Multa

Poucos dias antes de uma excursão, Fausto estava acamado, com febre alta e tossindo muito. Seu estado de saúde impedia que viajasse. A Diretoria do clube espanhol o multou. Depois da derrota para o time húngaro do Ujpest por 4 a 0, Fausto e alguns companheiros foram apontados como culpados. Esses fatos motivaram sua saída do Barcelona. O destino foi o Young Fellows da Suíça, no início de 1933. A permanência no futebol suíço durou apenas dois meses.

Já no Brasil, depois de resolver as questões contratuais com os espanhóis e suíços, Fausto retornava ao Vasco da Gama. No campeonato carioca de 33, ano da implantação do profissionalismo, não atuou como nos velhos tempos. No ano seguinte, ao lado de grandes craques como Domingos da Guia e Leônidas da Silva, seu maravilhoso futebol voltou a brilhar.

O Vasco conquistou o campeonato carioca de 1934 com um time formado por jogadores de alta categoria: Rei, Domingos e Itália; Tinoco, Fausto e Mola; Orlando, Leônidas, Gradim, Nena e Dallessandro. O time terminou a competição com a vantagem de quatro pontos sobre o São Cristóvão, vice-campeão.

Fausto não se afastava da boemia e as gripes eram mais freqüentes. A ausência na Copa de 34, na Itália, não foi por motivo de saúde e sim porque o Vasco, cujos jogadores eram profissionais, não tinha o reconhecimento da CBD.

No dia 24 de fevereiro de 1935, em São Januário, a seleção brasileira derrotou o River Plate, da Argentina, por 2 a 1. No vestiário, Fausto sentiu no peito fortes dores que se estendiam pelo corpo.

Consciente do mal que o acometia, o jogador continuava a não seguir os conselhos médicos. Passou a fazer segredo da doença e a tocar a vida normalmente. O fôlego começou a faltar nos jogos e ele procurava se poupar no início para correr no fim ou vice-versa.

Em maio, aceitou a proposta do Nacional e viajou para Montevidéu. A permanência na terra que o denominou “Maravilha Negra” não durou mais que sete meses. Seus companheiros começaram a reclamar, porque Fausto não corria o tempo todo.

Interesse

Quando retornou ao Brasil, vários clubes se interessaram em contratá-lo. Até resolverem quem teria direito sobre ele, por questões contratuais, Fausto ficou sem poder jogar. Flávio Costa, admirador de seu futebol, tanto insistiu que o Vasco acabou liberando-o para o Flamengo (na imagem ao lado, de um Fla x Flu de 1936, vemos Ari Barroso, em sua primeira transmissão esportiva, e Oduvaldo Cozzi).

Agradecido à Diretoria do Flamengo, Fausto se afastou um pouco da vida boêmia. Todavia, no campo sua condição física continuava não lhe permitindo correr o tempo todo. Seu sistema nervoso, abalado já há algum tempo, o levava a criar casos com os árbitros e ser expulso em vários jogos.

Em fevereiro de 1937, José Bastos Padilha, Presidente do Flamengo, contratou o técnico húngaro Dori Kruschner, profissional experiente que logo percebeu as limitações de Fausto, sem deixar de reconhecer suas virtudes técnicas. O jeito era tirá-lo do meio-campo e recuá-lo para a zaga, onde jogaria na sobra e correria menos. Fausto, influenciado pelas más línguas, achou que o húngaro o considerava acabado para o futebol.

Nos treinos, Fausto desobedecia às instruções de Kruschner, avançava para armar o jogo e deixava o buraco na defesa. O fato se repetia a cada treino até o dia em que o técnico comunicou o fato a José Bastos Padilha. O presidente rubro-negro multou o jogador e o afastou do time. Fausto fez até apelo público pelos jornais para ser perdoado, mas Padilha manteve sua decisão.

Após as eleições quando Raul Dias Gonçalves substituiu José Bastos Padilha na presidência do clube, Fausto retornou a Gávea. Numa excursão a Bahia, uma forte gripe o colocou de cama. Fausto perdia ali a oportunidade de ser chamado por Ademar Pimenta, técnico da seleção brasileira na Copa de Mundo de 38, na França.

Alguns meses depois, num treino, sentiu profundo cansaço e forte dor no peito. Os dirigentes do Flamengo o aconselharam a descansar em Cambuquira, estância mineral no Sul de Minas. Não admitia ficar distante do futebol e participou da equipe reserva contra o América na decisão do título da categoria. Era sua despedida dos gramados. No dia seguinte, teve uma hemoptise. Insistente, Fausto se apresentou na Gávea para treinar. Veio o desmaio e nova hemoptise. Era o início do fim.

Aconselhado pelo médico, viajou para Palmira, no interior de Minas Gerais. Lá ficou internado num sanatório até as 18h do dia 29 de março de 1939. Nesse dia, o mundo do futebol perdia um de seus maiores expoentes. Fausto dos Santos, a “Maravilha Negra”, completaria 103 anos no dia 28 de fevereiro de 2008.