10/05/2006
Descrente da neutralidade na notícia
José Reinaldo Marques
12/05/2006
Domingos TP |
Amigo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva — que conheceu em 1984 durante a campanha das Diretas Já e de quem foi Secretário de Imprensa — o jornalista Ricardo Kotscho, 58 anos de idade e 41 de profissão, começou a carreira ainda num jornal do colégio. De lá, passou pela grande mídia do País, em jornais como O Estado de S. Paulo e TVs como SBT, Record e Cultura. No momento, ainda que ache “estranho o repórter virar a reportagem”, prepara-se para lançar suas memórias pela Cia. Das Letras.
ABI Online — Como foi sua estréia no jornalismo?
Kotscho — Comecei a escrever num jornalzinho do Colégio Santa Cruz, em São Paulo, chamado Verbâmidas e, em 1964, com 16 anos, consegui meu primeiro emprego como repórter na Folha Santamarense, passando depois para a Gazeta de Santo Amaro.
ABI Online — Você era ainda muito jovem quando ingressou no Estadão. Que funções desempenhou lá?
Kotscho — Entrei para o Estadão no começo de 1967, com 18 anos. Lá, fui estagiário, repórter e editor de Geral e de Esportes, chefe de reportagem e repórter especial.
ABI Online — Quais foram os motivos que levaram você a trocar o Estadão pelo Jornal do Brasil em 77?
Kotscho — Depois de fazer algumas reportagens de denúncia no Estadão (uma série sobre mordomias no governo e o assassinato do operário Manoel Fiel Filho), recebi conselhos para cair fora por algum tempo. A Dorrit Harazim estava procurando um repórter que falasse alemão e fui trabalhar como correspondente do JB em Bonn. Era a época do polêmico acordo nuclear Brasil-Alemanha e das ações terroristas do grupo Baader-Meinhof. No período que passei lá, cobri a morte de dois papas (Paulo VI e João Paulo I) juntamente com o Araújo Neto, correspondente do JB em Roma.
ABI Online — Quanto tempo você ficou na Europa e o que veio fazer quando retornou ao Brasil?
Kotscho — Fiquei na Europa menos de dois anos, porque estava morrendo de saudades do Brasil. Recebi um convite do Mino Carta e fui trabalhar na IstoÉ, onde encontrei vários amigos dos meus tempos de Estadão.
ABI Online — Você também teve uma passagem pela Folha de S. Paulo.
Kotscho — Entrei na Folha como repórter especial em 1980, depois do fechamento do Jornal da República, lançado por Mino Carta no ano anterior.
ABI Online — Por que você considera a cobertura das Diretas como a mais importante da sua carreira?
Kotscho — Acho que a campanha foi o mais importante acontecimento não só da minha carreira, mas da vida de toda uma geração que começou a trabalhar logo após o golpe de 64.
ABI Online — Com base nessa experiência você escreveu o livro “Explode um novo Brasil”. O que mais chamou sua atenção no movimento?
Kotscho — Como o Ulysses Guimarães (Deputado que foi um dos líderes do movimento e morreu num acidente aéreo em outubro de 92) escreveu no prefácio do livro, a coisa mais fantástica dessa campanha foi o entusiasmo popular crescente a cada comício, multidões tomando as ruas sem medo do regime militar.
ABI Online — Você costuma dizer que tudo o que é ligado às pessoas lhe emociona. Foi por isso que resolveu andar pelo Brasil, escrevendo sobre a vida do homem comum?
Kostcho — De uma forma geral, o jornalismo brasileiro é muito focado em celebridades, pautas burocráticas, coberturas oficiais e colunas sociais. São sempre as mesmas fontes em diferentes áreas e muito bastidor de gabinete. Não gosto disso. O que me fascina na profissão é descobrir assuntos, personagens e lugares que não estão na mídia. Foi o que eu fiz durante a maior parte da minha carreira e falo muito sobre isso no livro “Do golpe ao Planalto — Memórias de um repórter”, que deve sair em junho.
ABI Online — Você viveu outra experiência jornalística tão relevante quanto as Diretas?
Kotscho — Sim, meu trabalho como assessor de imprensa do então candidato Lula durante as caravanas da cidadania, em 1994. Uma idéia minha nos levou a percorrer todo o País de ônibus ou de barco, chegando a lugares onde candidatos e repórteres não costumam ir.
ABI Online — Fale, por favor, sobre o episódio dos pontapés que você e outros jornalistas deram nos congressistas que fugiam do plenário para não votar a aprovação das eleições diretas.
Kotscho — Isso aconteceu mesmo, logo após a derrota na votação da Emenda Dante de Oliveira, mas é uma história que não pega bem lembrar.
ABI Online — Quando foi que você conheceu o Luiz Inácio Lula da Silva?
Kotscho — Logo após minha volta da Alemanha, no final de 78, quando ele presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e comandava as grandes greves operárias da época.
ABI Online — Como surgiu o convite para ser seu assessor?
Kotscho — Nós já éramos muito amigos quando ele me convidou para trabalhar em sua primeira campanha, em 89. Era a primeira eleição direta após o golpe e foi a primeira vez que a minha geração pôde votar para Presidente.
ABI Online — Você diz que prefere o contato com pessoas comuns a ter que lidar com gente famosa e com políticos. Por que então aceitou o convite para ser assessor da Presidência?
Kotscho — Por ter trabalhado em três campanhas presidenciais, foi uma conseqüência natural acompanhar o Presidente Lula. Eu não poderia dizer para ele “vai com Deus que agora vou cuidar da minha vida”.
ABI Online — Quanto tempo você assessorou Lula e por que deixou o cargo de Secretário de Imprensa de seu governo?
Kotscho — Meu plano era ficar um ano em Brasília para informatizar e reestruturar a Secretaria de Imprensa, criar um site e montar uma boa equipe. Como não consegui fazer tudo que queria nesse período, fiquei mais um ano e no fim de 2004, como havia combinado com o Presidente, voltei para São Paulo, onde estava minha família.
ABI Online — Como metalúrgico e candidato à Presidência, Lula se relacionava melhor com a imprensa. O que mudou?
Kotscho — Na minha despedida, o Presidente Lula disse que, se dependesse de mim, ele passaria o dia inteiro só atendendo a imprensa. Briguei muito para que seus contatos com os jornalistas fossem mais freqüentes, mas sei que o próprio cargo impõe limitações.
ABI Online — Qual é a sua avaliação da atual política de comunicação do governo?
Kotscho — Como estou afastado há quase um ano e meio e não conheço as dificuldades enfrentadas por quem ficou, acho que não seria ético fazer qualquer avaliação. Além disso, não sou um especialista no assunto.
ABI Online — Você costuma dizer que não existe imparcialidade no jornalismo? Por quê?
Kotscho — Acho que esse negócio de imparcialidade, objetividade, neutralidade não existe mesmo, não é próprio da natureza humana, é conversa de acadêmico. Prefiro ficar com uma singela definição do Carl Bernstein, aquele do caso Watergate: “A reportagem é a melhor versão da realidade possível de se obter.” E eu sou do tempo em que jornalismo era, basicamente, reportagem.
ABI Online — Muitas de suas reportagens acabaram virando livros. Foi um processo natural?
Kotscho — Nada foi planejado. Às vezes você se empolga tanto com um assunto que comenta com o fotógrafo: “Poxa, rapaz, isso dá um livro.” Tem editor que pensa o mesmo e publica.
ABI Online — Em que você está trabalhando no momento?
Kotscho — Sou colunista do site NoMínimo e consultor do projeto Globo & Universidade, um trabalho da Rede Globo voltado para a educação. Com o fotógrafo Hélio Campos Mello, comecei a fazer para O Globo reportagens especiais que deverão ser publicadas também em veículos de outros estados.
ABI Online — Fale, por favor, da sua relação com a ABI.
Kotscho — Ela vem dos tempos do Presidente Prudente de Moraes, neto, nas décadas de 60 e 70. Como ele era muito ligado à família Mesquita e eu trabalhava no Estadão, várias vezes fui encarregado de acompanhá-lo em suas visitas a São Paulo, quase sempre para denunciar alguma violência praticada pelo regime militar contra jornalistas.
ABI Online — Como você veio a integrar o Conselho Deliberativo da instituição?
Kotscho — Fui eleito Conselheiro da ABI pela primeira vez na época do Prudente de Moraes, neto. No ano passado, voltei a integrar o Conselho a convite de Maurício Azêdo (Presidente) e Audálio Dantas (Vice), meus amigos de outros carnavais e alguns funerais. A ABI costuma ser o último reduto que os jornalistas buscam em momentos de apuro. Deveria ser sempre, e não só nessas horas, o primeiro.