14/09/2006
A consciência do exercício digno da profissão
José Reinaldo Marques
15/09/2006
Ex-colunista política do Globo e atual editora regional de Jornalismo do SBT em Brasília, Helena Chagas diz que não é “de olhar para trás, nem de guardar ressentimentos”. Está feliz na nova função, garante, e fala aqui do atual cenário político brasileiro, das tentativas de manipulação da imprensa e do pai, o jornalista Carlos Chagas.
Não pretendia falar sobre o caso da conta bancária do caseiro Francenildo Costa, que derrubou o então Ministro da Fazenda Antônio Palocci, mas acabou dando detalhes do episódio, em que afirma já estar mais que claro que agiu o tempo todo profissionalmente. Como responsável pela sucursal do diário, correu atrás de uma informação: “Tentei ajudar os repórteres que estavam fazendo a matéria e a enviei para a sede do jornal.”
Na ocasião, Helena foi procurada por Palocci, que queria saber se O Globo estava apurando o caso: “Disse a ele que sim. Não ia mentir, nem a ele nem a ninguém. E ponto final.” Segundo ela, cada um deve assumir suas responsabilidades. A dela é ser jornalista, com a consciência tranqüila de que o foi “em cada minuto desse episódio”.
ABI Online — A mídia muitas vezes é alvo de tentativas de manipulação. Como você avalia este fato?
Helena Chagas — A mídia é sempre alvo de tentativas de manipulação dos mais diversos setores da sociedade. Assim como a própria mídia, que faz parte dessa sociedade, em algumas ocasiões é acusada de tentar manipular a opinião pública. Faz parte do jogo. É bom nunca esquecer que estamos de lados diferentes do balcão, nosso objetivo como jornalistas é obter a informação correta e transmiti-la à sociedade da forma mais correta e isenta, independentemente dos interesses de A, B ou C. É óbvio que isso é o ideal e que nem sempre se consegue. Mas o importante é ter sempre isso em mente.
ABI Online — Qual é a relação ideal que um jornalista deve manter com suas fontes para não prejudicar sua credibilidade?
Helena — De distanciamento, sejam elas autoridades políticas ou não. Jornalista não é amigo de fonte e vice-versa, pelo simples fato de que os interesses dos dois são diferentes: o jornalista quer a notícia, a fonte quer que determinado fato aconteça ou não, quer influenciar os rumos de algum processo, ou mesmo “aparecer bem na foto”. Para nós, isso não é o importante.
Em cada conversa com uma fonte, temos que nos perguntar qual é o interesse da pessoa que nos está passando a informação — e, claro, checar a informação. O fato de haver sempre um interesse não nos impede de dar a matéria — se ela for relevante e verdadeira, tem que ser dada — e de ter uma relação de confiança com a fonte. Mas, como já disse, relação de confiança não é amizade, nem tampouco cumplicidade.
ABI Online — Como essa relação de confiança se estabelece?
Helena — É preciso agir corretamente. Se o jornalista se comprometeu com a fonte a não revelá-la, deve cumprir o compromisso. Por sua vez, o principal compromisso da fonte, é falar a verdade. Fonte que mente deixa de ser fonte.
ABI Online — Muitos jornalistas acham que a credibilidade dos meios de comunicação está vulnerável. Você concorda?
Helena — Acho que vivemos um momento em que a credibilidade de muitas instituições anda abalada: a dos políticos, sobretudo a do Congresso Nacional, a da Justiça, a dos cartolas do futebol… É natural que os meios de comunicação também sofram com esse processo. O sistema político se exauriu, e isso abala todas as instituições a ele ligadas. Por outro lado, vejo também que a imprensa não está assim tão mal na escala de credibilidade de nossas instituições: quase todas as pesquisas mostram que ela ainda é uma das mais respeitadas.
ABI Online — É possível que o crime organizado no Brasil esteja usando a imprensa, como tem feito o terrorismo internacional?
Helena — Acho que o crime organizado está para lá de organizado em nosso País, muito mais do que amplos setores da polícia. Tentar usar a mídia é só uma faceta dessas organizações — que estão organizadíssimas também na área judicial. Só um bom trabalho de inteligência poderá coibir e desmantelar isso.
ABI Online — Como deve ser encarado o caso do seqüestro do repórter e do cinegrafista da TV Globo paulista?
Helena — Um absurdo tanto quanto o seqüestro de qualquer cidadão, um sinal trágico dos dias que estamos vivendo nas grandes cidades. Grave é a insegurança geral que atinge a todos.
ABI Online — Como as empresas jornalísticas podem proteger seus funcionários?
Helena — Elas são parte da sociedade, assim como seus funcionários são cidadãos como quaisquer outros. Todos devem se proteger de todas as maneiras possíveis.
ABI Online — Que prejuízos políticos a onda de violência acarretará para o Governo de São Paulo?
Helena — O Estado falhou na promoção da Justiça e na proteção que deve ao cidadão. E isso inclui as esferas federal, estadual e municipal do poder público. Todos têm culpa no cartório, ainda que constitucionalmente a segurança seja uma atribuição do governo estadual. Esse jogo de empurra, a capitalização política desse tipo de tragédia, tende apenas a desgastar mais ainda os políticos. Fica difícil alguém ganhar com isso. Uns perdem menos, outros mais. Mas todos perdem.
ABI Online — A propaganda eleitoral na TV está com um tom mais moderado do que o anunciado pelos partidos com candidatos à Presidência. Você acha que vai ser assim até o final?
Helena — Acho que não. É inevitável que, à medida que se aproximam as eleições, os programas se tornem um pouco mais agressivos. Há formas e formas de se fazer isso, e o que se espera é que ninguém resvale para a baixaria e para os golpes abaixo da linha da cintura. Mas o desespero às vezes leva candidatos e marqueteiros a passar do ponto.
ABI Online — Qual será o fator decisivo nesta eleição presidencial?
Helena — Não dá para dizer ainda com certeza. Existem dois vetores disputando. A economia parece preponderante até o momento: a melhora nas condições de vida da população de baixa renda com o fim da inflação, a queda de alguns preços, o aumento do salário mínimo e do crédito e do poder aquisitivo e os programas sociais. Mas há também outro fator: o do discurso da ética, das denúncias de corrupção, da perda da bandeira que o PT sempre empunhou, argumentando ser diferente dos outros partidos. Até agora ele pesou, sobretudo, para as classes médias e parte das elites, mas não parece estar influenciando tanto assim os outros extratos da população, aqueles que passaram a viver melhor.
ABI Online — Qual é o diferencial nas eleições para o Legislativo e os governos estaduais?
Helena — Acho que aí pode haver um movimento maior de repúdio ao status quo, sobretudo depois do escândalo dos sanguessugas, o que mais envolveu parlamentares em corrupção na história do Congresso, cuja imagem anda muito ruim. Isso sinaliza uma renovação maior — o que não quer dizer, absolutamente, que vá haver uma melhora qualitativa no Legislativo. É possível renovar e piorar, sobretudo num sistema eleitoral exaurido como o nosso.
Quanto aos governos estaduais, acredito que prevalecerá o mesmo pragmatismo que parece estar regendo a eleição presidencial. Os governadores cujas administrações têm bons índices de aprovação estão liderando as pesquisas e podem se reeleger já no primeiro turno.
ABI Online — Num programa do Observatório da Imprensa, na TVE, você criticou a um tipo de jornalismo que chamou de “fiteiro”. O que vem a ser isso?
Helena — Não me lembro de ter chamado algum jornalismo de “fiteiro”.
ABI Online — Você se referiu a fitas com denúncias que chegam às mãos dos repórteres, dizendo que “fita não é matéria, é o ponto de partida para apuração de uma matéria”.
Helena — Sem dúvida, há jornalismos e jornalismos, e exemplos de mau jornalismo em todos os lugares. Quando determinadas instituições entram em crise, ou quando o radicalismo político exacerba os ânimos dentro de uma sociedade, temos exageros, erros e precipitações em todos os lados.
ABI Online — Do ponto de vista profissional, como você avalia sua transferência para o SBT?
Helena — Como uma bela oportunidade de aprender coisas novas. Até agora, passei a maior parte da minha vida profissional na imprensa. Gosto muito, mas acho que o futuro aponta para um profissional multimídia, habilitado a lidar com a informação em jornal, TV, internet, rádio… Busco essa versatilidade.
ABI Online — Que tipo de jornalismo você pretende desenvolver no canal?
Helena — Pretendo me integrar e dar alguma colaboração ao bom trabalho que já vem sendo feito por profissionais como o Luiz Gonzaga Mineiro (diretor de Jornalismo do SBT), a Ana Paula Padrão e o Carlos Nascimento.
ABI Online — Você acha que vai sentir falta do colunismo?
Helena — Já estou sentindo. Afinal, passei muitos anos escrevendo. Mas, dentro dessa visão de profissional multimídia, quem disse que eu parei de escrever? Estou apenas descansando temporariamente, enquanto me acostumo à rotina da TV. Daqui a pouco volto às letrinhas, nas páginas ou na internet.
ABI Online — Seu contrato com o SBT prevê comentários políticos?
Helena — Minha função é ser editora regional em Brasília, mas há espaço para fazer outras coisas quando arrumar um tempinho.
ABI Online — A emissora está montando algum programa especial para as eleições?
Helena — O SBT realizou a primeira série de entrevistas com os candidatos, todos na mesma semana, com a Ana Paula Padrão e fará debates e entrevistas com os candidatos a governador. Vai trabalhar também em conjunto com a Transparência Brasil para chamar atenção para a importância das eleições legislativas e, sobretudo, esclarecer o eleitor a respeito de denúncias de corrupção e o envolvimento de políticos.
ABI Online — O dito “há males que vêm para o bem” pode ser aplicado aqui?
Helena — Não acho que a crise tenha sido boa. Era preferível que não tivesse acontecido. Mas de tudo fica sempre uma lição. Ela mostrou que, embora nossas instituições e nosso sistema político estejam exauridos, nossa democracia é robusta. Passamos por escândalos, denúncias, cassações, e a economia do País não se abalou, como ocorria antigamente. Estamos em campanha eleitoral e vamos votar livremente em outubro.
ABI Online — Será que o País atingiu um grau de amadurecimento que não permite retrocessos?
Helena — Começa a se formar um consenso na sociedade quanto à necessidade de uma reforma política. Enfim, apesar de tudo, aos trancos e barrancos, estamos caminhando para frente. Para quem cresceu sob as sombras de uma ditadura militar, isso é importante.
ABI Online — Poucos parlamentares citados em CPIs foram punidos. Qual será o reflexo disso nas eleições?
Helena — Espero que seja o maior possível. Ou seja: se o Congresso e a Justiça não punem, o eleitor pode punir não votando nessas pessoas.
ABI Online — Correspondentes estrangeiros acham difícil explicar a política brasileira. Por quê?
Helena — Qualquer política vista de fora pode ser difícil de ser explicada.
ABI Online — Eles dizem também que nossos jornais se aprofundam muito em detalhes que fogem do ponto central da notícia. O que você acha?
Helena — Não vejo muito isso não. Acho que os jornais de um modo geral, não só os brasileiros, precisam urgentemente encontrar um caminho novo para fazer frente à expansão de novos meios, como a internet e a TV a cabo, para conquistar um leitor que já nasceu sabendo mexer com computador e acostumou-se a ler as notícias de graça na web. É preciso atrair esse novo leitor com um conteúdo diferente.
ABI Online — Seu pai, Carlos Chagas, é um dos jornalistas mais respeitados do País. Que influência ele teve na sua escolha profissional?
Helena — Acho que foi indireta, nunca ficou dizendo que eu fosse isso ou aquilo. Mas o fato de crescer numa casa onde se lê muito, onde se tem acesso a muita informação e a pessoas que lidam com ela, inegavelmente, foi uma influência. Na infância, ia às redações em que meu pai trabalhava e ficava batucando nas máquinas de escrever — ih, acho que agora traí minha idade…
ABI Online — Qual foi a principal lição que seu pai lhe deu sobre o exercício da profissão?
Helena — Ser leal à notícia e ao leitor acima de tudo.