Entrevista com a jornalista Beth Almeida


22/09/2009


A jornalista Beth Almeida foi assessora especial de Antonio Olinto e de sua mulher Zora Seljan ao longo de quase três décadas. Atualmente é editora do Jornal das Letras e Vice-presidente do Instituto Cultural Antonio Olinto (ICAO), que abriga todo o acervo do casal, que inclui milhares de livros, centenas de esculturas, máscaras, tecidos, fotos, documentos e demais objetos representativos da arte africana. 

O relacionamento profissional deu origem a uma grande amizade que, segundo a jornalista, impulsionará a sua luta pela preservação da memória e do legado de Olinto e Zora.
Em entrevista exclusiva ao ABI Online, Beth conta detalhes sobre a convivência com os dois escritores que marcaram de forma relevante a história cultural do Brasil. 

ABI Online — Em que circunstâncias você conheceu Antonio Olinto?
Beth Almeida — Meus pais conheciam Mirko Seljan, irmão de Zora, e sua esposa, Silvania Gante Seljan, que nós carinhosamente chamamos de Dodô. Eles administravam o escritório que Antonio Olinto tinha aqui no Rio, a Sel Editora Ltda. Como Antonio Olinto passava quase o ano todo em Londres, editando o jornal The Brazilian Gazette e só vinha ao Brasil duas vezes por ano, eu ficava com Mirko e a Dodô trabalhando em seu escritório. Quando Zora e Antonio Olinto estavam no Brasil, eu ia para a residência do casal, na Rua Duvivier, em Copacabana, para ajudá-los nas várias empreitadas culturais e literárias nas quais sempre estiveram envolvidos.
E assim ficamos até 1993, quando Zora foi acometida de osteoporose e eles, por causa da sua doença, resolveram retornar definitivamente para o Rio. Zora ficou longo tempo sendo tratada no Hospital Sara Kubitscheck, em Brasília, pelo Dr. Campos da Paz, ao mesmo tempo em que lá estavam Maria da Conceição Tavares e Paulo Francis.

ABI Online — Durante quanto tempo vocês trabalharam juntos?
Beth Almeida — Exatamente 26 anos, sete meses e 24 dias, quando Olinto nos deixou, em 12 de setembro. Comecei a trabalhar para o casal em 18 de janeiro de 1983. A partir da vinda deles para o Rio, começamos a trabalhar de verdade. Era um ensinamento diário. Antonio Olinto tinha o hábito de fazer umas listinhas, com mais ou menos vinte itens, que, ao final do dia, tinham de estar todos feitos. Eram telefonemas, cartas, lembretes, artigos, enfim uma infinidade de tarefas que tinha de cumprir todos os dias. As eventuais pendências ficavam para o dia seguinte, e, assim, começávamos tudo de novo, fazendo e retornando ligações telefônicas, respondendo às cartas que recebíamos, além de planejar o The Brazilian Gazette, feito, nesse momento, já aqui no Rio. Zora, mesmo com osteoporose, fazia a diagramação do jornal e se orgulhava disso. Ficava em seu quarto incomunicável, só dele saindo para almoçar. Almoçávamos os três e durante o almoço conversávamos sobre as notícias principais, os anúncios, enfim o destaque do número.

Arnaldo Niskier, Alain Touraine e Antonio Olinto

ABI Online — Quando você começou a atuar no Jornal das Letras?
Beth Almeida — Comecei a assessorá-lo nesta publicação a partir do número 0. Começou devagar, fomos ajustando, e, após um tempo, o professor Arnaldo Niskier, Diretor-responsável, me concedeu uma página. Já estamos fazendo o número 134. O próximo será uma homenagem ao nosso Menino-Poeta, Antonio Olinto.

ABI Online — Que outras atividades profissionais você desenvolveu ao lado de Antonio Olinto?
Beth Almeida — Além daquelas relacionadas ao The Brazilian Gazette, Antonio Olinto estava sempre criando, escrevendo artigos para o Daily Post, Jornal do Commércio, Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa e Jornal de Letras. Como ele escrevia em uma máquina Remmington, eu passava os textos para a formatação dos jornais. Passei pela máquina elétrica e Zora fez questão que eu aprendesse “computador”, como ela dizia. Eu recebia em primeira mão os textos, digitava e os enviava por fax e e-mail às redações. Além disso, recebíamos muitas ligações, tanto do exterior como do Brasil. Jorge Amado, por exemplo, ligava com freqüência. Eles ficavam horas ao telefone.

ABI Online — Quais eram os projetos mais importantes?
Beth Almeida — Atualmente, Antonio Olinto dedicava mais tempo ao Jornal de Letras. Ele tinha um carinho especial por este veículo. Costumava dizer que o Jornal de Letras manifestava o anseio literário e a história da Literatura Brasileira. Ele participou do primeiro Jornal de Letras, administrado pelos irmãos Condé. Quando o acadêmico Arnaldo Niskier, a quem ele chamava de irmão, o convidou para dar prosseguimento ao JL, Olinto ficou muito feliz. Ele tinha um amor especial pela educação e pela cultura, dizia que era o professor mais antigo em atividade. Quando seminarista, dava aulas para os alunos mais jovens, e tinha que colocar um banquinho para chegar ao púlpito.

ABI Online — E a paixão pelas bibliotecas?

Antonio Olinto e Heloisa Massad

Beth Almeida — Com as bibliotecas que ele realizou um sonho. Quando Arthur da Távola assumiu a Secretaria das Culturas — foi ele quem mudou a denominação de Cultura para das Culturas, pois acreditava que são muitas as formas de cultura — convidou Antonio Olinto para a Direção-Geral de Documentação e Informação Cultural, que consistia em coordenar as Bibliotecas Populares, o Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro e o Museu da Cidade. Apesar das sucessivas mudanças políticas, Antonio Olinto conseguiu inaugurar cinco bibliotecas em áreas carentes, e ficava feliz quando íamos visitá-las. Nos oito anos em que permaneceu à frente da hoje Coordenadoria de Documentação e Informação Cultural, Olinto conheceu todas as bibliotecas, desde a suntuosa Biblioteca Municipal Popular de Botafogo — Machado de Assis, até a Biblioteca Municipal Popular de Jardim Sulacap — Lúcia Benedetti, batizada por Antonio Olinto com o nome de uma grande amiga do casal. Graças ao empenho da Associação de Moradores do Jardim Sulacap, tendo à frente Heloisa Massad, é um local onde são depositadas esperanças de aprendizado para os jovens e adultos da região. Heloísa faz um excelente trabalho na Biblioteca e no Galpão Comunitário.

ABI Online — Quais são as perspectivas para a continuidade do Instituto Cultural Antonio Olinto(ICAO)?
Beth Almeida — Antonio Olinto confiou a mim a Vice-Presidência do Instituto. Desta forma, vamos dar impulso ao ICAO e, através dele, fazer com que o sonho de Antonio Olinto se torne realidade. Ele queria que os jovens tivessem oportunidade para conhecer suas origens, suas histórias, pudessem visitar sua Biblioteca, folhear seus livros, ver suas esculturas. O ICAO tem por finalidade desenvolver atividades destinadas ao apoio à pesquisa, ao ensino e ao desenvolvimento cultural, visando à melhoria da educação e da cultura do povo.

ABI Online — Que outras iniciativas podem viabilizar a preservação da memória do escritor e de sua mulher, Zora?
Beth Almeida — Já está em curso um projeto do Complexo Cultural 22 de maio — Ubá-MG, no sentido de abrigar o Memorial Acadêmico Antonio Olinto. Ubá, sendo sua terra natal, não poderia deixar de homenageá-lo. Em 2008, com a nossa presença, foi assinada pela Prefeitura de Ubá a doação de um terreno para a edificação do Complexo, onde estarão localizados o Memorial Ary Barroso, o espaço Cultural Pianista André Carrara, o Teatro Mauro Mendonça, a Academia Ubaense de Letras e o Instituto Cultural Antonio Olinto.

Beth Almeida, Raul Lody e Antonio Olinto

ABI Online — Qual foi o grande legado de Olinto para a cultura nacional?
Beth Almeida — Seus livros, seus artigos, suas conferências, que representam a memória da cultura nacional. Durante seus 90 anos de vigor e entusiasmo pela vida e pela cultura, Antonio Olinto não parou um só dia de escrever. E nas numerosas viagens que fazíamos, ele fazia questão de levar na bagagem a velha máquina de escrever, além de livros para ler. Só parou ao ser hospitalizado e, mesmo assim, eu lia para ele, informava as notícias, e ele, durante algum tempo, acenava com a cabeça e apertava a minha mão.

ABI Online — O que os admiradores da obra e da trajetória de Antonio Olinto podem aguardar para o futuro?
Beth Almeida — Se depender de mim, farei todo o esforço para que a memória desse grande escritor jamais seja esquecida pelos brasileiros, africanos. O seu legado é de extrema importância para a educação, para a cultura nacional. Antonio Olinto foi um homem do mundo, querido por todos que tiveram a oportunidade de com ele conviver. Eu não poderia agir ou pensar de outra forma, afinal, ele me ensinou verdadeiras lições de vida, de cidadania, de fé, de esperança e de amor ao próximo. Seu lema era servir. Ao conviver por tantos anos com Zora e Olinto, me tornei certamente uma pessoa mais antenada com o mundo, muito mais bem informada e, sobretudo, uma admiradora, fã incondicional da vida e da obra desse genial casal de escritores. E como ele dizia: temos que continuar, continuar, continuar…