“Encontro da Ciência teve defesa de tubarão e apatia da imprensa”


Por Pinheiro Júnior*

31/07/2013


65a Reunião Anual da SBPC (Foto: Katherine Coutinho/G1 PE)

65a Reunião Anual da SBPC (Foto: Katherine Coutinho/G1 PE)

A 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), de 21 a 26 de julho último, “não mexeu muito com a mídia escrita; movimentou porém fortes emoções extrapoladas em manchetes inesperadas”. A avaliação em off com pitadas de decepção e sarcasmo é de um repórter da tv pernambucana. Ele e outros tele-jornalistas dispunham de sala especial instalada para câmeras e apresentadores no segundo andar do edifício da biblioteca da UFPE. Onde havia pelo menos mais duas salas repletas de computadores destinados à “imprensa propriamente dita”. Esta, no entanto, pouco se fez presente. Não havia nenhuma surpresa grande quanto a isso, já que um “debate de metalingüística” realizado na própria Reunião da SBPC reconheceria que “o jornalismo tradicional não acompanha o progresso da ciência” no dizer do editor paulista Luís Nacif presente à mesa- redonda.

O impulso da tragédia

Mas houve um momento impulsionado pela tragédia em que a mídia em peso olhou para esse encontro nacional de cientistas e pretendentes à prática científica. Foi o interesse provocado pela morte da jovem paulista de 18 anos Bruna Gobbi, atacada por “tubarão cabeça-chata ou tigre”, segundo pesquisadores das muitas espécies que freqüentam o mar da Boa Viagem, em Recife. A freqüência dos animais tão junto às praias ocorre com maior intensidade e constância desde que aterraram o mangue-berço dos tubarões para a construção do megaporto de Suape, a meio caminho entre Recife e o paradisíaco Porto de Galinhas.

Era o início da tarde de 22 de julho, segundo dia de Reunião da SBPC. Então a tragédia se manifestou pegando a praia da Boa Viagem plena de banhistas na altura do Castelinho – ponto nobre e mais ou menos central da praia de 7 km. Dois dias depois, em meio a manifestações de rua pedindo mais providências oficiais e com a moça recém-sepultada no cemitério de Olinda, o pesquisador Fábio Hazin, Vice-Presidente do Comitê de Pesca da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (Fao/Onu), fazia sua programada conferência na Reunião da SBPC. Ele improvisava a defesa não especificamente do tubarão da Boa Viagem, mas dos tubarões de Pernambuco.

Ressoando imprensa e TV pernambucanas, a mídia nacional faltou pouco para pedir a caça geral aos tubarões. Quem sabe o extermínio da espécie assassina. O Ministério Público de Pernambuco, entre apaziguador e utópico, pedia – e lhe era negada – a interdição das praias, de Olinda a Jaboatão dos Guararapes. Citando exemplo da Austrália, outros setores “ecologicamente mais conscientes” exigiam “redes nas águas habitadas pelos monstros” para mantê-los à distância da linha das ondas.   Na conferência durante a Reunião da SBPC, o pesquisador Hazin fez, porém, uma “evocação realmente ecológica”. Lembrou as irrevogáveis picadas de cobra e abelha. Que se defendem / atacam quando têm o habitat violado.

“O mar é a casa dos tubarões – pontificou Hazin.” “A praia é a casa dos humanos. Quando entramos no mar invadimos a casa deles.”

 Alertas para o perigo

Bruna foi a 24ª morte desde 1992. Quatro dos mortos eram surfistas. O total entre mortos e mutilados soma 59. Tudo isso não obstante os muitos alertas sempre renovados em placas brancas com letras vermelhas com os dizeres: Perigo – Área sujeita a ataque de tubarão – Risk of shark atack.

Na Reunião da SBPC ou no calçadão da Boa Viagem não faltou quem atribuísse também às centenas de espigões de 40 e mais andares, sem infra-estrutura adequada, à luminosidade em excesso à beira-mar, ao despejo orgânico produzido por navios e à chamada engorda de areia na foz do Rio Jaboatão e praias adjacentes, fatores cruciais de excitação e ferocidade dos tubarões. A isso acrescia a paralisação há sete meses das expedições-pesquisa com o barco Sinuelo. “Por falta de combustível”. Ante o que se prenunciava “virar clamor público”, o Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit) anunciou uma cruzada para se somar às pesquisas com o Sinuelo. E melhor desvendar a vida dos tubarões locais e prevenir incidências indesejáveis nas costas. A cruzada prevê o emprego de sete bonecos infláveis importados para salvatagem (equipamentos e medidas de resgate). Os bonecos serão equipados com chips nos braços para testar ataques e identificar tipos e gravidade de mordidas e espécies mais perigosas. A experiência seria realizada em 30 km da costa, entre as praias de Maria Farinha (Paulista) e Paiva (Cabo de Santo Agostinho).

No Marco Zero da cidade de Recife – atração irresistível para visitantes – um turista materializou a revolta coletiva ante a dor da família Gobbi. Indicando à distância os espigões das Torres Gêmeas situadas no Cais de Santa Rita, bairro de Santo Antônio, ele amaldiçoou a símile pernambucana do destruído World Trade Center de Nova York. Os prédios locais apontam para o céu de Recife na mesma linha à beira-mar em que o artista plástico Francisco Brennand ergueu sua já famosa escultura fálica. Foram essas torres, “meio patéticas, algo provincianas” segundo recifenses, o alvo da exclamação: Ridículas!

Cobertura da pauta ciência

Com toda celeuma propiciatória e pronunciamento em defesa da inovação feito pelo Ministro Marco Antônio Raupp, da Ciência e Tecnologia, a atenção despertada especificamente pela Reunião da SBPC foi, ainda assim, limitada a jornais locais e de pequeno ou nenhum interesse nacional, exceção de honra ao “Jornal do Commercio” de Pernambuco (JC). E ao seu editor de cidades Ricardo Novelino, que participou do debate sobre a pauta ciência. O órgão quase centenário (fundado em 1919) divide com o superveterano Diário de Pernambuco (o mais antigo jornal brasileiro em circulação) as preferências regionais, cobrindo assuntos por vezes competitivos. E até conflitantes. Foi o JC que se deu a honra de manter página inteira diária de informações e reportagens sobre a reunião na UFPE seguindo sua linha quotidiana no caderno de cidades.

Durante a Reunião da SBPC um detalhe na programação parece ter tocado exatamente na apatia midiática com relação ao progresso da ciência no Brasil. A proposta aceita para debate foi da revista “Imprensa” e teve como tema “A cobertura jornalística da pauta ciência”. Sob coordenação do jornalista Sinval Itacarambi Leão, a conferência foi realizada na segunda-feira, dia 22. Luís Nacif, Paloma Oliveto e Ricardo Novelino foram os comunicadores que atacaram o dilema ciência versus interesse público, sempre uma dor de cabeça para as Redações tradicionais. A mais otimista/pessimista das previsões dos comunicadores pontuou a internet privilegiada pelo “espaço infinito”. Privilégio que desespera jornalistas dependentes das finitas páginas impressas de jornais e revistas. Por isso a ciência ganha na web importância cada vez maior para ser divulgada e progredir.

Esta foi a terceira vez, desde a fundação da SBPC, que Recife foi escolhido para acolher pesquisadores brasileiros com a presença numerosa de destacados colegas estrangeiros. A cientista Helena Bonciani Nader, Presidente da SBPC e conhecida pesquisadora da área Bioquímica, disse que gostou muito da reunião, satisfação que a levou a destacar em números a importância das atividades (266), das conferências (82), das mesas-redondas (87), das intervenções orais (60), dos encontros (16), das sessões especiais (9), dos simpósios paralelos (6), das assembléias (6) e das inscrições de representantes de todo o País. Os inscritos beiraram os 23 mil, um recorde desde o nascimento da SBPC, em 1948.

Apresentação de trabalhos

Na base desse interesse que cresce a cada novo ano situaram-se as apresentações de pôsteres que aglomeraram no Centro de Convenções (Cecom) da UFPE nada menos 4.745 trabalhos de pesquisas científicas, experiências, práticas de ensino-aprendizagem e relatos de acontecimentos ou experiências realizadas ou ainda em curso em instituições de ensino superior.

Das ciências exatas e da Terra às artes, letras e lingüística, passando por engenharias, biologias, saúde, agrociências, sociologias aplicadas e pesquisas humanas, tudo parece estar sendo escarafunchado nos mais distantes locais do País em busca de resultados e progressos científicos.

Durante cinco dias a arena do Cecom fervilhou de estudantes e professores, das idades mais jovens às mais experientes, explicando com variados graus de entusiasmo – “ao vivo” – diante de seus pôsteres as conquistas científicas e pedagógicas. Foram sessões classificadas por um professor como “freqüentemente babélicas” por exigir uma programação diária “revesável” aproximada de 950 cartazes. Tudo mais ou menos estandardizado ou padronizado pela SBPC para poder ser exibido e compreendido em razoável espaço do Cecom.

A professora Nader aproveitou a freqüência de notícias na tv, internet e jornais para endereçar um alerta ao Congresso Nacional, cujos deputados e senadores devem estar conscientes para a necessidade de “agilizar a instituição do novo marco regulatório das atividades de pesquisa e desenvolvimento no País”: “A Ciência no Brasil está perdendo tempo precioso!” enfatizou ela.

A próxima Reunião Anual da SBPC – de número 66 – foi marcada para 22 de julho de 2014 em Rio Branco, Acre.

Retrato do estado da ciência?        

Choveu quase todos os dias em momentos variados no litoral de Pernambuco durante a 65ª Reunião. Dizer que isso não atrapalhou o acontecimento é subestimar a opinião de participantes de áreas do Nordeste longamente à mercê de secas catastróficas. Irritado e possuído de justa inveja, comentou um desses participantes anônimos que o estado do campus da UFPE era “também catastrófico, mas às avessas do sertão nordestino”. E poderia “bem retratar o estado da ciência e do ensino idem no Brasil”.

O campus estava em parte alagado. Para se chegar a muitos prédios, até de bela arquitetura funcional e pedagogicamente bem instalados, era preciso sujar os sapatos. Ou vencer viçoso mato, por exemplo, que cerca o acesso à moradia estudantil à margem da BR-101, na Várzea – bairro de precário saneamento na Zona Oeste do Recife onde estão instaladas duas dezenas de blocos da UFPE.

A realidade ambiental muitas vezes imprevista remeteu participantes da reunião a um dos pôsteres de Psicologia afixados na manhã de quinta-feira, dia 25, na arena do Cecom. De autoria da professora Dalva Moraes Pinheiro, coordenado pelo técnico administrativo Liorno Werneck, com a participação heterogênea de funcionários, alunos bolsistas da Universidade Federal Fluminense (UFF) e assistidos pelo Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da Prefeitura Municipal, a apresentação enfatizava cuidados com espaços públicos. E exibia experiência de jardinagem, manejos e cuidados com o solo envolvendo portadores de transtornos mentais no Campus Universitário do Gragoatá, UFF, Niterói. É uma extensão universitária duas vezes laureada, em 15 anos de existência, com o Prêmio Josué de Castro. Foi exibida no pôster com o título “Treinamento de habilidades e sensibilização para espaços públicos”.  Nome do programa: “Vida no Campus”.

“Ciência para o Novo Brasil”

O reitor da UFPE, professor Anísio Brasileiro de Freitas Dourado, em um de seus pronunciamentos destacou que “a ciência pode ser uma aliada poderosa nas transformações sociais”. Ele estava atento às possíveis ressonâncias das reivindicações que haviam mobilizado as ruas em todo o País – Pernambuco inclusive – nos meses de junho e julho. Manifestações que chegaram a interessados olhos e ouvidos durante a reunião da SBPC quando professores do Recife levaram em passeata seus protestos contra descontos realizados nos parcos salários da categoria municipal: “Sem professores fundamentais bem formados e bem pagos o futuro da ciência pode ficar comprometido”, argumentava um anônimo mestre-escola recifense.

O tema da 65ª Reunião foi “Ciência para o Novo Brasil”. Helena Nader disse na apresentação impressa do evento que “embora o País seja responsável por 2,7% da produção científica anual, ficando em 13º lugar em um ranking baseado em artigos científicos de revistas indexadas, ocupa apenas o 58º lugar em inovação entre 141 países”, de acordo com a Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Estaria nessa escalada internacional, aliás, o grande desafio para envolver adequadamente o Brasil na Economia do Conhecimento.

Não por acaso a SBPC destacou a participação de alunos do programa federal Ciência Sem Fronteiras nas atividades da Reunião, que promoveu um contato de congraçamento entre os bolsistas internacionais e pesquisadores convidados dos EUA, Europa e Austrália.

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*José Alves Pinheiro Júnior é jornalista e Conselheiro da ABI.