Editoria em que até o boy é gordo


19/06/2008


 Randolpho Souza

Devido ao grande destaque alcançado pelo jornalismo econômico, até mesmo entre jornalistas há quem classifique esse segmento da mídia como um espaço privilegiado de trabalho. Para Randolpho Souza, porém, a idéia de poder dada à editoria é falsa, apesar de ela estar ligada diretamente com os poderes econômico e financeiro:
— Infelizmente, na maioria dos casos, a importância do jornalista especializado na área tem muito mais a ver com o órgão que representa, razão pela qual são reduzidas as premiações (como o Esso ou Embatel de Jornalismo) envolvendo questões de dinheiro, do tipo: “Por que os grandes bancos registram lucros astronômicos?” Ou: “Por que uma grande montadora coloca à disposição do consumidor modelos de carros ultrapassados?” Ou ainda: “Por que se acaba com monopólio estatal de telefonia e se facilita, com recursos oficiais, a criação do monopólio privado deste setor?”

Para o chefe de Reportagem do Monitor Mercantil, essa distinção é evidente tanto na atividade com o setor público como no privado:
— A exacerbação de poder não é restrita ao jornalismo econômico. Acontece nas editorias de Esporte, Turismo, Cultura e Polícia. Daí surgiu a conhecida “carteirada”, mais comum em segmentos de entretenimento. Nosso companheiro Maurício Azêdo (atual Presidente da ABI), quando trabalhava no Estado de S.Paulo, brincava que, na Economia, até o contínuo era gordo.

Cida Dantas, do Estadão, não considera privilegiada a cobertura econômica. Mas afirma que é inegável que ela tem atraído cada vez mais profissionais, especialmente devido à exposição que lhes proporciona:
— Esse “privilégio”, porém, tem seu preço: os jornalistas que atuam na área estão sendo cada vez mais exigidos, em termos de preparo e especialização.

Para Cristina Alves, do Globo, trabalhar como jornalista é um privilégio no sentido de ser um profissional sempre bem informado e que mantém contato com pessoas dos mais diferentes perfis, do banqueiro bilionário ao trabalhador escravo:
— É um choque de realidade permanente e precisamos ter a consciência de que o que importa é colher boas histórias, ter o ser humano em perspectiva. Mesmo por trás de uma megafusão de empresas, há pessoas e casos saborosos para serem contados além dos números, das cifras. Acho que o privilégio é basicamente esse. Fora isso, é muito trabalho, uma exigência permanente de formação e atualização profissional, estresse para dar e vender.

Contextualização 

Na verdade, há uma categoria de jornalistas que vem acumulando prestígio na cobertura de economia, nos grandes veículos de comunicação: a dos colunistas e comentaristas. Sintonizados com uma cobiçada rede de fontes, que os alimenta com notícias quentes e privilegiadas, normalmente eles têm livre trânsito nos bastidores das grandes empresas, em importantes grupos industriais e nos setores mais estratégicos das várias instâncias do Governo.

Mesmo com os veículos apresentando matérias muito bem-feitas pelas equipes de reportagem, sem o comentarista o noticiário econômico não se contextualiza e a opinião do analista é sempre aguardada pelo público, para destrinchar a alta e a queda das taxas de juros, inflação e deflação, o melhor ou pior momento para investimentos de curto e longo prazo, ou falar do Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), que afeta diretamente o bolso do consumidor. 

 Lurdete Ertel

Lurdete Ertel, responsável pelo “Informe econômico” do Zero Hora, diz que a velocidade com a qual o jornalismo se propaga atualmente faz com que as notícias “circulem em volume cada vez mais caudaloso, mas cada vez menos contextualizadas”:
— A internet institucionalizou que se deve abrir mão da profundidade em nome da rapidez em todas as áreas do jornalismo. Assim, a análise se torna uma necessidade imperiosa. Nem sempre o leitor tem todos os elementos — de conhecimento e de informação — para decifrar o que há por trás ou o que vem pela frente de certos fatos noticiados. Na área econômica, a análise é ainda mais nuclear, porque o tema é áspero, técnico, hermético. A análise é uma forma de fazer o leitor entender a economia e descobrir como ela repercute em sua vida, o que pela simples notícia às vezes não ocorre.

Sobre os riscos de as parcerias dos veículos de comunicação com empresas comerciais comprometerem o trabalho de um colunista econômico, ela diz:
— Quando a mídia usa a cobertura pra favorecer qualquer tipo de parceiro — anunciante e sócio, entre outros —, sempre é ruim. Para o jornalista/colunista e, principalmente, para leitor. Para não cair nessas armadilhas, o colunista deve ter espírito crítico. E, sobretudo, isenção e independência.