Edições ao gosto do consumidor


19/06/2008


                         Ascânio Seleme

                                          Cristina Alves

O jornalismo econômico está consolidado em todos os segmentos da mídia brasileira, inclusive na internet:
— Ele tem melhorado cada vez mais. O lançamento do Valor, os cadernos dos concorrentes Folha e Estadão, os sites especializados… Não falta artilharia nessa briga. Hoje, a concorrência nos obriga a ficar cada vez mais atentos. E isso é ótimo — afirma Cristina Alves, editora de Economia do Globo.

Há 20 anos na área, Cristina profissionalizou-se no Jornal do Commercio, onde começou como estagiária. Atualmente, trabalha no Rio com uma equipe de 19 pessoas, entre as quais 11 repórteres e três editores-assistentes que atuam basicamente em quatro times: Negócios e Infra-estrutura; Finanças; Micro e Macroeconomia; e Defesa do Consumidor.

Poder contar ainda com equipes em outros estados e no exterior é fundamental, diz ela:
— Hoje o jornal pode se dar ao luxo de ter correspondentes em vários países. Temos o Gilberto Scofield Jr. na China, a Florência Costa na Índia, a Vivian Oswald na Rússia… E há repórteres trabalhando para O Globo em pontos mais tradicionais, como Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra e Argentina, muitos com excelente conhecimento de economia, propondo pautas do dia-a-dia e reportagens especiais para a edição de domingo.

Editores e redatores também fazem matérias:
— Todo mundo trabalha coordenado. Há na equipe uma mistura de faixas etárias e experiências que ajuda o oxigenar o trabalho. A especialização não é exigida, mas muitos já têm pós-graduação, ou mestrado, ou cursos de extensão em Economia e áreas afins.

Boas histórias

No caderno “Economia e negócios”, do Estado de S.Paulo, trabalham 25 profissionais, chefiados por Cida Damasco. Com 35 anos de profissão e dois como editora-chefe, ela diz que sua equipe se divide basicamente em dois grandes grupos. Um cobre macroeconomia, finanças, comércio exterior, infra-estrutura e economia internacional; o outro cuida, entre outros assuntos, de seções fixas que abordam responsabilidade social, mídia e publicidade, agronegócios, carreiras e tecnologia:
— Nosso objetivo é concentrar o foco nos grandes negócios em andamento, mas também contar boas histórias e destacar personagens desse novo momento da economia brasileira.

A partir dos anos 50, com as reformas ocorridas nos grandes jornais, principalmente no Rio, houve um grande salto de qualidade no jornalismo impresso do País, em textos e imagens. Mesmo assim, ainda há leitores que reclamam da paginação das notícias, principalmente nos cadernos de Economia:
— Jornais fechados cada mais em esquema industrial, com muitas alterações de configuração por causa de publicidade, reforçam esses problemas — diz Cida. — E na Economia, onde há muita informação interligada, esses problemas costumam ser mais visíveis. Especialmente em momentos como o atual, em que há dados aparentemente conflitantes sobre a situação econômica em geral: indicadores ainda positivos da economia real (produção, vendas, emprego etc.) e negativos sobre os mercados financeiros. Só uma edição cuidadosa ajuda o leitor a entender as razões desse descompasso.

               &bbsp;                      Cida Damasco

Para tornar a leitura mais agradável, o “Economia e Negócios” recorre a infográficos, tabelas, resumos e análises de especialistas:
— É preciso conciliar o atendimento ao cidadão consumidor e ao empresário executivo. Pesquisas mostram que o caderno tem presença forte entre leitores típicos de jornais especializados. Certamente não considero o produto consolidado. A idéia é mantê-lo em constante transformação, assim como ocorre com a própria economia.

Recentemente, o espaço dedicado a negócios aumentou e a página 2 ganhou uma seção de notas fixas. Segundo Cida, o noticiário sobre defesa do consumidor e finanças pessoais também está com um perfil diferente, mais adaptado à conjuntura atual:
— Os chamados jornalões dedicam um espaço razoável à cobertura econômica, cada um com suas peculiaridades. Mas há sempre o que melhorar, tanto em termos de abrangência de cobertura como de sintonia com os interesses diretos dos leitores.

Desafios

Como acontece em quaisquer das outras editorias muitos são os desafios encontrados pelos repórteres que cobrem o setor de economia e finanças, em busca de uma boa reportagem. A repórter do Globo Ramona Ordoñes atesta:
— Costumo dizer que meu trabalho consiste em matar um leão por dia, porque, em geral, tudo o que eu quero saber as pessoas ou empresas não querem falar. Os releases, também geralmente, servem apenas como material complementar de alguma apuração, ou como sugestão para alguma idéia de pauta. A maioria, infelizmente, é lixo. São anúncios e propaganda das empresas que não servem para nada.

Ramona está há 23 anos na editoria de Economia do Globo, onde começou fazendo Geral. Atualmente, cobre o setor de Infra-estrutura (energia e petróleo) e diz que se engana quem pensa que ela “tira de letra” boas reportagens no dia-a-dia:
— A notícia mais importante não costuma ser divulgada e, apesar de eu ter um razoável número de fontes no setor, é uma batalha diária conseguir uma informação interessante e segura. Um exemplo é o caso do roubo de equipamentos da Petrobras. A empresa não se pronunciava oficialmente sobre o assunto, e mesmo as fontes tinham medo de falar em off. Foi uma cobertura muito difícil.

                                       Ramona Ordoñes

Segundo Ramona, o repórter da sua área depende muito de fontes especiais:
— A Petrobras, por exemplo, libera vários releases diários sobre as inúmeras atividades que desenvolve, do tipo “a empresa assinou acordo de cooperação”. Mas se, por exemplo, estiver passando por um momento crítico e difícil de negociações com a Bolívia sobre importação do gás natural, a resposta dirigida ao repórter é: “A Petrobras não vai falar sobre o assunto.”

As assessorias de imprensa, diz ela, têm contribuído para facilitar a ação dos repórteres:
— Não se pode negar que, ao longo dos anos, elas foram crescendo, contratando profissionais excelentes, melhorando muito o relacionamento com a imprensa. Sempre achei fundamental que os jornalistas das assessorias tenham passado pela redação de qualquer veículo, para ter noção de como é o nosso trabalho. Isso facilita a comunicação.

Ramona só não concorda com a terceirização desse serviço, porque acha que o profissional que assume esse papel, por mais eficiente que seja, não tem acesso a informações de bastidor:
— É por isso que eu sinto um pouco a falta daquele assessor do estilo antigo, que era próximo ao Presidente da empresa, sabia muitas coisas e poderia se tornar uma fonte importante com o tempo, com o conhecimento. Nas modernas assessorias não é possível, pois elas só têm acesso à informação oficial.

 Samantha Lima

Diferencial

A repórter Samantha Lima, que cobre Negócios para revista Exame, no Rio, tem a mesma opinião sobre o assunto:
— Para fazer uma matéria diferenciada, é vital contar com fontes. E não é em qualquer empresa que temos executivos dispostos a gastar tempo nos abastecendo com notícias. Nem sempre interessa às assessoria nos fornecer as informações que buscamos. As grandes empresas têm um agravante, porque muitas vezes a informação pode mexer com os mercados, com um ou outro setor econômico. Acho que é uma dificuldade que se repete, de forma diferente, claro, em outras editorias. 

 Samantha está na Exame há um ano e meio, depois de passar pelo JB, por assessoria de imprensa e pela Globo, onde ficou cinco anos:
— Na TV, o ritmo e o nível de exigência são bem diferentes. Na revista, temos mais tempo para apurar, embora às vezes ele pareça insuficiente. As apurações são muito mais completas e detalhadas.

De acordo com a repórter, o grande desafio da Exame, uma publicação quinzenal, é manter seu noticiário sempre interessante e diferenciado, mesmo quando fala de assuntos já noticiados pelos jornais:
— Para isso, a ajuda das fontes é fundamental. Para cultivá-las, é preciso tempo, para que elas possam conhecê-lo, confiar em você e, assim, abastecê-lo com informações diferenciadas. Tudo isso demanda um enorme investimento em termos de tempo e de relacionamento. Felizmente, a Editora Abril tem uma estrutura que nos permite criar essa rede, como uma certa folga financeira para convidar uma fonte para almoçar e bater um papo, por exemplo.