Crônica esportiva perde o seu ícone


29/03/2010


Um ícone da crônica esportiva, assim Armando Nogueira era reverenciado pelos colegas que o consideravam um dos maiores nomes do jornalismo esportivo brasileiro de todos os tempos. O jornalista morreu nesta segunda-feira, 29 de março, aos 83 anos de idade, em decorrência de um câncer no cérebro, diagnosticado em 2007.

O corpo do jornalista está sendo velado na Tribuna de Honra do estádio do Maracanã. O enterro será na terça-feira, às 12h, no cemitério São João Batista, em Botafogo, na zona sul do Rio. O Governador Sérgio Cabral e o Prefeito Eduardo Paes declararam luto oficial de três dias no estado e na cidade do Rio de Janeiro, respectivamente. O mesmo fez o Botafogo, clube do coração do jornalista. 

Nascido em Xapuri, no Acre, Armando Nogueira chegou ao Rio de Janeiro em setembro de 1944, quando tinha 17 anos de idade. Formou-se em Direito e em 1950 conseguiu o seu primeiro emprego como jornalista na editoria de Esportes do antigo Diário Carioca, fazendo a cobertura das equipes que vieram ao Brasil naquele ano disputar a Copa do Mundo. No mesmo jornal, além de repórter foi redator e colunista.

Desse período em diante Armando Nogueira construiu uma das mais brilhantes carreiras do jornalismo nacional. Foi redator-chefe da revista Manchete e chegou também a exercer a função de fotojornalista em O Cruzeiro. No final dos anos 50, ingressou no Jornal do Brasil, onde de 1961 a 1973 assinou a coluna diária “Na grande área”; e compartilhava a companhia de importantes figuras do jornalismo esportivo, como João Saldanha, Sandro Moreira e Oldemário Touguinhó.

Mas não foi somente na imprensa que Armando Nogueira contribuiu com o seu talento. Em 1959, ele iniciou sua bem-sucedida trajetória no telejornalismo na antiga TV Rio. No canal 13, Armando Nogueira foi um dos integrantes do programa “Mesa-redonda Facit”, que produziu um do melhores debates esportivos da televisão brasileira. O programa era dirigido por Augusto Melo Pinto, e além de Armando, contava com participações especiais de Nelson Rodrigues, João Saldanha, José Maria Scassa e Luiz Mendes.

Em 1966, Armando Nogueira foi convidado para trabalhar na Rede Globo de Televisão, onde foi diretor da Central Globo de Jornalismo até 1990. Criou dois dos telejornais de maior audiência da emissora, como o “Jornal Nacional” e o “Globo Repórter” e foi o responsável pelo toque de qualidade do Departamento de Esportes.

Na Rede Globo, durante a campanha presidencial de 1989, teve que enfrentar um constrangimento que o levou a se afastar da emissora. O problema surgiu por causa de uma edição do debate entre os então candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, cuja edição supostamente favoreceu a este último. “Eu fiquei muito decepcionado, mas não com meus superiores e sim com os meus subordinados, que se portaram de maneira muito equivocada na adulteração do debate. Isso contribuiu, definitivamente, para eu sair da emissora”, afirmou Nogueira na entrevista que deu ao ABI Online, publicada depois no Jornal da ABI. 

Depois que deixou a Rede Globo, Armando Nogueira trabalhou também na TV Bandeirantes, no canal Sport TV e na rádio CBN.

Sina

Em fevereiro de 2007, quando completou 80 anos, na entrevista que deu aos veículos da ABI, Armando Nogueira disse que apesar dos sintomas da doença não pensava em parar de escrever os seus textos, porque redigi-los era a sua sina e sobrevivência: “Preciso escrever por necessidade profissional e existencial”, declarou.

Nesta entrevista, o cronista falou do deslumbramento que teve ao desembarcar no Rio de Janeiro, sobre a sua adoração por aviões, de Nelson Rodrigues, da paixão pelo futebol e pelo Botafogo, e relembrou os tempos de repórter no Diário Carioca, onde trabalhou ao lado de Oto Lara Resende, Pompeu de Souza e Fernando Sabino. Contou também os motivos que o levaram a deixar a Direção de Jornalismo da TV Globo.

Para um jovem nascido no interior do Acre — que nunca tinha visto mar, rua asfaltada, bonde e só conhecera até aquele momento um carro na sua vida — a chegada ao Rio de Janeiro, depois de desembarcar de um vôo da extinta Cruzeiro do Sul, nas palavras de Armando Nogueira foi “mais que um deslumbramento, foi um choque emocional”.

Segundo o cronista, a primeira sensação que teve foi de que estava respirando um ar “que pertencia a outro não a mim”. O seu primeiro contato com o Rio de Janeiro provocou nele um sentimento de que estaria “usurpando um meio físico de um carioca”. Demorou um tempo para se livrar da sensação de desconforto e insegurança provocada pelo choque da cidade grande.

Pilotar aviões era o hobby predileto de Armando Nogueira, um desejo que ele acalentava desde os cinco anos de idade, quando ainda era um menino em Xapuri e sonhava que estava voando nas asas “de um regador de jardim”. A realização se deu no Rio de Janeiro, nos vôos de ultraleve que duraram até quando já era um octogenário e enquanto a saúde permitiu. Mas tudo começou nas aulas iniciadas no aeroclube Rio Branco.

Testemunha

Na época em que trabalhou no Diário Carioca, o jornal contava com figuras de proa do jornalismo brasileiro, como Prudente de Moraes, neto (Presidente da ABI, no período de 1975-1977), Carlos Castello Branco, Pompeu de Souza, Sábato Magaldi e Jota Efegê. Nessa época, Oto Lara Resende era repórter político, e Fernando Sabino fazia crônicas e também mantinha uma coluna.

O jovem aos poucos foi conquistando a confiança dessa turma. Como era muito comunicativo e chamava a atenção pela sua espontaneidade lhe colocaram o apelido de Armando Doidinho. “Eu era muito safo e elétrico e eles achavam que eu tinha uma espontaneidade que atribuíam à magnitude da floresta acreana”. Costumava sair à noite com Rubem Braga, que era quem se encarregava de apresentá-lo aos amigos da boemia: “Este aqui é o Armando Nogueira, recém-chegado do Acre, onde vivia da caça, da pesca e da coleta de frutos naturais, como um bom nativo”.

Nos seus primeiros anos como repórter no Rio de Janeiro, Armando Nogueira deu um furo de reportagem com o episódio do atentado contra Carlos Lacerda, na noite de 5 de agosto de 1954. Eles eram vizinhos em Copacabana e Nogueira estava entrando em casa quando presenciou a cena.

Tomou logo a iniciativa de entrar no bar da esquina e ligar para a Redação para relatar o que acabara de presenciar. Pediu a Pompeu de Souza para atrasar o fechamento da edição, porque tinha presenciado o atentado, mas ainda precisava apurar alguns dados antes de retornar ao jornal.

A partir de uma idéia magistral de Pompeu de Souza, Armando Nogueira se transformou em testemunha do caso. Pompeu sugeriu que o texto fosse redigido na primeira pessoa e com isso transformou Armando no único repórter com acesso a todo o andamento do processo.

Repercussão

A morte de Armando Nogueira se abateu como um grande pesar no ambiente esportivo e no meio jornalístico de maneira geral. Como repórter e cronista esportivo, participou de todas as coberturas de Copas do Mundo desde 1954 (Suíça), tendo também participado dos Jogos Olímpicos a partir de 1980 (Moscou), e deixa uma lacuna que na opinião de especialistas dificilmente será preenchida.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o Vice-presidente executivo das Organizações Globo, João Roberto Marinho, falou sobre os anos em que conviveu com Armando Nogueira: “Foram 24 anos de uma colaboração estreita primeiro com meu pai, Roberto Marinho e, depois, também comigo e meus irmãos, Roberto Irineu e José Roberto. Foi um período muito rico, em que Armando atuou ativamente para que o jornalismo televisivo ganhasse rigor e, por isso, relevância. Dele, guardamos a imagem do profissional atento, mas também do amigo esperituoso, uma conversa sempre inteligente e cativante. Deixa saudades e um legado extremamente positivo, reconhecido por todos.”

Falando também para a Folha, o ator e diretor de cinema e TV Daniel Filho também se pronunciou sobre a morte de Armando Nogueira, afirmando que este tinha sido seu grande conselheiro: “Foi uma honra ter o Armando como um conselheiro meu. Realmente nos últimos 30 anos, não teve um passo que eu desse na minha vida profissional e pessoal sem a consulta do Armando. Ele deixa esse buraco na nossa vida, que é o de conselheiro”.

Juca Kfouri acha que esta semana os jornais farão um noticiáro especial sobre “as façanhas” de Armando Nogueira: “Resumidamente, é claro, porque daria para fazer uma edição inteira só com elas. Mas nunca mais você terá o privilégio de poder abrir um jornal e ler que ’Ademir da Guia tem nome, sobrenome e futebol de craque’. Ou que ’Deus castiga quem o craque fustiga’.Ou que se ’Pelé não tivesse nascido gente teria nascido bola’.Nunca mais.”

Armando Nogueira escreveu dez livros, todos sobre esporte: “Drama e glória dos bicampeões” (em parceria com Araújo Neto); “Na grande área”; “Bola na rede”; “O Homem e a bola”; “Bola de cristal”; “O vôo das gazelas”; “A Copa que ninguém viu e a que não queremos lembrar” (em parceria com Jô Soares e Roberto Muylaert), “O canto dos meus amores”; “A ahama que não se apaga”. O mais recente é “A ginga e o jogo”.