Crescem as ameaças a parlamentares trans


17/05/2021


Crescem as ameaças a parlamentares trans
Que medo você tem de nós” (Pesadelo”, P.C.Pinheiro e Maurício Tapajós)

Por Moêma Coelho


No país que mais mata transexuais no mundo, a eleição para as Câmaras de Vereadores em 2020 representou um sopro de esperança para todos que defendem o direito de cada um viver de acordo com o gênero com que se identifica. Foram eleitos 30 transexuais, sendo 29 mulheres e um homem, sendo que em duas capitais (Belo Horizonte e Aracaju) foram as mais votadas entre todos os candidatos.

Entretanto, isso atiçou o ódio de grupos de direita, que passaram a ameaçar a vida das parlamentares trans. O caso mais recente foi o da vereadora de Niterói (PSOL-RJ), Benny Briolly, que semana passada anunciou ter saído do Brasil face às constantes ameaças à sua vida. Em comunicado em suas redes sociais, ela conta que os ataques começaram há cinco meses, logo no início de seu mandato, e em uma das ameaças, Benny recebeu um e-mail citando seu endereço, exigindo que renunciasse ao cargo. Caso contrário, iriam até sua casa para matá-la. Um dos agressores desejou que “a metralhadora do Ronnie Lessa” a atingisse (referência ao ex-PM acusado de matar a vereadora Marielle Franco).

Antes disso, em março Benny acusou um outro integrante da Câmara de Niterói por ataques a ela. “Hoje fui agredida com transfobia, racismo e quase fisicamente pelo vereador fascista Douglas Gomes (PTC), que foi segurado pelos meus companheiros de bancada para que não me encostasse. Foi horrível e doloroso!”, disse.

Antes dela, outras cinco parlamentares trans foram ameaçadas, sendo que três são de São Paulo, uma de Belo Horizonte e outra de Aracaju. O primeiro caso reportado foi logo após às eleições, quando a vereadora eleita Linda Brasil (PSOL-SE), registrou queixa de transfobia contra cinco pessoas por dispararem mensagens de ódio contra ela nas redes sociais, logo que foram divulgados os resultados das eleições municipais de 2020.

“Logo depois da minha eleição, fui atacada com várias mensagens e áudios deslegitimando a minha identidade. Teve até uns pastores, candidatos que perderam, dizendo que não sou mulher, que sou uma mentira, inflamando o povo contra mim, dizendo que a minha eleição era inaceitável”, disse em entrevista ao site TPM a vereadora de Belo Horizonte, Duda Salibert (PDT-MG), que também recebeu e-mails com ameaças de morte. “Após essas ameaças de morte, eu tive reunião com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e com representantes da ONU para tentar garantir a minha segurança física”.

Na cidade de São Paulo, três parlamentares do PSOL foram atacadas durante a Semana de Visibilidade Trans. Erika Hilton, a mulher mais votada nas eleições de 2020 em São Paulo, foi a primeira a ser ameaçada. Seu gabinete foi invadido em 26 de janeiro por um homem que afirmava ser responsável por ataques virtuais feitos à vereadora.

“Eu estava em uma reunião on-line, no período da tarde, quando um moço chegou e tentou entrar. Ele portava símbolos religiosos, estava agitado e transpirava muito. A Patrícia, que é a minha chefe de gabinete, estava comigo e saiu pra ver o que estava acontecendo. Meu motorista, Carlos, estava ali também e foi muito importante para ajudar na contenção. Eu fiquei dentro do gabinete, escondida. Depois de um bom tempo, esse moço desistiu de entrar e só deixou uma carta. Dizia que era o Garçom Reaça que me atacava nas redes sociais e que queria se desculpar. Mas a gente sabe que era mentira. Até porque depois ele voltou outras vezes à Câmara, inclusive com cartazes reproduzindo o discurso fundamentalista de vereadores bolsonaristas”, contou Erika em entrevista ao TPM.

Os outros dois atos foram mais graves e configuraram atentado contra a vida. Em 27 de janeiro, dois artefatos explosivos foram disparados contra a casa de Carol Iara, co-vereadora da chapa coletiva Bancada Feminista, que estava em casa com a mãe e o irmão no momento do ataque. Já na madrugada de 31 de janeiro, um motoqueiro fez um disparo de arma de fogo em frente a casa da co-vereadora Samara Sosthenes, integrante do Quilombo Periférico, chapa coletiva eleita nas últimas eleições.

Após os casos de violência, a Mesa Diretora da Câmara dos Vereadores de São Paulo decidiu reforçar a segurança das parlamentares. Porém, Samara e Iara não teriam esse direito, já que são covereadoras e não possuem o nome registrado oficialmente no legislativo.

Para a pesquisadora do Instituto Marielle Franco, Fabiana Pinto, tal ação configura uma outra forma de violência: a institucional, já que reforça as vulnerabilidades e a impossibilidade das mulheres, trans, negras e periféricas exercerem o direito de fazer política.

No ano passado, pelo menos 175 pessoas foram mortas no Brasil em razão da transfobia, o que representa um aumento de 41% em relação a 2019 e que coloca o país na liderança do ranking mundial deste tipo de crime. Os dados são da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). O número tende a ser ainda maior se considerada a subnotificação dos casos e a falta de dados oficiais.

O detalhamento dos dados do dossiê expõe também o racismo estrutural e a violência de gênero no Brasil. De acordo com a ANTRA, 100% das mortes reportadas são de travestis e mulheres trans, ou seja, que expressam o gênero feminino, e pelo menos 78% foram identificadas como pessoas negras. A vítima mais jovem registrada tinha apenas 15 anos – marco que foi quebrado já na primeira semana de 2021, quando uma adolescente trans de apenas 13 anos foi espancada até a morte no Ceará.

Segundo o dossiê da ANTRA, 77% dos crimes que levaram a mortes de pessoas trans no ano passado foram executados com algum traço de crueldade.

“Estamos falando de algo que choca o mundo todo. De acordo com o nosso levantamento, no ano passado o Brasil ficou mais uma vez no topo do ranking mundial de assassinatos de pessoas trans, pelo 13º ano consecutivo. Essa alcunha de país que mais mata pessoas trans no planeta precisa acabar”, afirma Keila Simpson, representante da ANTRA, em matéria publicada pela ONU Brasil.