Contribuição à causa da informação democrática


29/01/2007


Rosa Leal*

Até os mais ácidos críticos de Hugo Chávez não podem negar que sua eleição e sua reeleição ocorreram dentro dos marcos legais do Estado venezuelano. Que Chávez conta com enorme respaldo popular, expresso nos 63% dos votos que recebeu nas urnas. Que faz parte das funções do Presidente, democrática e legitimamente eleito, decidir sobre a renovação ou não de concessões públicas, dentre elas os canais de televisão. Portanto, Hugo Chávez tem o direito de não renovar a concessão da RCTV se julgar que a emissora não cumpriu com o que deveria ser a sua finalidade como um bem público — atender aos interesses da sociedade.

A RCTV é uma das mais antigas televisões da Venezuela e é a segunda em audiência. Desde 1999, quando Chávez foi eleito pela primeira vez, o canal de televisão tem se dedicado a uma campanha sistemática contra o Presidente. Participou do fracassado golpe de abril de 2001 e aderiu entusiasticamente à greve da PDVSA de 2002, na realidade um locaute patrocinado pelos chefes de alto escalão e que paralisou a Venezuela durante vários meses. Em todo o período da greve, a RCTV, como as demais emissoras privadas, suspendeu a programação normal para levar ao ar uma campanha contra o governo Chávez. Nosso colega Luiz Carlos Azenha transcreve em seu site Vi o Mundo, um destes anúncios, que reproduzo aqui:

“Não seja enganado. Neste país, nosso país, só há uma pessoa responsável por tanto abuso, impunidade, anarquia e desgoverno. Venezuela, não se deixe enganar. O único responsável pela violação da Constituição… por financiar os círculos de terror criados em seu governo fantasma… por doar nosso petróleo… pela tomada de nossa Marinha Mercante por mercenários… pela tortura da PDVSA… por politizar nossas Forças Armadas… por desrespeitar nossas instituições… pela paralisia da Nação… pela divisão da Venezuela… pelo ódio entre irmãos. Venezuelanos, não se deixem enganar. Neste país, em nosso país, só há uma pessoa responsável por tanto horror… por tanta tristeza… por tanto terror… por tanta violência… por tanta intransigência… por tanta insensibilidade. Você, que já foi julgado em cinco eleições em dois anos, por que tem medo de ser julgado novamente? Aqui, há apenas um responsável. [Vozes em coro] Nenhum passo atrás! Sai, cai fora agora!”.

Apesar de ter abandonado qualquer intenção de produzir um jornalismo sério — durante mais de dois meses nenhuma voz favorável ao governo Chávez foi ouvida na RCTV — a emissora não sofreu qualquer tipo de censura. Em nome da “liberdade de imprensa”, violou continuamente a Lei de Responsabilidade Social do Rádio e Televisão, vigente na Venezuela. E o fez de maneira tão despudorada porque na Venezuela, assim como no Brasil, os concessionários dos meios de comunicação se esquecem de que são apenas isso — concessionários. De um serviço público, de um bem comum, e sujeitos às regras de todo contrato. Só que, ao contrário da regra que imperava até então, desta vez o Presidente decidiu colocar em prática as prerrogativas asseguradas pelo contrato.

Os adversários de Chávez na Venezuela e em todo o mundo mais uma vez apelam para o argumento furado de que a decisão de não renovar a concessão atenta contra a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão. Entidades representativas dos proprietários de jornais e de jornalistas lançam manifestos de protesto, como forma de pressionar o Presidente venezuelano a voltar atrás.
A decisão de Chávez contribui, e muito, para a causa da democratização da comunicação em todo o continente, inclusive o Brasil. A esmagadora maioria da população é informada, hoje, via televisão. E é muito mal informada, porque o modelo “democrático” que aqui se pratica é o da exclusão, da discriminação, do boicote até. Os brasileiros, como os venezuelanos, conhecem muito bem esse outro lado da moeda. Basta lembrar as recentes eleições presidenciais para constatar como a mídia, e em especial a televisão, se comportou em defesa aberta e descarada de uma candidatura.

A não-renovação da concessão da RCTV não implica o fim da emissora, como o noticiário quer fazer acreditar. A empresa manterá todas as suas instalações e continuará a funcionar como TV a cabo. E aos que apontam a importância da diversidade de opiniões para a democracia, vale lembrar que uma das possibilidades cogitadas por Chávez é a de que uma entidade autônoma administrada por associações civis venha a assumir a concessão. Se isso de fato se concretizar, pela primeira vez os sem-voz terão um lugar de real visibilidade. 

*Rosa Leal é jornalista há 29 anos, assessora de imprensa do Sindicato 
dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro e mestre em Comunicação
 e Cultura pela ECO/ UFRJ, com a dissertação “Atraso e modernidade no Brasil
globalizado — uma análise do discurso da mídia na privatização das telecomunicações”