Brasil perde Brigadeiro Rui Moreira Lima


Por Cláudia Souza*

19/08/2013


Rui Moreira Lima, de volta ao Brasil, sendo condecorado na presença de Getúlio Vargas ( Foto: Álbum da Família)

 Rui Moreira Lima, de volta ao Brasil, sendo condecorado na presença de Getúlio Vargas ( Foto: Álbum de Família)

O Brigadeiro do ar Rui Moreira Lima, de 94 anos, veterano da 2ª Guerra Mundial e fundador da Associação Democrática e Nacionalista dos Militares (Adnam), morreu na madrugada desta terça-feira, dia 13, no Hospital Central da Aeronáutica, onde estava internado há 47 dias na unidade de terapia intensiva (UTI) por causa de um acidente vascular cerebral. Ele teve uma parada cardíaca às 4h30.

O corpo do militar foi velado à tarde no Instituto Histórico da Aeronáutica, e o enterro foi realizado às 16h, no Cemitério São João Batista.

Em nota, a Força Aérea Brasileira (FAB) destacou que o brigadeiro do ar participou de 94 missões. Segundo a corporação,  Rui Moreira Lima, é um herói de guerra e autor do livro Senta a Pua!, no qual conta as memórias dos combates no teatro de operações na Itália. Posteriormente, o livro ganhou uma versão em documentário, com o mesmo nome.

Perseguido

Nascido em 12 de junho de 1919, em Colinas, no Maranhão, o brigadeiro foi piloto de combate na 2ª Guerra Mundial, em missões na Itália em 1944, quando era tenente da Aeronáutica.

O oficial ingressou na FAB aos 20 anos de idade e atuou também no Correio Aéreo Nacional, o que considerou um aprendizado para a guerra. “No Brasil, aprendemos a voar em situações bastante adversas. Quando chegamos na guerra, os americanos ficaram impressionados conosco”.

A primeira missão ocorreu em 6 de novembro daquele ano, quando teve que desviar de tiros da artilharia alemã pilotando sempre um P-47 do Brasil.

Rui Moreira Lima integrou o Grupo de Caça que tinha como lema “Senta a Pua!” e relembrava com tristeza a morte de outros colegas na guerra.  “Em cada missão, eram mais de duas horas e meia no combate ao inimigo. Foi bastante difícil para todos”, relatou ele sobre a experiência, segundo a FAB.

O embarque ocorreu quando a mulher do oficial estava grávida e, ao retornar ao Brasil após a última missão, que foi realizada em 1º de maio de 1945, foi direto conhecer a filha.

De volta ao Brasil, chegou a ser comandante da Base Aérea de Santa Cruz, no Rio, mas foi perseguido pelos militares a partir de 1964, por ter se negado a apoiar o golpe militar.

Foi preso três vezes. Na última, seu filho, Pedro Luiz Moreira, foi detido como forma de chegar a ele. Pedro prestou depoimento nesta segunda-feira. 12, para a Comissão Nacional da Verdade e para a Comissão Estadual da Verdade do Rio, sobre a perseguição ao pai e que se estendeu a toda a família.

O Brigadeiro deu depoimento à CNV em outubro de 2012, e sua história motivou a criação do grupo de trabalho dedicado a militares perseguidos.

Em 4 de maio último, a Comissão Nacional da Verdade ouviu os relatos de 16 militares perseguidos pela ditadura em audiência pública realizada na ABI.

A solenidade foi aberta com uma homenagem ao Brigadeiro Rui Moreira Lima, que, aos 93 anos, se recuperava de um AVC, e, portanto, não pôde comparecer.

A cerimônia teve início com a exibição de um vídeo narrado pelo Brigadeiro no qual ele recita a carta que recebeu de seu pai, o juiz Bento Moreira Lima, assim que ingressou na academia militar em Realengo. “O soldado não conspira contra as instituições as quais jurou fidelidade”, diz um trecho.

Em 30 de abril de 2011, a ABI sediou a 49ª edição da Caravana da Anistia, quando foram julgados sete processos de ex-presos e perseguidos políticos que lutaram pela democracia no Brasil e contra o regime militar (1964-1985). Na solenidade o Brigadeiro Rui Moreira Lima foi homenageado.

O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo assinou e entregou nas mãos do Brigadeiro o pedido oficial de desculpas do Estado. Trajando o uniforme da Força Aérea, e acompanhado da esposa Júlia Moreira Lima, o Brigadeiro foi efusivamente aplaudido pela platéia que lotou o Auditório da ABI. Durante décadas, Rui Moreira Lima lutou pela sua anistia.

Ele é o autor dos livros “Senta a Pua!” no qual descreveu os combates e operações na Itália, e  “Diário de Guerra”(2008), no qual narrou todas as missões de sua carreira.

Leia abaixo o depoimento do Brigadeiro Rui Moreira Lima publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 25 de agosto de 2012, na série “Brasil em Armas – 2ª Guerra Mundial – 70 anos”

“Eu estava em Natal fazendo a revisão de um P-40 (avião) quando abriu o voluntariado para o 1.º Grupo de Aviação de Caça. Dei meu nome. No dia seguinte, quando voltei para minha base em Salvador, meu comandante me disse: “Você fez besteira, rapaz. Vai para um lugar onde os caras já estão treinados. Vai ser como tiro ao pombo”. E eu respondi: “Mas eu não estou pensando nisso, eu estou pensando nos navios que foram afundados”. Em poucos dias, os alemães mataram centenas no litoral do Nordeste. Fomos treinados no Panamá e, depois, nos Estados Unidos. Só então embarcamos para a Itália.

No primeiro mês de combate, perdemos quatro pilotos. Fiz meu primeiro voo em 6 de novembro de 1944. Quando voltei da missão, fui entrevistado pela BBC. Foi quando chegou a confirmação da morte do Cordeiro (John Richardson Cordeiro e Silva), o primeiro piloto que morreu. Ele foi atacar Bolonha, a estação de estrada de ferro, que era muito protegida. Pegou um tiro. Eu vinha voando e ouvindo a conversa dele com o americano: ‘Meu avião foi atingido e tá pegando fogo. Tô perdendo altura e potência. Estou com rumo sul”. Ele estava a 17 km de Bolonha quando o avião bateu em um morro e explodiu. Ele morreu.

Minha mulher não gosta que eu fale, mas eu fiquei muito mal quando atirei pela primeira vez. As primeiras pessoas que eu destruí, a vida delas me custou muito caro. Os colegas me diziam: “Pô, tá medrando, fica chorando, vomitando aí”. Porque me causou um mal-estar muito grande quando eu puxei o gatilho e atirei nos caras. Eles estavam correndo, saindo de um jipe para entrar numa casa na campanha e eu atirei neles. Daí em diante, comecei a pensar: ‘Se eu não atirasse, esses estariam atirando e matando os meus’. Essa é crueza da guerra.

No dia 2 de maio de 1945, me apresentei para outra missão e, na sala de operações, de repente o alto-falante anunciou: ‘Attention, attention, please. The war is over, the war is over’. Aí foi aquele silêncio maravilhoso e, em seguida, uma gritaria enorme. Abracei até quem não conhecia. O pessoal chorando, emocionado. Confesso que achei muito bonito. Dois momentos bonitos: o dia em que terminou a guerra e o dia em que pousei no Campo dos Afonsos (Rio) e encontrei minha mulher e minha filha. Ela tinha sete meses e eu não a conhecia. Deixei minha mulher grávida e só fui conhecer a menina depois da guerra.”

*Com informações da Agência Brasil, G1, Ministério da Justiça, Estado de S. Paulo.