Artigo: “Jornalismo e a cidadania perdem um combatente”


Por Por Mário Augusto Jakobskind* e Alcyr Cavalcanti**

04/11/2013


“O jornalismo e a cidadania brasileira perderam um autentico combatente, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Maurício Azêdo, falecido na sexta-feira 25 de outubro, exatamente 38 anos depois do assassinato de Vladimir Herzog pela máquina repressiva da ditadura civil-militar que assolou o país a partir de abril de 64.

Azêdo se foi, mas fica o seu legado de sempre, o de combater o bom combate. Em 1962 foi um dos líderes da greve dos jornalistas que reivindicavam salários dignos, negados pelo patronato, apesar dos lucros exorbitantes. Eram outros tempos, mas nem por isso deixava de se posicionar, sempre por uma causa justa.

Em plena ditadura, em 1968, uma das mais violentas ações do gênero, que se repetem nos dias atuais sob o comando do Governador Sérgio Cabral, a PM invadiu a antiga Faculdade de Medicina, na Praia Vermelha, e fez mais de 500 prisões de estudantes de vários cursos que realizavam uma plenária, colocando todos os presos dentro do então campo do Botafogo, na Rua General Severiano. Essa violência gerou a maior passeata daquela época. Maurício Azedo, rubro-negro apaixonado, foi o autor, no extinto Jornal dos Shorts, da seguinte manchete sobre a passeata que respondia à violência policial: “100 mil vão às ruas pelo Botafogo”. A única manchete política em toda a história do Jornal dos Sports.

Preso e torturado pela ditadura, o jornalista seguiu em sua luta na defesa dos valores democráticos e socialistas, fundamentais para um Brasil mais justo e sem autoritarismos de qualquer espécie. Eleito vereador pelo PDT, Maurício Azêdo continuou servindo de exemplo não se dobrando a pressões e enfrentando o poder das oligarquias quando presidiu a Câmara dos Vereadores.

Na Associação Brasileira de Imprensa, desde sempre se alinhava com jornalistas, como Barbosa Lima Sobrinho, entre outros, que combatiam a ditadura e todo o tipo de censura imposta pelos detentores eventuais do poder. Eleito presidente da entidade em 2004, Maurício sempre abriu as portas da ABI para os setores que se mobilizam na defesa de um Brasil mais justo, mais igualitário. Os auditórios do 7o. e 9o. andar consolidaram-se como os espaços mais democráticos da cidade do Rio de Janeiro.

Sob a direção de Maurício Azedo, a ABI defendeu galhardamente a liberdade de imprensa e de expressão, bem como se engajou ao lado dos movimentos da sociedade brasileira defensoras da democratização dos meios de comunicação e da defesa incondicional dos Direitos Humanos, que tem sido frequentemente desrespeitados em nome de uma pretensa segurança.

Na entrada de nosso prédio  encontrava-se uma grande faixa com os dizeres “Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura”. O recado foi retirado numa recente madrugada, sem terem sido identificados seus autores. Poucos dias antes também tinha sido retirada uma faixa informativa sobre a presidência, a direção e os conselheiros eleitos em abril de 2013. Ficou também a dúvida sobre os autores do ato desesperado e digno de uma época de exceção, incompatível em nossos dias..

Nos últimos meses de vida, Maurício Azêdo passou a enfrentar uma oposição sectária de grupos inconformados com o fato de a ABI estar na vanguarda da luta por uma mídia realmente democrática e ampliada para os setores sociais que não têm vez e voz na mídia tradicional, além da defesa das manifestações populares legitimas que tem ocorrido em todo o Brasil.  Associados vinculados a setores midiáticos tradicionais, sob alegações das mais variadas questionaram até mesmo a eleição legítima realizada no último mês de abril e que deu a vitória à chapa Prudente de Morais encabeçada por Maurício Azêdo.

Com a saúde debilitada, Maurício nas últimas semanas vivia sob permanente estado de tensão, o que agravou o problema cardíaco que acabou levando-o a um desenlace fatal.. Os defensores de valores opostos ao que Maurício Azêdo representava chegaram até ingressar na justiça com alegações, sem o mínimo fundamento, colocando em dúvida uma a eleição feita dentro das regras da entidade através de seu Estatuto..

Na segunda-feira (21 de outubro), portanto quatro dias antes da morte do jornalista, uma audiência na Justiça, que dava seguimento ao processo aberto contra o jornalista, teve de ser adiada para o próximo dia 18 de novembro, porque Azêdo não pôde comparecer em função dos problemas de saúde. O processo, acreditamos deve ser extinto, mas deixou suas consequências, sequelas de extrema gravidade, em sua saúde debilitada.

Os corvos fazendo reviver políticos de um passado que esperamos esteja definitivamente sepultado, estão na tentativa  de tomar de assalto uma entidade que caminha para 105 anos de uma existência de lutas para transformá-la em um leito passivo e afastado da defesa dos valores que Maurício Azêdo sempre defendeu..

Nós todos, companheiros e camaradas de Mauricio temos a obrigação de defender e manter o seu legado, respeitando sua última vontade, qual uma carta-testamento em que ele manifestou o desejo de reunir as forças verdadeiramente democráticas na defesa contra os grupos que desejam destruir as conquistas arduamente obtidas através de muito sangue, e muitas lágrimas  para a construção de um Brasil melhor, de um mundo melhor, mais justo e mais igualitário.

Finalizamos com um trecho de seu último texto, em que ele nos conclama “A retomar o papel que nos cabe na luta em defesa do povo de nossos países”.

Mauricio Azêdo estará sempre presente em nossos corações, em nossas mentes.”

* Mário Augusto Jakobskind é presidente da Comissão de Liberdade de Expressão e Direitos Humanos

** Alcyr Cavalcanti, Diretor de Jornalismo