04/12/2019
Por entender que ao excluir qualquer mídia da concorrência para o fornecimento de assinatura on line de jornais e revistas o governo de Jair Bolsonaro “apresenta claros contornos de desvio de finalidade e de burla à liberdade de expressão”, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, Paulo Jeronimo de Sousa, ingressou na Justiça Federal de Brasília com uma Ação Popular. Nesse tipo de procedimento, não é possível a iniciativa da pessoa jurídica, motivo pelo qual a ação foi em nome do presidente da entidade, apoiado por toda a diretoria.
Na peça inicial do processo 1041040-95.2019.4.01.3400, distribuído à 8ª Vara Federal no Distrito Federal, elaborada sob a coordenação de Cláudio Pereira de Souza Neto, do escritório Souza Neto e Tartarini Advogados, Pagê requer que a Justiça determine a participação de todas as mídias que atendam ao contido nos pré-requisitos do próprio edital. Desta forma, Bolsonaro não poderá impedir a participação da Folha de S. Paulo, inicialmente barrada por idiossincrasias pessoais do presidente.
Essa exclusão, segundo Souza Neto, “fere o art. 37, caput, da Constituição Federal, e os arts. 2º da Lei nº 9.784/99, art. 9º da Lei nº 10.520/2002 e art. 3º, caput e parágrafo 1º, I e II, da Lei nº 8.666/2002, de forma a demandar a atuação judiciária por meio da presente ação popular’. Na petição, ele lembra que
“atos administrativos devem atender à postura de imparcialidade, longe das expectativas individuais atribuídas à pessoa física do administrador”.
A peça que também leva as assinaturas dos advogados Natáli Nunes da Silva e Fernando Luís Coelho Antunes, lembra ao juízo que “a moralidade administrativa e a impessoalidade são tratadas pela Carta Magna e pela legislação vigente como bases fundamentais dos atos administrativos. Especialmente quando se trata do emprego de recursos públicos – em processo licitatório -, a exclusão destes princípios na ordem de caráter governamental expõe claro ato lesivo ao patrimônio da União, de forma a justificar o perfeito cabimento desta ação popular, nos termos do art. 1º da Lei nº 4.717/1965.”
Na ação, os advogados reproduzem diversas citações para demonstrar que “Jair Messias Bolsonaro, atual Presidente da República, vem sistematicamente expressando a sua contrariedade às matérias publicadas pelo Jornal Folha de São Paulo, notadamente em razão de conteúdos que, mesmo que de forma indireta, afetavam os seus interesses pessoais e políticos. As assertivas expostas pelo Presidente da República (diga-se, por pertinência, catalogadas desde quando ele ainda se afigurava como candidato ao cargo) demonstram notório desabono ao periódico, inclusive transparecendo intuito de boicote por parte de leitores”.
Em seguida, listam:
“De novo, hoje, capa do Correio Braziliense dizendo que vou acabar com a estabilidade do servidor. Não dá para continuar com tanta patifaria por parte de vocês. Isso é covardia e patifaria. Nunca falei nesse assunto. Querem jogar o servidor contra mim. Como ontem a Folha de S.Paulo queria me ligar ao problema em Minas Gerais. Um esgoto a Folha de São Paulo”.
“Lamento a imprensa brasileira agir dessa maneira. O tempo todo mentindo, distorcendo e me difamando. Vocês querem me derrubar? Eu tenho o couro duro. Vai ser difícil.”
“Ouvindo agora a pouco o Rogério Marinho dizendo que existem 42 itens para se multar alguém por causa de um banheiro me lembrei do dia de ontem. Eu não vou falar o nome do jornal porque vão dizer que eu estou perseguindo o jornal. Eu não persigo ninguém. Onde um jornalista questionou de forma bastante dura o porta-voz, general Rêgo Bastos, perguntando né: [engrossa a voz] ‘O presidente durante o expediente cortou o cabelo’, como se fosse o maior crime da minha vida.
Ainda bem que eu não tenho dor de barriga durante o expediente, senão esse jornal ia me fuzilar”.
“Não quero que [a Folha] acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”.
“Por si só esse jornal se acabou”
Por fim relembram a entrevista de Bolsonaro ao apresentador da TV Bandeirantes, José Luiz Datena, em 31 de outubro passado, na qual ele expôs, explicitamente, que impediria a compra de assinaturas da Folha de S.Paulo pelos órgãos do governo. Como se constata em https://www.youtube.com/watch?v=cA9w_w_u454, o presidente afirmou:
“Nenhum órgão aqui do meu governo vai receber o jornal Folha de S.Paulo, aqui em Brasília. Está determinado”.
“Está certo? Quem quiser comprar a Folha de S.Paulo, ninguém vai ser punido. O assessor dele vai lá na banca e compra lá e se divirta. Eu não quero mais saber da Folha de S.Paulo, que envenena o meu governo a leitura da Folha de S.Paulo”.
Na explicação dos advogados, “tais elementos demonstram que a exclusão do jornal Folha de São Paulo do Edital de Pregão eletrônico nº 39/2019 decorreu de ato discricionário do Presidente da República, emanado de forma oficial e em decorrência de desavenças pessoais. Outro motivo não se poderia conceber, já que, a despeito dos seus concorrentes listados no Edital de pregão, o jornal Folha de São Paulo é o mais vendido do Brasil em assinatura on line, sendo inegável a sua abrangência nacional e a sua credibilidade junto à imprensa brasileira e internacional”.
Ao final, os advogados requerem do juízo, incialmente que garanta a participação na concorrência de “qualquer veículo de comunicação que se enquadre nos critérios exigidos pelo Edital do processo licitatório do Pregão nº 39/2019, em especial o jornal Folha de São Paulo, em igualdade de condições e de oportunidades”;
Subsidiariamente, pedem que em caráter cautelar, caso não seja atendido o pedido de abertura da concorrência a todos que atenderem os pré-requisitos, que a Justiça suspenda o Pregão nº 39/2019, bem como todos os atos já realizados, até o julgamento de mérito desta ação.
Por fim, quando da apreciação definitiva do caso, querem que seja confirmada a medida cautelar solicitada e se declare o direito de participação de todo e qualquer jornal, site ou revista que se enquadre nos critérios exigidos pelo Edital do processo licitatório do Pregão nº 39/2019, em especial o jornal Folha de São Paulo, em igualdade de condições e de oportunidades.
Para tal, entendem, torna-se necessário “a declaração da ilegalidade do Edital de Pregão nº 39/2019, pela ausência de critérios objetivos de licitação, violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade e por desvio de finalidade”. Ao declarar a nulidade do atual edital, a Justiça deverá determinar um “novo feito convocatório, desta vez com critérios objetivos de seleção, de forma impessoal, respeitada a igualdade de condições e de oportunidades entre todos os veículos de comunicação”.
Ação Popular da ABI contra Pregão do governo Bolsonaro