A SAGA DA Petrobrás, DA REVOLUÇÃO DE 30 AOS DIAS DO PRÉ-SAL – Capítulo 17


19/11/2019


Cap. 17

DA ERA VARGAS AO PRÉ-SAL

 

Assim como a Petrobrás, a legislação trabalhista e o conjunto dos demais avanços dos dois governos Vargas não precisavam, para sua preservação e desenvolvimento, de mais do que fizeram todos sucessores de Getúlio nos sessenta anos seguintes (alguns a contragosto) – bastava não desfazerem o que já estava feito.  Esses avanços foram o ponto de partida para o Brasil transformar-se numa das dez maiores economias do mundo e para recuperar-se de alguns períodos de retrocesso.

A trajetória da Petrobrás nestes 65 anos, as ameaças a sua sobrevivência e a realidade de seu desmantelamento depois do impeachment de Dilma Rouseff em 2016 foram indicadores muito nítidos dos avanços e recuos da história política do Brasil desde a morte de Getúlio.

Um projeto como a Petrobrás poderia ter sido liquidado em 1954 se o desfecho da crise não fosse o que foi, se Getúlio não tivesse vencido mais uma vez. Em 1964, a Petrobrás estava consolidada e até recebeu grande apoio de quase todos os governos do ciclo militar.

A eleição de Lula em 2002 deu início à mais promissora retomada do projeto da Era Vargas. Ao fim de dois mandatos presidenciais, Lula deixou o governo com mais de 80% de aprovação popular e já candidato à sucessão de sua sucessora, Dilma Rousseff, eleita por ele. Nesse momento já era perfeitamente natural falar em Era Lula.

A Era Lula não surgiu apenas como uma retomada do projeto de Getúlio, apesar das críticas iniciais de Lula a Getúlio, críticas depois reconhecidas por ele próprio como improcedentes e resultantes do clima intelectual que dominava o entorno do sindicalismo paulista na década de 1970. A Era Lula surgiu também realizando a previsão de Getúlio no último encontro que teve com lideranças sindicais, ao comemorar com elas a confirmação, pelo Supremo Tribunal Federal, do aumento de 100% que decretara pouco antes para o salário mínimo:

– Hoje estais com o governo, amanhã sereis o governo.

O governo Lula teve início em pleno arrastão do neoliberalismo, com o segundo Bush na metade ainda de seu primeiro governo e aproveitando os atentados contra as torres gêmeas de Nova York para dominar ou silenciar a mídia norte-americana, fazer a guerra do Iraque em benefício das petroleiras americanas, especialmente a Halliburton de seu Vice Dick Cheney, e acentuar o predomínio do setor financeiro sobre os setores produtivos da economia mundial.

Apesar desse contexto ameaçador, tão perigoso quanto o da Guerra Fria no segundo governo Vargas, Lula conseguiu completar seus dois mandatos, duas vezes eleger sua sucessora e realizar uma política econômica que manteve em sossego o poder do dinheiro e ao mesmo tempo promoveu a redistribuição de renda e a inclusão social em escala sem precedentes na história do Brasil.

O governo Lula levou a Petrobrás ao Pré-Sal em 2006 e o protegeu, substituindo o regime de concessões petrolíferas adotado pelo governo Fernando Henrique Cardoso pelo regime do compartilhamento. Pela lei de Lula, a participação de empresas estrangeiras no Pré-Sal só seria permitida em associação com a Petrobrás, para impedir a exploração predatória desse petróleo e para manter seus lucros no Brasil, num fundo que destinaria 75% de seus recursos à educação e à saúde.

Com o impeachment da Presidente Dilma, o governo do Vice Michel Temer mudou a lei de Lula, e concedeu facilidades milionárias às empresas estrangeiras no Pré-Sal, descoberto sem qualquer colaboração dessas empresas. Em seguida deu início ao desmantelamento da Petrobrás, anunciou a privatização da Eletrobrás, promoveu uma “reforma” trabalhista que levou o Brasil de volta a antes da Revolução de 30, quando o então Presidente Washington Luís dizia, em outras palavras, que a questão social era caso de polícia.

Aliás, o impeachment de Dilma só foi consumado para que Temer fizesse o que fez e para impedir a volta de Lula em 2018, porque Lula promoveria um referendo revogatório contra essas iniciativas e teria de fazer alguma coisa para acabar com o virtual monopólio privado da mídia, acobertador e indutor dos piores abusos da cruzada macartista da Operação Lava Jato, especialmente de 2016 em diante.

Com seu projeto de democratização da mídia, Lula não pretendia, como ele próprio disse, ironicamente, copiar no Brasil os modelos de Cuba ou da Coréia do Norte e sim adotar o modelo dos Estados Unidos.

Nos Estados Unidos convivem e concorrem uma com a outra, sem grandes diferenças de audiência e faturamento, três grandes redes de TV aberta, a CBS, a NBC e a ABC, ladeadas pelas TVs jornalísticas como a CNN, de centro, e a FoxNews, de extrema direita.

A Lava Jato, inicialmente oferecida e recebida como uma iniciativa saudável, acabou por desestabilizar a vida política do país e submetê-lo a uma verdadeira ditadura da corporação judiciária, sem a menor garantia para os cidadãos postos sob suspeita, sobretudo os detentores de mandato político. Os próprios juízes, procuradores e membros dos tribunais viraram reféns de um clamor das ruas que a cada prisão exigia novas prisões, a cada delação cobrava novas delações, e queria ver sangue, como disse um ministro do Supremo, Marco Aurélio Melo. Era uma situação em que o próprio Supremo, como disse outro de seus ministros, Gilmar Mendes, o Supremo deixou de interpretar e passou a reescrever a Constituição.

Em 2018 a Lava Jato tirou Lula da eleição presidencial, condenando-o em segunda instância e levando-o à prisão. Meses depois o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro foi eleito Presidente e fez do juiz Sérgio Moro, pontífice da Lava Jato e condutor dos processos contra Lula seu Ministro da Justiça.

Em outubro de 2019, o Supremo reexaminou e reformou a jurisprudência que observava desde 2016, no auge da Lava Jato, e fez valer a cláusula pétrea da Constituição que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. No dia seguinte Lula foi solto, sem que isso provocasse a intervenção militar desejada pela extrema-direita.

A curtíssimo prazo, no momento em que este livro é publicado, não se pode prever o que acontecerá no Brasil daqui para a frente. A médio e longo prazo, porém, é difícil conceber que os avanços acumulados da Era Vargas e da Era Lula – entre eles a Petrobrás e o Pré Sal – continuem a ser revogados sem alguma resposta.

                                 – FIM –