O cinema perde Dejean Pellegrin


08/02/2012


Reconhecido com um dos maiores incentivadores da atividade cultural cinematográfica no Brasil, o jornalista, cineasta e pesquisador Dejean Pellegrin, 81 anos, morreu nesta segunda-feira, dia 6, no Rio de Janeiro, em decorrência de um enfarte. A cerimônia de cremação do corpo será realizada neste sábado, dia 11, às 9h, no Crematório do Cemitério do Caju, zona norte da cidade.
 
Dejean Magno Pellegrin, associado da ABI, dedicou a vida ao estudo e difusão da Sétima Arte, tendo sido um dos fundadores da Cinemateca do Museu de Arte Moderna(MAM), nos anos 1950.
 
Nos últimos meses, mesmo com a saúde debilitada, Dejean vinha mantendo as atividades relacionadas ao cinema.
—Há cerca de um mês meu pai veio morar comigo por causa dos problemas de saúde, mas continuava se dedicando aos projetos neste setor, como roteiros sobre a Missão Francesa no Brasil. Criador dos primeiros cineclubes no País, meu pai foi grande amigo de Glauber Rocha e Leon Hirszman e ajudou a formar as bases para o Cinema Novo e outros movimentos artísticos importantes. É uma grande perda para a cultura nacional, disse Melinda Pellegrin, filha do cineasta.
 
A morte de Dejean, que atuou como crítico e jornalista, comoveu parentes, colegas de profissão e velhos companheiros de jornada, com destaque para Jurandir Noronha, escritor, cinegrafista, montador, redator, roteirista e diretor de filmes:
—Tomei conhecimento da morte dele na tarde desta terça-feira, dia 7. Sinto-me muito abalado e imensamente triste por este duro golpe. Nós éramos melhores amigos. Sempre fomos muito ligados. Todas as quartas-feiras ele vinha à minha casa para exibir filmes de sua vasta coleção, que reúne mais de 12 mil títulos. O objetivo era me fazer companhia, já que estou me locomovendo apenas em cadeira de rodas. Conversávamos muito sobre todos os assuntos, incluindo cinema. Ele era como um irmão para mim
 
Freqüentador do Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do edifício-sede da ABI, há mais de cinco décadas, Dejean contribuiu de forma efetiva para o desenvolvimento das atividades cinematográficas na Casa. Em entrevista ao jornalista José Reinaldo Marques para o Jornal da ABI, o cineasta comentou:
—Podemos afirmar que a ABI teve e tem ainda uma participação importante na difusão da Sétima Arte através de projeções periódicas em seu auditório, assim como um local que faz parte da história de nosso cinema. Desde 1946 até hoje posso dizer que nunca deixei de frequentar o auditório da ABI, não apenas para as suas sessões de cinema, porém também para outros eventos, juntamente com Leon Hiszman, Walter Lima Júnior, David Eulálio Neto, Marcos Faria, Miguel Henrique Borges, Carlos Diegues, Joaqueim Pedro de Andrade, Paulo César Saraceni, entre outros jovens que mais tarde fundariam o Cinema Novo. Assim, posso dizer que a ABI contribuiu para a formação cultural cinematográfica do País.

Em janeiro de 2007, o Jornal da ABI publicou uma edição especial(número 316) dedicada ao cinema. No editorial o Presidente Maurício Azêdo destacou o papel de Dejean no cinema nacional: 
“Qualquer que tenha sido o papel que cumpriu e ainda cumpre, o cinema norte-americano teve a sensibilidade de lançar seus olhos sobre um dos aspectos mais fascinantes da vida social: o mundo do jornalismo, da imprensa e da comunicação em geral, que desde o ano 1900, quando se produziu o primeiro filme sobre o tema, tem oferecido copiosa riqueza de temas para a produção de obras que assumiram forte teor dramático, ainda que, em número expressivo de casos, este não sacrificasse a possibilidade de momentos de humor, de indução ao riso(…) É a esse filão da produção cinematográfica norte-americana que o Jornal da ABI dedica esta edição especial, que reproduz minucioso trabalho de  paciente pesquisador, Dejean Magno Pellegrin, ardoroso fã e emérito estudioso do cinema que inclui em seu currículo e em sua trajetória de intelectual a forte participação em destacados momentos da atividade cultural relacionada com a produção cinematográfica, como a criação da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.”
 
Em 2008, em comemoração ao centenário da ABI e aos 200 anos da Imprensa Régia, Dejean foi o curador da mostra A Imprensa no Cinema, que privilegiou o jornalismo como temática central e exibiu os clássicos “Cidadão Kane”, “Todos os homens do Presidente”, “Carlitos repórter”, “A montanha dos sete abrutes”, entre outros filmes da coleção particular de Dejean Pellegrin, que comentou à época:
—A mostra A Imprensa no Cinema tem a função de valorizar a arte cinematográfica e o jornalismo, oferecendo ao público uma programação de qualidade.
 
Na noite do dia 16 de maio de 2010, Dejean Pellegrin organizou uma sessão especial para a inauguração de um quadro com a fotografia ampliada da platéia que compareceu à sessão da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, em 13 de maio de 1958, no Auditório da ABI, quando foi  exibido o filme “O Ferroviário”, do italiano Pietro Germi, um dos mestres do neo-realismo. O filme narra a história de Andrea Marcocci, um maquinista italiano, casado com três filhos, que enfrenta problemas familiares. Suas dificuldades aumentam no momento em que ele se desentende com o sindicato e se vê isolado, tanto no trabalho quanto em casa.
 
Registrada por Robert Léon Chauvière, a fotografia histórica da platéia da ABI em 1958 revela a presença de grandes nomes do cinema nacional e fundadores do Cinema Novo, como Cacá Diegues, Walter Lima Júnior, Leon Hirszman, David Neves e Marcos Farias.
 
Autor do convite a Chauvière para fazer a fotografia em 1958, Dejean falou à época sobre o vínculo entre a história do cineclubismo e das cinematecas no Brasil com a ABI, onde eram realizadas as sessões:
—Nós tínhamos um interesse muito grande pelo cinema. Corríamos atrás de livros sobre o assunto, que eram escassos na época. Era um ideal, um amor total pelo cinema.
 
Cinema Alternativo
    
A trajetória da ABI é marcada pelo compromisso de defender, estimular e difundir a cultura, e nesse contexto o cinema sempre foi um evento de destaque. Símbolo da estética do cinema alternativo do Rio de Janeiro, o Cineclube Macunaíma foi fundado em 1973, por jornalistas sócios da ABI, entre eles o Presidente Maurício Azêdo. O cineclube se destacou por sua programação, que valorizava o cinema de arte, principalmente aquele produzido no Brasil. 

Em 1974, o Cineclube Macunaíma apresentou uma programação composta em sua maioria por grandes obras do Cinema Novo, como “Deus e o diabo na Terra do Sol” e “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, seguidos de debates. 

 
 
 
Ao longo de 12 anos, o Cineclube Macunaíma ofereceu atividade regular na cidade do Rio de Janeiro, com sessões aos sábados, às 21h, e posteriormente, às 18h30. O acervo foi formado com a colaboração de cineclubistas e da cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio, que cedia filmes de sua coleção para serem exibidos durante as sessões. Entre os títulos,  “Acossado” e “O Demônio das 11 horas”, de Jean-Luc Godard, “Moinho de Pó”, de Alberto Lattuada”, “Dom Quixote”, de Grigori Kozintzev,  “Milagre em Milão”, de Vittorio de Sica. 

Apesar da censura imposta pelo regime militar, o Cineclube Macunaíma apresentou filmes soviéticos durante a Guerra Fria, como a animação russa “Flor de Pedra”, de 1946, de Aleksandr Ptushko. Contudo, muitos títulos foram censurados, como “Roma”, de Fellini, e o norte-americano “Amargo Pesadelo”. Além disso, a ABI sediou diversas vezes exibições da Cinemateca, organizadas por Dejean Pellegrin:
—Fui um dos membros fundadores da cinemateca, quando ela ainda era Cinema do Museu de Arte Moderna, na década de 1950. As primeiras atividades do departamento de Cinema do MAM aconteceram no auditório da ABI. Essa é uma relação antiga, disse Dejean. 

Biografia
 
Por Rodrigo Caixeta
 
O interesse de Dejean Magno Pellegrin por cinema começou bastante cedo. Aos cinco anos, já freqüentava as salas de exibição de Campo Grande, bairro em que morava na Zona Oeste do Rio, e onde ia, às quintas-feiras, à matinê do Cinema Progresso, em 1935. Também freqüentou o Cine Teatro Campo Grande, o segundo criado naquele bairro e inaugurado em 1937.
 
Aos 13 anos, mudou-se para Vila Isabel e continuou com o hobby que se tornaria sua profissão. À época, ganhou de presente o livro “O cinema: sua arte, sua técnica, sua economia”, de Georges Sadoul, que muitos anos depois, em 1959, foi seu professor no curso de  Filmologia feito na Sorbonne, graças a uma bolsa de estudos concedida pelo Governo francês. Era, naquele momento, colega de Maurício Azêdo, Presidente da ABI, na Faculdade de Direito da atual
Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Uerj que teve que
abandonar – mas não se arrependeu. A leitura do livro abriu sua mente e mostrou-lhe que cinema não era só diversão, mas também arte e indústria.
 
Começou, então, a saber quais eram os filmes importantes, marcos do cinema, criadores de escolas como o neo-realismo e o expressionismo. E, conseqüentemente, passou a conhecer os bons diretores, os filmes sérios e procurou os cineclubes.
 
Descobriu que na ABI havia o Círculo de Estudos Cinematográficos, fundado por três jornalistas: Luís Alípio de Barros, que era crítico de cinema do Diário Carioca; Alex Viany, também cineasta, que traduziu para o português o livro de Sadoul e, Antônio Moniz Viana, conhecido
como um dos melhores críticos de cinema do Rio de Janeiro.
 
Mas Dejean foi ainda mais longe. Em 1956, fundou o próprio cineclube, o Museu de Arte Cinematográfica, que fez as primeiras exibições na ABI e durou seis meses. Em seguida, Dejean: desde moço, um cinemaníaco fundou o Grupo de Estudos Cinematográficos da União Metropolitana dos EstudantesUme, que também começou na ABI e depois foi para uma sala do Ministério da Educação. Foi ainda membro fundador da Cinemateca do Mam, quando esta era ainda chamado Cinema do Museu de Arte Moderna, em 1954.
 
Durante o curso de Filmologia, Dejean trabalhou na Cinemateca Francesa, em Paris. Paralelamente, foi jornalista da Radiodifusão e Televisão Francesas (RTF) e locutor e tradutor do jornal cinematográfico Les Actualités Françaises. Durante a temporada parisiense, conheceu, entre outros cineastas, Jean Rouch (1917-
2004), documentarista francês, criador do cinema etnográfico, de quem se tornou grande amigo.
 
Depois, morou no Egito, onde promoveu uma semana de exibição do cinema brasileiro no Cairo e ainda uma semana de cinema cubano também naquele país. Como funcionário do Itamarati, trabalhou na Embaixada do Brasil na União Soviética e promoveu a primeira semana do cinema brasileiro em Moscou, Alma-Ata e Baku.
 
De volta ao Brasil, em 1976, foi chefe do setor de difusão e planejamento do Departamento do Filme Cultural, da Embrafilme. 

Dejean é também um dos fundadores da Associação Brasileira de Documentaristas e do Centro dos Pesquisadores do Cinema Brasileiro. Apesar de sua posição de esquerda, diz que prefere o cinema norte-americano, mas afirma que o cinema nacional está muito bom tecnicamente. O problema, diz, é que o brasileiro não está acostumado a ver o que é feito aqui.
 
Outra observação do jornalista e cineasta é com relação ao trabalho dos críticos de cinema. Ele – que já foi crítico de O Globo e da Tribuna da Imprensa – fica horrorizado com as coisas que lê, pois percebe que “os colunistas não conhecem cinema e dizem muitas bobagens”. Para Dejean, cinema não se aprende na escola, mas vendo muito filme e cultivando sabedoria, por meio da leitura de grandes teóricos e do acúmulo de conhecimentos gerais.
 
Grande amigo de Glauber Rocha, Dejean foi quem lhe entregou sua primeira medalha internacional, pela vitória do longa “Barravento” no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary, na antiga TchecoEslováquia. Gláuber, que havia ido ao evento, mas não ficara até o fim, foi premiado sem saber, e só veio a receber seu prêmio alguns dias mais tarde, das mãos de Dejean, num encontro num bistrô em Paris.(RC)