Leitura no Brasil: o que mudou?


19/09/2008


O brasileiro está lendo mais. Contudo, o País ainda reúne um contingente de 77 milhões de não-leitores. Esta é uma das conclusões da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, a maior já realizada em âmbito nacional sobre o comportamento do leitor brasileiro, abrangendo 172 milhões de pessoas (92% da população).

O estudo, realizado em 2007 pelo Instituto Pró-Livro, com apoio da Câmara Brasileira do Livro (CBL), do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), resultou em um livro que reúne textos, gráficos e artigos de especialistas no assunto.

Após promover a primeira edição da pesquisa Retratos da Leitura, em 2000, o Instituto Pró-Livro decidiu investigar o impacto de ações e investimentos realizados pelo Governo e algumas entidades na área, para consolidar ou orientar novas iniciativas e incentivar debates e estudos entre especialistas e interessados no tema:
— Sete anos depois, felizmente, muito se investiu em programas de governo e em projetos direcionados ao fomento da leitura no País. Podemos citar, por exemplo, a implementação de ações que possibilitaram o acesso ao livro a milhões de estudantes do ensino médio e superior, a expressiva ampliação de estudantes dos dois níveis e o esforço em zerar o número de cidades brasileiras sem bibliotecas — assegura Jorge Yunes, Presidente do Instituto Pró-Livro.

Revelações

Entre os milhares de gráficos, quadros e informações revelados na publicação, dá para se extrair boas e más notícias, segundo Galeano Amorim, organizador do livro:
— A boa notícia é que a pesquisa revelou que, quando o Estado investe em políticas públicas — e é seu dever fazê-lo —, os resultados não tardam a aparecer. Basta olhar os índices de leitura entre as crianças e jovens que freqüentam as escolas: é mais do que o dobro do que se lê fora delas.

A má notícia é que o Brasil, apesar dos recentes avanços, ainda não reconhece a questão do livro e da leitura como algo realmente importante e estratégico para seu presente e, sobretudo, para construir outro tipo de futuro, na avaliação de Galeano.

O estudo foi aplicado no fim de 2007 em 311 municípios de todo o País (5.012 habitantes em cada), pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope Inteligência), somando 172 milhões de pessoas (92% da população brasileira).

A análise revelou a percepção da leitura no imaginário coletivo, o perfil do leitor e do não-leitor, as preferências e motivações dos leitores e os canais e formas de acesso ao livro.

A primeira pesquisa Retratos da Leitura atingiu 44 municípios brasileiros e apontou que 49% da população eram consideradas leitores. Nesta segunda edição, os dados indicam que o brasileiro está lendo mais, já que 55% da população (95 milhões de pessoas) declararam ter lido ao menos um livro nos três últimos meses. O total sobe para 100 milhões de leitores, se forem incluídos os entrevistados que revelaram ter lido ao menos um livro ao longo de 2007.

Análise

                    Moacyr Scliar

Além dos dados da pesquisa, a publicação “Retratos da Leitura” apresenta artigos de pessoas comprometidas com a questão do livro no País, como o escritor Moacyr Scliar, que destaca o valor simbólico do ato de ler:
— Em se tratando de leitores jovens, é melhor apresentar a leitura como um convite amável, não como tarefa, como uma obrigação que, ao fim e ao cabo, solapa o próprio simbolismo da leitura, transformada num trabalho árido, quando não penoso. A casa da leitura tem muitas portas, e a porta do prazer é das mais largas e acolhedoras.

 José Castilho

José Castilho Marques Neto, Secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura, dos Ministérios da Cultura e da Educação, comemora na publicação a nova agenda para políticas públicas para o setor:
— Em minha opinião e na de muitos que encontro pelo Brasil afora, dos especialistas aos batalhadores diuturnos pela leitura, vivemos um período excepcional, promissor e decisivo. As bibliotecas, por exemplo, poderão ter um papel equivalente ao da escola na manutenção e formação de leitores fora da idade escolar, uma vez que boa parte da população não pode comprar livros.

Escola

         Jeanete Beauchamp

O papel da escola na formação de leitores é destacado também por Jeanete Beauchamp, Diretora de Políticas de Formação, Materiais Didáticos e Tecnologias para a Educação Básica do MEC, e por André Lázaro, Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação. Para eles, a pesquisa evidencia que, por meio da escola, o Brasil entra em contato com o processo de leitura e tem acesso aos livros, independentemente da classe social.

 Felipe Lindoso

Autor de “O Brasil pode ser um país de leitores?”, o jornalista Felipe Lindoso discorre sobre a cadeia produtiva do livro e da leitura no Pais:
— A maioria da população não tem acesso ao livro e à leitura depois que deixa e escola. Somente políticas públicas conseqüentes permitirão que se construa uma rede de bibliotecas públicas no Brasil, precisamente o que falta para que a indústria editorial corresponda e possa atender às necessidades de educação, cultura e lazer dos que já saíram das escolas.

Incentivos

A necessidade de um maior número de ações que promovam o acesso à leitura também é destacada na obra por Maria Antonieta Antunes Cunha, doutora em Letras e professora da Universidade Federal de Minas Gerais e da PUC-MG:
— Como a TV e o rádio são atividades freqüentes na vida do brasileiro, seria importante, em curto prazo, multiplicar nos veículos do poder público programas de promoção à leitura, com enfoque na percepção da leitura como lazer ou descanso. Também teriam bons resultados campanhas e publicidade com enfoque em obras e autores.

          Jefferson Assumção

Oportunidades de leituras prazerosas vivenciadas durante a vida são ótimas fontes de incentivo à educação, segundo Lucília Helena do Carmo Garcez. Para a mestra em Teoria da Literatura pela UnB, o interesse é desenvolvido de acordo com essa experiência de prazer, que pode ser estimulada por pais, professores e um ambiente de valorização da leitura.

Jefferson Assumção, Coordenador-geral de Livro e Leitura do Ministério da Cultura, acredita que o cumprimento das atividades estabelecidas no Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) pode fortalecer os processos de leitura cultural, crítica ou utilitária:
— Os princípios norteadores e as ações do PNLL devem ser concretizados para que o Brasil se transforme em uma sociedade leitora tanto do ponto de vista educacional, quanto cultural.

 Jorge Werthein

Desafios

Profissionais especializados devem introduzir novas experiências e desafios ao conhecimento e ao desejo de descoberta de crianças e jovens, na opinião de Zoara Failla, socióloga, Coordenadora para o Ensino Médio de São Paulo e integrante da equipe técnica da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. No artigo “Os jovens, a leitura e a inclusão”, ela defende que o mundo da literatura deve ser mostrado em um ambiente cultural que possa interessar ao jovem.

A importância da educação para a conquista da cidadania é sublinhada por Jorge Werthein, Diretor da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana:
— Vamos todos buscar nos livros, digitais ou em papel, o conhecimento. É o caminho para que conflitos naturais da vida em sociedade resultem em crescimento do bem-estar e redução das desigualdades.

Algumas conclusões da pesquisa:
 
A média de leitura do País é de 4,7 livros por habitante/ano; 3,4 livros por habitante/ano foram indicados pela escola, freqüentada por 60 milhões de pessoas de todas as idades; 1,3 livros per capita foram lidos fora da escola.

• Em algumas regiões, a média de leitura é superior à nacional, como no Sul, onde são lidos 5,5 livros por habitante/ano, e no Sudeste, 4,9.

Conhecimento é o valor mais associado à leitura. Esta percepção aumenta entre os mais velhos.

• A leitura é vista como atividade prazerosa, principalmente entre crianças com idade até 10 anos.

Duas em três pessoas não sabem de ninguém que venceu na vida graças à leitura.

• Declararam gostar de ler durante o tempo livre 60 milhões de entrevistados (35%). Destes, 38 milhões afirmaram fazê-lo com freqüência. A preferência pela atividade cresce com a renda e a escolaridade.

Um terço dos leitores afirma ler freqüentemente; 55% são mulheres.

• As revistas são o veículo de leitura preferido da maioria dos entrevistados (52%), seguidas por livros (50%) e jornais (48%).

Entre os gêneros de leitura, a Bíblia figura no topo da lista, com 49% da preferência.

• Mulheres lêem mais que homens em quase todos os gêneros; as exceções são História, Política e Ciências Sociais.

Souberam dizer o nome do autor brasileiro que admiram 51% dos leitores (48,5 milhões). Monteiro Lobato foi o mais votado, seguido por Paulo Coelho, Jorge Amado e Machado de Assis. Os quatro juntos receberam quase metade das indicações.

• Elegeram a Bíblia como o livro mais marcante — superando em dez vezes o segundo colocado, “O Sítio do Pica-pau Amarelo” — 59% dos leitores (56,2 milhões).

A infância é lembrada como o período da vida em que as pessoas mais leram.

• As mulheres lêem muito mais do que os homens por prazer ou gosto. E também por motivos religiosos. Os homens lêem mais por atualização profissional ou exigência escolar/ acadêmica.

Apesar da obrigatoriedade da leitura nas escolas, é alto o índice de estudantes que dizem ler por prazer ou gosto.

• Citaram as mães como a maior influência no hábito da leitura 73% das crianças, especialmente no Norte (59%) e no Nordeste (56%).

Só no Portal Domínio Público, do MEC, já foram baixados 7 milhões de cópias das 72 mil obras disponíveis.

• Afirmam ter pelo menos um livro em casa 146,4 milhões de brasileiros (85% da população estudada). A média é de 25 livros por residência.

A visita a bibliotecas diminui com o fim da vida escolar: cai de 62% entre adolescentes para menos de 20% na fase adulta e 12% aos 50 anos, até chegar aos 3% acima de 70 anos.

• Não leram nenhum livro nos três meses que precederam pesquisa 77,1 milhões (45% da população estudada). Destes, 6 milhões disseram ter lido anteriormente um livro — a Bíblia no caso de 4,5 milhões.

• Dos que não lêem, 21 milhões são analfabetos e 27 milhões só cursaram até a 4ª série do ensino fundamental.

• Entre os que têm formação superior, 1,3 milhão são não-leitores.

• Dos não leitores, 14,5 milhões concluíram o ensino médio.

• Dificuldades de acesso ao livro estão entre as principais queixas de quem já é leitor. Entre os motivos, é apontada a falta de dinheiro (18%), bibliotecas (15%) e livrarias (8%).

Quem já é leitor também justifica não ler mais por falta de tempo (57%), preferência por outras atividades (33%) ou desinteresse (18%).