O destino assim o quis


12/09/2008


Colaboração de Bernardino Capell Ferreira, jornalista, engenheiro, historiador e sócio da ABI.

Dia 31 de dezembro de 2007. Na véspera, havia recebido notícia do falecimento, no Hospital Samaritano, em Botafogo, da filha de um velho amigo, Coronel Valdo de Albuquerque, a Juíza Valeria de Albuquerque, estando marcada a saída do féretro para o Cemitério Jardim da Saudade, em Paciência, às 8h.

Com o intuito de confortar a família enlutada, eis que não estaria propenso a ir ao cemitério, em face da dificuldade de locomoção, cheguei ao Samaritano às 7h30, mas a capela ainda não estava aberta, nem a família presente, o que só se daria, segundo fui informado, às 8h.

Aguardando, pois, a continuidade da programação prevista, decidi retornar à sala de espera do hospital, a fim de esperar a família.

Ao atravessar pela área frente ao estacionamento, fui de repente atingido por um carro de transporte de gêneros destinados ao hospital.

A pancada foi tão forte que, me apanhando pelo lado esquerdo, sem qualquer defesa contra o choque violento, me jogou ao solo, a fio comprido, batendo com o fêmur da perna direita no calçamento do pátio.

Acorreram diversas pessoas, solícitas em me prestar socorro, entre elas vigilantes e funcionários, mas, estando eu lúcido, pedi-lhes que não me levantassem, porque não sabia a extensão do acidente. Pouco depois, médicos e enfermeiros me colocaram na padiola e me levaram para a Emergência — a pronta atitude da Direção do hospital é assunto para uma especial matéria que farei posteriormente.

Afora as razões do título envolvendo o destino, creio que vários fatores que cercaram a ocorrência me levam a acreditar também em significativas ações que demonstraram algo de positivo em meu favor. 


Por exemplo:

• Se o acidente se desse na rua, o que teria acontecido? Para onde teria sido levado se, com a brutal pancada, tivesse perdido a lucidez? E meus documentos, seriam subtraídos? Que rumo teria levado?

• A presteza assistencial do hospital e a cirurgia imediata, executada poucas horas após o acidente, sob responsabilidade de hábil cirurgião, especializado em próteses, e que se achava, como poderia não estar, em disponibilidade, no momento!

• As facilidades que tive para contatar filhos e amigos, os quais momentos após estariam comigo, dando-me apoio!

E vai por aí, meus caros confrades e amigos leitores, que posso afirmar que algo de imponderável cerca a nossa existência sem que saibamos, todavia, suas razões.

Quando fui atingido, e o poderia ter sido em qualquer outro lugar, por que o fato se deu em um nosocômio cercado de seguranças e vigilantes?

Por que, ao invés de ter preferido me dirigir ao Cemitério Jardim da Saudade, como muitos naturalmente o fizeram, julguei por bem ir ao hospital?

Também poderia enviar um telegrama à família enlutada em razão da minha avançada idade — por que não o fiz?

Não há como concluir mais nada; só me cabe, se assim o julgar, crer em algo mais profundo, mais introspectivo, em espiritualismo que transcende a lógica dos fatos, para me levar à pura meditação, em busca de explicações mais convincentes.

É daí que poderemos avançar no sentido mais profundo no que diz respeito ao que ganhei face à ocorrência.

Ganhar?, diriam os incrédulos.

Como pensar em benesses, quando se é vítima de uma agressão física de conseqüências imprevisíveis?

Mas lembremo-nos de que dores maiores que as de um acidentado, graças a Deus em franca recuperação, foram aquelas sofridas por Jesus na via-sacra e no Calvário, cercado de algozes desvairados, sedentos do seu sangue.

Não esqueçamos essas imagens que nos fortalecem nos momentos em que a angústia invade os nossos corações — e a Ele imploramos suas graças, se ao julgar nossos atos considere justas tais concessões.

Ao meditar sobre o ocorrido, tenho, todavia, de observar outros ângulos do prisma, quais sejam os novos horizontes que se projetaram em minha vida em razão do acidente, modificando-a em vários aspectos, quer físicos como psíquicos, aos quais tenho que me adaptar, dentro de novas concepções de cuidados que exigirão a continuidade da minha existência calcada em novos padrões de segurança no ir-e-vir, se puder.

Respostas a tais quesitos terão que ser dadas por nós mesmos, ante a evidência dos fatos que exigirão, a partir de agora, observações especiais, no sentido de nos preservarmos de fortuitos acidentes.

Contudo, o tempo e as motivações que se darão em nosso novo modus vivendi nos revelarão outros caminhos a percorrer, dentro das limitações que nos serão impostas, a fim de vivermos em paz e harmonia, obedientes aos segredos do destino, na luta calma e serena pela sobrevivência.

E então, para fecharmos a matéria, volto meus olhos para Ele, sim, o Senhor, para uma prece cuja essência, se não dogmática, pois não seguirá padrões eclesiásticos, terá, contudo, a objetividade de nos aproximarmos da espiritualidade mais sublime, a fim de rogar-lhe:

Oh, Deus, sob Vossa guarda aqui estou, após o acidente que me vitimou, cercado por todos os meus progênitos, entre filhos, netos, bisnetos e ainda maravilhosos amigos!

Amparados nos sentimos, mas pensamos, nesses instantes de dor e apreensões, como estarão esses outros velhinhos, os quais, nesta vida terrena, também fraturaram o fêmur, muitos deles se arrastando pelas ruas como em muitas oportunidades os vejo, todos os dias, lutando pela sobrevivência ante a inexorável força do destino, curvados sobre suas muletas ou bengalas, vítimas que foram da fatalidade que também me atingiu.

Para eles, Senhor, pedimos e rogamos o Seu amparo — vítimas para as quais sempre olhamos, estendendo-lhes a nossa mão para ajudá-los a atravessar ruas; são eles que nos levam ao confronto entre o amor e o carinho que nos amparam e o afeto que julgamos possa faltar-lhes, tão profundamente alegres se mostram ao receberem nossa ajuda e a nossa palavra.

Na certeza de que a exclamação ‘Oh! meu Deus’ é sempre aquela à qual recorremos nos momentos de angústia e dor, suplicamos, Senhor, o Seu divino amparo para esses velhinhos, os quais, no limiar de novos portais de vidas futuras, não deixando para trás os seus sonhos, seus desejos, as esperanças do que não lograram realizar embora continuem a tê-las.

Que lhes conceda, Senhor, aquela mesma força que permitiste a Jesus, Seu filho, ao dirigir-Se ao Calvário sob o peso da cruz, ao longo da via-sacra.”