Entre a selva bucólica e a violenta, urbana


16/12/2008


Eliane Martins
19/12/2008

Com 20 anos de carreira, Fernando Quevedo orgulha-se em dizer que O Globo é o jornal em que começou a trabalhar, em março de 1988, e onde trabalha até hoje. Apesar de gostar do corre-corre da Geral de um grande veículo diário, ele não esconde que sua grande paixão é fotografar a natureza. Mais exatamente, os animais nas savanas africanas. Nascido em Porto Alegre-RS, no dia 21 de março de 1956, e vivendo no Rio de Janeiro desde 1961, ele conta que descobriu o interesse pela fotografia e pela vida selvagem ainda na infância, sem qualquer ajuda ou incentivo:
— Tinha uns 8 ou 9 anos quando me interessei por livros de caçadas na África e na Índia. Via as fotos de leões e tigres e já começava a sonhar com grandes viagens, nas quais eu tiraria as fotos. Aos 12, comprei minha primeira câmera, uma Kodak Instamatic, e fui direto para o Zoológico do Rio, fotografar os bichos. Eram dias memoráveis! Eu lá, em frente às jaulas das feras, aguardando um bom instantâneo. Sempre sonhei viver no mato, no meio dos animais e o mais longe possível das grandes cidades.

Antes de se dedicar a safáris fotográficos, porém, Quevedo tornou-se engenheiro civil especializado em Cálculo Estrutural, até que a Matemática — com a qual se envolveu apenas para agradar ao pai — deu lugar às aventuras e cliques que fazem os leitores viajarem através das savanas à violência cotidiana das ruas do Rio:
— Como nunca consegui um emprego num escritório de cálculo, acabei trabalhando em empresas na parte de fiscalização de obras, o que, particularmente, detestava. No último trabalho que tive como engenheiro, numa empresa de produtos de impermeabilização, em 85, acabei fazendo também as fotos do catálogo dos novos produtos que ela estava lançando. Até que em 87 decidi largar a Engenharia Civil e fui para a África pela primeira vez. Fiquei quatro meses visitando os grandes parques do Quênia e da Tanzânia, considerados até hoje a verdadeira meca dos fotógrafos da vida selvagem.

Dedicação

Mas era preciso voltar ao Brasil e Fernando Quevedo queria mostrar seu trabalho. Começou, então, a vender matérias para a extinta Revista Geográfica Universal e para o “Caderno de turismo” do Globo. Estava feita a ponte para sua entrada definitiva no meio jornalístico:
— No Globo, conheci um grande mestre do fotojornalismo que, na época, era o editor de Fotografia do jornal: o grande Anibal Philot, infelizmente já falecido. Ele foi um dos mais competentes profissionais a passar pela redação do jornal; respirava fotografia e foi um exemplo de dedicação para todos os que tiveram a felicidade de trabalhar ao seu lado. Dei sorte, porque o Philot gostou muito do meu trabalho. Então, pedi emprego, e ele disse que me chamaria. Já tinha perdido as esperanças quando, um dia, fui buscar os cromos de uma matéria que tinha vendido para o jornal. Estava na sala de espera da Redação, quando o Philot passou, me viu ali no sofá e disse para eu começar a trabalhar no dia seguinte, um sábado. Ainda argumentei que começaria na segunda-feira, porque não pretendia começar a trabalhar logo num fim de semana. E ele falou: “Ou você começa amanhã ou não começa.” Claro que foi num sábado, de março de 1988, que comecei minha carreira no fotojornalismo. (risos)

Sem nunca ter estudado Fotografia, Quevedo diz que aprendeu lendo muita National Geographic e errando bastante:
— O fotógrafo tem que aprender o funcionamento do processo fotográfico. Aí fica mais fácil executar uma idéia. Não adianta ter uma idéia genial de uma foto se a sua bagagem técnica não permite executá-la de forma satisfatória.

Nessa trajetória de 20 anos de fotojornalismo, Quevedo fez pautas que o marcaram:
— A melhor de todas foi fotografar hotéis na selva amazônica, em 1990. E a pior foi a do ônibus da 1001 metralhado por traficantes na Avenida Brasil. Todo mundo deitado no asfalto se protegendo, eu no meio do fogo cruzado… Não gostei nadinha da experiência.

Mas não foi só a violência do Rio que ele fotografou para O Globo. Também já registrou o glamour do mundo dos astros e estrelas para a “Revista da TV”, na década de 90:
— Posso garantir que fotografar celebridades é uma das pautas que, digamos, menos me apetece — desabafa. — Tomei muito chá-de-espera. É um trabalho estressante e cansativo.

Ídolos

Tendo Aníbal Philot como seu ídolo na fotografia, Quevedo também destaca os profissionais da National Geographic Magazine e ainda Michael Nichols, Carsten Peter, Chris Johns e David Allan Harvey:
— Estes são, para mim, os maiores mestres da imagem e uma eterna fonte de inspiração a todos os fotógrafos do planeta.

No dia-a-dia da redação, as pautas que mais o fascinam são as dos cadernos de carros e viagens.
— Gosto das pautas em que não preciso enfrentar multidões e tráfego intenso. Detesto tumultos. Não me fascina fotografar gente na rua, por exemplo. Agora, tribos primitivas rendem sempre um bom material, pelas cores e pelo inusitado do seu modo de vida na selva. Gosto das fotos noturnas, no lusco-fusco ou em situações difíceis de luz. Quando você acerta, fica uma imagem atrativa para quem a vê. Olhar uma revista National Geografic, por exemplo, é sempre uma aula e tanto de fotografia. 

Em casa

Não é à toa que ele só se sente em casa quando está em solo africano. Entre 95 e 96, morou um ano e meio no Quênia, onde fez exposição na capital Nairóbi e diz ter passado um dos períodos mais felizes de sua vida. Só voltou por causa das saudades do filho Alessandro, hoje com 18 anos e cursando Educação Física:
— Gosto de regiões selvagens, longe do estresse das grandes cidades. Só ali sinto o meu espírito livre e na mais completa paz. Meu sonho sempre foi morar no interior da África, tendo como vizinhos apenas leões e elefantes. Voltei por causa do meu filho, mas agora ele já está crescido. Então, assim que eu me aposentar, me mando para lá de novo.

Perfeccionista, Quevedo conta que ficou relutante em aceitar as mudanças tecnológicas na fotografia:
— Achava que as digitais não tinham uma qualidade mínima aceitável. Hoje em dia, porém, com o avanço atingido em tempo recorde, os resultados obtidos são fantásticos e se consegue captar imagens antes impossíveis com as câmeras analógicas.

Começando a postar seu trabalho em http://www.flickr.com/photos/fernandoquevedo/, ele explica que “o site ainda é amador e tem como objetivo despertar o amor pela vida selvagem”:
— Quero que todos percebam a necessidade de proteger a natureza, para que as gerações futuras também possam usufruir dela e de seus benefícios.  


                                        Clique nas imagens para ampliá-las: