Entrevista – Franklin Martins


27/07/2006


Interesse precoce pela política  

Rodrigo Caixeta
28/07/2006

Capixaba, descendente de imigrantes portugueses e criado no Rio, Franklin Martins é filho e irmão de jornalistas e estreou cedo na imprensa, aos 15 anos, quando ainda era estudante no Colégio Pedro II. Nesta entrevista, além de recordar o início da carreira, o jornalista fala sobre a revista que lançou na década de 60 e como ajudou a reorganizar o movimento estudantil após o golpe de 64.

Franklin conta ainda o motivo que o levou a candidatar-se a um cargo político nos anos 80 e diz que a imprensa tornou-se menos partidarista na cobertura política. Comenta também a demissão da TV Globo, a ação que move contra o colunista da Veja Diogo Mainardi e a mudança para a Band.

ABI OnlineO senhor diria que sua entrada no jornalismo teve influência direta de seu pai, o também jornalista Mário Martins?
Franklin Martins — Direta, não; indireta, certamente. Afinal, criei-me num ambiente em que se lia muito jornal e se conversava permanentemente sobre os acontecimentos do País e do mundo. E meu pai, jornalista e político, era uma pessoa tão interessante e tão marcante que, até sem querer, não poderia deixar de nos influenciar. Não é à toa que cinco dos seus 11 filhos são ou, em algum momento, foram jornalistas.

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— Aos 15 anos, o senhor já era estagiário da Última Hora. Em seguida, tornou-se repórter da agência de notícias Interpress, para a qual cobria os movimentos sindicais da época. Como foi fazer esse tipo de cobertura ainda tão jovem? O interesse pela política aumentou?
Franklin — Já me interessava por política antes disso. Aos 11 anos, como representante de turma no Pedro II, votava com os comunistas. Aos 13, atuava no grêmio do colégio, considerava-me de esquerda e fazia jornaizinhos estudantis. Aos 15, participei de um curso de Jornalismo promovido pelo movimento secundarista do Rio — coisa de só uns dois meses — e, ao concluí-lo, indicaram-me para um estágio na Última Hora. Pouco depois, fui contratado como repórter iniciante na Interpress, que funcionava em Botafogo. Como o momento era de grande agitação política e o movimento sindical estava em plena efervescência, escalaram-me para cobrir as greves e assembléias de trabalhadores, que volta e meia terminavam em pancadaria. Eu ainda era um garoto e, talvez por isso, chamava a atenção no meio dos outros repórteres. Logo fui adotado pelos dirigentes sindicais, que me tratavam com carinho e respeito. Fiz boas matérias e aprendi muito sobre política. Foi uma escola fantástica.

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Como foi lançar uma revista de política e cultura voltada para os secundaristas cariocas?
Franklin — A Diálogo Estudantil falava de política, reformas de base, literatura, cinema, teatro, movimento estudantil e teve uma acolhida razoável entre a garotada da época. Impressa na gráfica do Colégio Divina Providência, no Jardim Botânico, pagava-se com publicidade. Das 40 páginas, dez foram de anúncios — entre outros, Ducal, Compactor, Petrobras, Casa Colegial, Delta-Larousse, Casa Mattos, Aliança Francesa, Yázigi e Banco Nacional. Os diretores eram o Antônio Carlos Lemgruber, José Roberto Spiegner, Ronaldo Bastos e eu. Tonico formou-se em Economia e foi Presidente do Banco Central no início da Nova República. Ronaldo é músico e poeta — quem não conhece “Amor de índio”, “Fé cega, faca amolada”, “Menino” ou “Canção do novo mundo”? Zé Roberto, que a ditadura matou em 1970, quando tinha apenas 22 anos de idade, talvez fosse o mais talentoso de todos nós. Tiramos apenas um número da Diálogo Estudantil. O segundo estava na gráfica quando veio o golpe de 64 e tivemos de repensar tudo.

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— Como foram suas passagens nas revistas Chuvisco e Manchete e a experiência de trabalhar numa agência de publicidade?
Franklin — Trabalhei na Manchete por pouco tempo e, sinceramente, a experiência não me marcou. Chuvisco valeu pela companhia: Cláudio Bueno Rocha, Paulo Henrique Amorim, Hedyl Valle Junior e meu irmão Nilo Martins. Era uma revista de picaretagem, como se dizia na época, cujo dono, de repente, chegou à conclusão de que poderia faturar mais se a transformasse numa publicação séria. A metamorfose durou pouco e deu com os burros n’água, mas foi divertidíssima.

ABI OnlineDepois do golpe de 64, o senhor ajudou a reorganizar o movimento estudantil no Colégio de Aplicação da UFRJ. De que forma o grupo se articulava com tanto cerceamento à liberdade de expressão?
Franklin — Por coincidência, deixei o Pedro II e fui para o Aplicação no comecinho de 64. Quando veio o golpe, tratamos de manter o grêmio aberto e, aos poucos, fomos reorganizando o trabalho. Fazíamos de tudo para atrair a turma: torneios esportivos, festas e excursões, shows de música, grupo de teatro, cineclube, jornal, murais, debates etc. O trabalho foi tão amplo que a direita praticamente desapareceu do mapa na escola. O grêmio transformou-se numa força viva, em que todo estudante se reconhecia e tinha espaço para se expressar e crescer. Como era de se esperar, a diretora indicada pelas novas autoridades educacionais logo tratou de cortar nossas asas. Mas aí já havíamos aprendido a voar.

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Após sua eleição para Presidente do Diretório Central dos Estudantes da UFRJ, o senhor foi preso no Congresso da União Nacional do Estudante (UNE), em Ibiúna, e esteve, atrás das grades, com Luiz Travassos, Vladimir Palmeira, José Dirceu e Antônio Ribas, também líderes estudantis. Como foi essa convivência e de que forma vocês influenciavam nos movimentos estudantis mesmo estando presos?Franklin — Já nos conhecíamos antes e a convivência foi boa. Boa em termos, porque convivência na prisão é uma coisa muito difícil. Afinal, você não escolhe com quem vai conviver e tampouco quer estar preso. Da cadeia, influenciamos pouco o movimento estudantil. Ele seguiu seus próprios caminhos, conduzido por outros líderes que estavam em liberdade.

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Quando do anúncio do AI-5 — que, em suas próprias palavras, representaria “mais ditadura dentro da ditadura” —, como foi chegar à conclusão de que não havia outro caminho senão o de enfrentar a ditadura de armas na mão?
Franklin — Não comecei o enfrentamento, apenas somei-me a ele. Muita gente na época chegou à conclusão, como eu, de que não havia mais espaço para a luta legal e de que era necessário partir para a luta armada. O raciocínio dominante na época era: a ditadura tinha vindo ao mundo pelas armas e só se mantinha de pé pelas armas; portanto, só seria derrubada pelas armas. Então, pequenos grupos passaram a tomar revólveres e metralhadoras de policiais, a assaltar bancos e carros pagadores para arrecadar fundos para financiar a revolução (as chamadas expropriações), a fazer ações de propaganda armada e a preparar o lançamento da guerrilha rural.

No entanto, essas ações, que tiveram seu auge nos anos de 1969 e 1970, não levaram à constituição de um exército revolucionário, como se imaginava. Embora contassem com a simpatia distante de boa parte da população, não abriam espaço para a participação popular e, por isso mesmo, levaram ao isolamento e à liquidação as organizações revolucionárias responsáveis por elas. Centenas de militantes foram mortos, a maioria em sessões de tortura. Milhares foram presos ou tomaram o caminho do exílio. Graças ao terrorismo de estado e ao crescimento econômico dos primeiros da década de 70, a ditadura consolidou-se momentaneamente, embora jamais tivesse logrado respaldo popular consistente e duradouro. Tanto que em 1974, apesar da repressão e do oba-oba oficial, sofreu contundente e inesperada derrota nas urnas, um sinal evidente de que a resistência popular ressurgia trilhando outros caminhos.

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O senhor se exilou em Cuba, no Chile e, mais tarde, na França, onde diz ter tido mais vontade de retornar ao Brasil. Por quê?
Franklin — Em Cuba e no Chile, nunca me senti um estrangeiro, talvez porque esses dois países, no início da década de 70, vivessem processos revolucionários e, generosa e solidariamente, recebessem de braços abertos todos os que lutavam pela liberdade e pelo socialismo. Na França, apesar da hospitalidade da esquerda, o quadro era diferente, éramos peixes fora d’água. Além disso, lá o exílio deu-se depois da derrota de Allende e coincidiu com o período em que as ditaduras militares na Argentina, no Chile, no Uruguai e no Brasil estavam na ofensiva e, para muita gente, pareciam imbatíveis. Foi uma época terrível.

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Depois de anistiado, o senhor candidatou-se a Deputado, mas não foi eleito. O que o levou a concorrer a um cargo político?
Franklin — Em 1982, com a ditadura na defensiva, buscávamos ocupar todos os espaços políticos possíveis para apressar o fim do regime militar. Fui candidato a Deputado pelo PMDB dentro dessa perspectiva, mas não levava o menor jeito para o negócio, tanto que tive uma votação muito pequena.

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Quais as principais transformações que o senhor presenciou no meio jornalístico e qual a tendência acredita que ele venha a seguir?
Franklin — Nas últimas décadas, a imprensa tornou-se menos partidarista na cobertura política, já que está obrigada pelos próprios custos da indústria da informação, cada vez mais pesados, a se dirigir a um público heterogêneo e plural. Se focar apenas num publicozinho fechado e cativo, ela quebra. Tal processo não é, porém, uma linha reta. Ao contrário, é marcado por vaivéns. E, volta e meia, alguns jornalistas e órgãos de imprensa caem na tentação de partidarizar a cobertura política; vão além de suas chinelas e querem puxar a sociedade pelo nariz, como se viu na última crise. Nossa missão não é fazer a cabeça do leitor, mas informá-lo com inteligência e respeito, para que ele possa formar sua própria opinião e participar democraticamente da vida política do País.
 

ABI Online — Após passagens por veículos como O Globo, Jornal do Brasil, SBT, Estadão e Rede Globo, onde ficou oito anos e meio. A que credita sua demissão da emissora?
Franklin — Sinceramente, não sei. É uma pergunta que deve ser feita à TV Globo. O ambiente lá sempre foi muito bom. Dirigi o Jornalismo da Globo em Brasília, uma área crítica. Participei do núcleo que dirigiu a cobertura da campanha de 2002, um momento crucial. Fiz comentários para todos os telejornais da emissora e fui o primeiro comentarista político do “Jornal nacional”. Tive o privilégio de trabalhar na GloboNews desde o seu comecinho e crescer juntamente com ela, inclusive pilotando um programa inovador e aberto, como o “Fatos & versões”. Em suma, a Globo foi uma experiência fantástica para mim e me ofereceu desafios profissionais interessantíssimos.

Durante a crise política do ano passado, porém, nossa relação, aos poucos, foi se desgastando. Sentia que meus comentários incomodavam; passou a haver uma certa tensão no ar. Em meados de março, pouco antes de sair de férias, procurei a Direção do Jornalismo e expus com franqueza minhas dúvidas sobre a conveniência de renovar o contrato, que vencia em fins de maio. Para mim, não seria bom ficar numa geladeira de luxo. Para a emissora, não valeria a pena administrar minha insatisfação, se isso viesse a ocorrer.

Disseram-me que eu estava vendo fantasmas. “Sua posição na Globo é consolidada; não existe nenhum problema com você”, resumiu a Direção da CGJ (Central Globo de Jornalismo). Três semanas depois, estou em Madri e a Veja publica a primeira coluna de calúnias contra mim. Telefonei para a Direção da Globo e me disseram que achavam a coluna uma canalhice, mas que não iam se meter no assunto. Era um problema meu, resumiram. Estranhei. Não esperava que a Globo me defendesse, mas esperava receber dela alguma solidariedade. Informei então à emissora que iria responder ao sr. Mainardi publicamente e processá-lo.
 

ABI Online — O que aconteceu em seguida?
Franklin — Quando voltei ao Brasil, duas semanas mais tarde, recebi um recado de que a Direção da CGJ queria falar comigo. No encontro, informaram-me que haviam feito uma pesquisa qualitativa e que, entre outras coisas, ela apontara que eu tinha uma imagem fraca junto aos telespectadores. Por isso, haviam voltado atrás e decidido não renovar meu contrato. Respondi que não acreditava na história e perguntei explicitamente se a decisão tinha algo a ver com as calúnias do sr. Mainardi. Garantiram que não. Não me convenceram.

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— O senhor sofreu vários ataques de Diogo Mainardi e escreveu, inclusive, o manifesto “Desafio a um difamador”. As acusações dele datam de outros tempos ou começou com a história de que o senhor teria exercido tráfico de influência junto ao governo para beneficiar sua família?
Franklin — Há algum tempo que o sr. Mainardi vinha fazendo críticas desrespeitosas ao trabalho de dezenas de jornalistas que, como eu, não pensam como ele. Enquanto ele ficou no terreno da crítica, ainda que desrespeitosa, evitei polemizar. Afinal, a crítica faz parte da democracia e cada um imprime a ela seu estilo e seu caráter. O problema deu-se quando o sr. Mainardi partiu para a calúnia. No meu caso, disse que eu fazia tráfico de influência e mantinha uma cota de cargos públicos, ocupada por minha mulher e por um de meus irmãos. Ora, minha mulher é funcionária pública há mais de 20 anos. O que há de absurdo no fato de servidores públicos trabalharem no serviço público? O absurdo seria se não trabalhassem. Meu irmão é um técnico respeitado na área de petróleo e tem a carreira profissional dele, que não tem a nada a ver com a minha. Jamais movi uma palha para que ele fosse nomeado para qualquer cargo.

Para que não pairassem dúvidas sobre meu comportamento, lancei um desafio ao sr. Mainardi: se ele apresentasse um Senador que fosse, apenas um, a quem eu tivesse pedido apoio para a indicação de meu irmão para a Agência Nacional de Petróleo, eu deixaria o jornalismo político. Caso contrário, ele pouparia os leitores da Veja de suas colunas semanais. O sr. Mainardi não fez nem uma coisa nem outra. Saiu de fininho. E lançou novas calúnias contra mim. Acusou-me de haver participado da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo. Não apresentou uma prova, uma evidência, um ponto de apoio para a afirmação estapafúrdia. Disse que tinha ouvido comentários nesse sentido. Ouvido de quem? Não se dignou a dizer. Ora, meu nome sequer aparece no volumoso inquérito da Polícia Federal que investiga o assunto. Mas isso não importa ao sr. Mainardi, porque fatos não têm a menor importância para ele. Mais um pouco, me acusará de ter incendiado Roma somente porque não rezo por sua cartilha.

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— Então o senhor entrou na Justiça contra ele.
Franklin — Entrei na Justiça com pedido de resposta à revista Veja, já que ela, numa atitude que diz muito a respeito do jornalismo que vem praticando nos últimos tempos, não publicou nem uma linha de minha carta à Redação. Além disso, estou processando o sr. Mainardi cível e criminalmente. Na Justiça, ele terá todas as oportunidades de provar que trafiquei influência ou quebrei o sigilo bancário do caseiro. Como é mais fácil um burro voar do que ele provar suas invencionices, estou seguro de que será condenado.

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O senhor já disse que, se ganhar esta ação, parte da indenização será doada à ABI. Qual a sua relação atual com a Casa do Jornalista?
Franklin — Já participei bastante das atividades da ABI, mas hoje, morando em Brasília, minha relação com a entidade é distante. Talvez a ABI esteja também distante das redações.

ABI OnlineQuando e por que o senhor decidiu escrever o livro “Jornalismo político”?
Franklin — Não foi nada muito planejado, não. A editora entrou em contato comigo, perguntou se eu topava escrever o livro e achei que seria interessante sistematizar minhas idéias sobre o assunto, idéias que, de uma forma ou de outra, eu vinha expondo em palestras e artigos soltos.

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Como o senhor avalia a corrida presidencial e a crise política vivida hoje no Brasil, em meio a tantas denúncias de corrupção e CPIs?
Franklin — O PT cometeu o gravíssimo erro político de pretender governar sem maioria política no Congresso, descartando a idéia de formar coalizões com partidos de centro, notadamente o PMDB. Em qualquer lugar do mundo, e no Brasil também, governo de minoria parlamentar acaba em crise. Foi o que aconteceu. Depois, o PT agravou o erro, transformando-o em crime, ao tentar contornar o problema comprando a adesão dos mercenários de plantão nas bancadas do PP, do PTB, do PL e do PMDB. Assim, tornou-se refém do que existia de pior no Congresso. Deu no que deu.

A crise tem um lado positivo: deixou claro que nossos sistemas eleitoral e político estão falidos e precisam ser reformados. Não dá mais para seguir em frente com o voto proporcional com listas abertas, que debilita os partidos, gera deputados que se julgam donos dos mandatos, fragmenta o quadro partidário, dificulta a formação de maiorias e impede a  fiscalização do eleitor sobre o eleito. Ou o Brasil muda seu sistema eleitoral, ou a crise da representação política se agravará ainda mais, se é que isso é possível.

Quanto às eleições presidenciais, as pesquisas mostram uma forte polarização entre Lula e Alckmin, sendo o Presidente o favorito na disputa. Mas pesquisa não é eleição. O que vale é o voto na urna.

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O senhor estreou no “Jornal da Band” em junho deste ano. Como será sua participação na programação jornalística da emissora?
Franklin — Comentarei os fatos políticos do dia no “Jornal da Band” e também participarei do “Jornal da noite”. Além disso, estarei nas rádios Bandeirantes e Band News FM e participarei do “Canal livre”, quando o coração da entrevista for um tema político. Fui muito bem recebido e está sendo um prazer trabalhar na Band, uma emissora com tradição de jornalismo e ótimos profissionais. Mudar é muito bom, especialmente quando está na hora de mudar.