Mariana, seis anos de impunidade


08/11/2021


Por Cristina Serra, conselheira da ABI. Publicado no portal da Folha de S. Paulo

Uma semana depois do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015, Aluísio Alves voltou ao povoado de Bento Rodrigues, ainda submerso pela lama de rejeito mineral. A área estava interditada, mas Aluísio não desistiria de entrar no que sobrara da casa de sua família. Tinha uma missão: resgatar um álbum de fotografias.

“Quero poder contar minha história”, suplicou Aluísio a um bombeiro. Ele acabou entrando e encontrou o álbum, no alto de um armário. O gesto de Aluísio é uma afirmação do direito à memória. É recusa ao esquecimento. Conto esse episódio a propósito dos seis anos do desastre recém-completados. A lama matou 19 pessoas e soterrou três povoados. Envenenou o rio Doce, espalhou dor e devastação ao longo de 660 km. Atingiu 38 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo.

E o que fizeram a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP? Em acordo com o governo federal e os dois governos estaduais, criaram, em 2016, uma fundação para tocar o processo de reparação, sem mediação da justiça. Ou seja, o poder público simplesmente se omitiu diante do poder de duas das maiores corporações globais da mineração.

A fundação embute uma lógica perversa ao obrigar as vítimas a negociar com seus algozes. Não tinha como dar certo. O resultado é que, até hoje, as empresas que esburacam o subsolo para extrair a riqueza mineral não foram capazes de erguer três pequenos vilarejos. A maioria dos atingidos não recebeu suas indenizações e as demandas acabaram sendo judicializadas.

No processo criminal, a defesa dos réus achou os caminhos para anular a acusação de homicídio doloso. O caso de Mariana é um encadeamento de violências contra a população pobre e contra o meio ambiente. Permitir que caia no esquecimento seria como esmagá-los uma segunda vez sob toneladas de descaso e impunidade.

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Foto: domtotal.com