A SAGA DA Petrobrás, DA REVOLUÇÃO DE 30 AOS DIAS DO PRÉ-SAL – Capítulo 3


19/11/2019


Cap. 3 / 1931

A REVOLUÇÃO DE 30 PÕE O PETRÓLEO

SOB CONTROLE DO GOVERNO FEDERAL

 

A história da Petrobrás começou, de fato, com o triunfo da Revolução de 30 e a chegada de Getúlio à Presidência da República, com o título de Chefe de seu Governo Provisório.

Enquanto ganhava algum tempo para fortalecer-se na questão da siderurgia, o Governo Provisório cuidava também da questão do petróleo. Até aquele momento – apesar de uma luta de décadas em todo o mundo pelo controle de reservas e mercados petrolíferos, e de guerras, revoluções e golpes de estado em vários lugares, inclusive na América Latina (caso do México, mergulhado numa revolução interminável, iniciada em 1910) – até aquele momento o governo brasileiro não interviera na questão do petróleo e os governos estaduais podiam outorgar e outorgavam sem qualquer controle ou critério grandes concessões a grupos estrangeiros.

A Royal Dutch Shell, por exemplo, atuava no Brasil desde 1921, dispondo de enormes áreas de concessão que obtivera por meio de uma subsidiária, a Companhia Brasileira de Petróleo. A Standard Oil, futura Exxon, tinha como intermediária a Companhia Geral de Petróleo Pan-Brasileira. Só em 1921, no governo do Presidente Epitácio Pessoa, as duas tinham assinado cerca de 120 contratos de concessão, contratos outorgados pelos governos estaduais sem que o governo federal considerasse necessário ao menos preocupar-se com isso.

Em 1927, o deputado Ildefonso Simões Lopes, do Rio Grande do Sul, fizera um discurso de grande impacto na Câmara, denunciando o perigo dessas concessões descontroladas. O Estado do Amazonas, o de maior extensão territorial no Brasil, concedera grande parte de seu território a empresas petrolíferas. Das seis fatias em que fora dividido o Estado, quatro estavam em poder de testas de ferro da Standard Oil.

Em julho de 1931, Getúlio tomou a primeira de uma série de decisões que se prolongariam até sua morte, em 1954, e foram determinantes nos acontecimentos de sua vida e do país – a começar por um decreto que suprimia a prerrogativa até então exercida sem qualquer controle pelos governos estaduais, de outorgar concessões a quem quer que fosse para a exploração de reservas de petróleo. Pelo decreto de julho de 1931, qualquer concessão ou simples autorização de pesquisa e prospecção passava a depender da concordância do governo federal.

Ainda não era a definição de uma política petrolífera completa, mas já era a adoção de um critério válido para todo o país – um critério nacionalista. Enquanto não se discutia e decidia o regime da indústria do petróleo no Brasil, acabava-se, pelo menos, com a farra das concessões, que retalhavam o território dos Estados.

O decreto de julho de 1931 colocou sob controle do governo federal todas as futuras concessões e também, em grande medida, as que já tinham sido outorgadas pelos Estados. Só assim seria possível inventariar as possibilidades da indústria petrolífera no Brasil e discutir seu futuro e definitivo regime.

A questão do petróleo seria objeto, no primeiro governo Vargas, de novas e importantíssimas decisões em 1934 e 1938, e no seu segundo governo figuraria como uma de suas prioridades, com a criação da Petrobrás. No caso do petróleo, naquele momento, o governo provisório de Getúlio não tinha como ir além dessa primeira medida de controle. No caso da siderurgia, outra de suas prioridades, para acabar com a coação da história que condenava o Brasil a importar, muito caros, produtos siderúrgicos elaborados com o minério bruto muito barato que exportava, nesse caso, sim, ele devia manter-se na ofensiva, tomando sempre a iniciativa.

O Brasil não tinha condições de financiar as pesquisas e a construção de refinarias, ponto de partida de uma indústria petrolífera – até por não ter certeza da quantidade e da possibilidade de extração do petróleo  ainda não descoberto em seu território. Mas sabia, com alguns números indiscutíveis, do volume de suas reservas de ferro e das necessidades de seu mercado em matéria de produtos siderúrgicos. Iniciar uma indústria siderúrgica estava ao alcance do governo brasileiro, ainda que dependesse da contribuição de capitais e empréstimos externos.

Depois de implantada a indústria do aço é que chegaria o momento de tomar iniciativas para a criação e o desenvolvimento de uma indústria petrolífera vinculada aos interesses brasileiros e não ao interesse dos grandes grupos internacionais.

Em 1933, Getúlio realizara eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte que restabeleceria a legalidade constitucional depois de três anos e meio do governo provisório da Revolução de 1930. A Constituinte encerrou seu trabalho em julho de 1934, promulgando uma Constituição que foi um grande avanço em relação às nossas constituições anteriores: a do Império, outorgada em 1824, e a da primeira República, votada em 1891.

A Constituição de 1934 transformara em norma constitucional os princípios fundamentais das leis trabalhistas de Getúlio, conferira proteção constitucional a algumas das diretrizes de sua política econômica nacionalista e definira uma ordem econômica inspirada pela ideia da função social da propriedade e, portanto, da justiça social. Na prática, essa ordem econômica poderia revelar-se ilusória, total ou parcialmente, mas era muito mais generosa que o individualismo escravista-capitalista da Constituição do Império e da Constituição da República Velha.

A Constituição de 1934 fora também um avanço em matéria política e eleitoral. Ela aprovara e com isso tornara definitivas conquistas como o voto feminino, o voto secreto e a Justiça Eleitoral. Ao mesmo tempo, ela criava obstáculos consideráveis à ação do governo.

Exemplo indiscutível disso era o fato de, menos de uma semana antes da promulgação da Constituição, o governo ter adotado por decreto uma das leis mais importantes do ciclo da Revolução de 1930, em cuja rápida aprovação pelo futuro Congresso não podia ter maiores esperanças: o Código de Minas, que separava a propriedade do solo da propriedade do subsolo e transferia esta última à União, ao patrimônio público federal.

Foi esse Código de Minas, decretado ainda com base nos poderes discricionários do governo provisório da Revolução de 30, que permitiu as medidas nacionalistas adotadas em seguida por Getúlio, na linha das que vinha decretando desde 1930, para proteger nossas reservas de ferro e petróleo e desenvolver as respectivas indústrias.

A Constituição de 1934 não criava qualquer obstáculo às regras do Código de Minas, assim como não os criava em relação a outros grandes eixos da política econômica nacionalista do governo provisório – fosse em relação ao petróleo ou às outras riquezas minerais do país. Sem querer, porém, e contra o propósito de seus capítulos relativos à ordem econômica e social do país, ela restaurava em grande medida os poderes de que os Estados dispunham antes da Revolução de 30 e, assim, devolvia às oligarquias regionais grande parte dos privilégios suprimidos pela revolução.

Além disso, estabelecia mecanismos tão complicados de funcionamento dos poderes constitucionais – em particular no relacionamento entre o governo e o Congresso – que tolhia enormemente a ação do governo. Isso significava que as oligarquias estaduais e maiorias ocasionais no Congresso poderiam imobilizar o governo, tolher o avanço econômico e social que a própria Constituição consagrava, e até mesmo empreender movimentos de retrocesso em relação a medidas da Revolução de 1930.

O Código de Minas impediu que a questão do petróleo voltasse ao regime anterior à Revolução de 1930, com os governos estaduais outorgando concessões a torto e a direito. Agora caberia ao governo federal controlar o petróleo brasileiro, se e quando fosse achado. O regime da Constituição de 1934 durou pouco, atropelado pelo advento do Estado Novo, em novembro de 1937.