Ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra morre aos
83 anos, em Brasília


Por Cláudia Souza*

16/10/2015


Ustra em depoimento à CNV em maio de 2014 (Foto: Dida Sampaio/Estadão)

Ustra em depoimento à CNV em maio de 2014 (Foto: Dida Sampaio/Estadão)

Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército, morreu na madrugada nesta quinta-feira, dia 15, no Hospital Santa Helena, em Brasília, com quadro de falência múltipla de órgãos decorrente de severa pneumonia. Em 23 de abril último ele havia sido encaminhado à UTI do Hospital das Forças Armadas (HFA) com suspeita de infarto, após um mal-estar.

Acusado de comandar sessões de tortura, Ustra chefiou de 29 de setembro de 1970 a 23 de janeiro de 1974, o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna – DOI-Codi, do II Exército de São Paulo, o maior órgão de repressão durante a ditadura militar (1964-1985).

No local foram registradas ao menos 45 mortes e desaparecimentos forçados, de acordo com relatório elaborado pela Comissão Nacional da Verdade(CNV), que apurou casos de tortura e desaparecimento de presos políticos durante os governos militares. Um levantamento do projeto “Brasil: Nunca Mais” aponta 502 casos de tortura no DOI-Codi no período em que o órgão esteve sob o comando do coronel.

Em 1975, nas dependências do DOI-Codi de São Paulo ocorreu a morte jornalista Vladimir Herzog. As autoridades militares justificaram o caso como suicídio a partir de uma fotografia falsificada e de um laudo assinado pelo legista Harry Shibata. Menos de um ano depois, foi morto no local, nas mesmas circunstâncias, o militante Manoel Fiel Filho. O legista Harry Shibata atestou a morte como suicídio.

Processos

Ustra foi o primeiro militar brasileiro a responder por um processo de tortura durante a ditadura (1964-1985). Na ação, os ex-presos políticos César Augusto Teles, Maria Amélia de Almeida Teles, Janaína de Almeida Teles, Edson Luis de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida acusaram o coronel de exercitar violência e crueldade contra prisioneiros ao longo da década de 70.

O ex-coronel do Exército negava as acusações de agir com violência contra os presos. “Nunca torturei ninguém. Está nos jornais escrito que sou acusado de 502 acusações de tortura. (…) Excessos em toda guerra existem, podem ter existido, mas a prática de tortura, como eles falam, não ocorreu. Efetivamente não cometi excesso contra ninguém”, afirmou Ustra.

Em outubro de 2008, o juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível Central, em São Paulo, julgou procedente o pedido dos autores da ação, que buscava que a Justiça apontasse Ustra como responsável por crimes de tortura.

Em 2012, Ustra foi condenado a pagar indenização por danos morais à mulher e à irmã do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em julho de 1971. Merlino foi preso em 15 de julho de 1971, em Santos, no litoral de São Paulo, quando visitava a família. Ele foi morto quatro dias depois. A versão oficial dos agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) foi a de que o jornalista havia se suicidado enquanto estava sendo transportado para o Rio Grande do Sul.

Em 2013, o militar reformado foi convocado a depor na Comissão Nacional da Verdade (CNV). Na ocasião disse  que a presidente Dilma Rousseff participou de “organizações terroristas” para implantar o comunismo no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. Segundo Ustra, se os militares não tivessem lutado, o Brasil estaria sob uma “ditadura do proletariado”.

Lei da Anistia

O ex-coronel recorreu ao STF alegando que a Lei da Anistia, de 1979, impede que seja condenado por atos ocorridos até aquele ano. A defesa lembrou ainda decisão do STF que, em 2010, por sete votos a dois, se posicionou de forma contrária à revisão da Lei da Anistia.

Em abril último a ação foi suspensa por liminar concedida pela ministra Rosa Weber, relatora da reclamação do coronel no STF. O mérito do pedido é saber se o crime de sequestro está abrangido ou não pela Lei da Anistia. A ministra apontou que o assunto é objeto de dois processos que ainda devem ser julgados pelo plenário: os embargos declaratórios nas ADPFs 153 e 320. “As decisões a serem exaradas nas ADPFs repercutirão diretamente no deslinde da ação penal de origem, pois possuem eficácia contra todos e efeito vinculante”, ressalta a ministra.

Em junho o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a retomada da ação penal contra Ustra por suposto sequestro e cárcere privado do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, que desapareceu em 1974 após ser preso por outros militares. Janot afirmou que não vê prejuízo na retomada “especialmente diante do fato de que o sequestro ocorreu no ano de 1971 e que diversas testemunhas, inclusive os imputados, se encontram com avançada idade”.

Repressão

O DOI-Codi surgiu a partir da Operação Bandeirante(Oban), criada em 2 de julho de 1969, em São Paulo, com o objetivo de coordenar e integrar as ações dos órgãos de repressão a indivíduos, organizações, grupos da esquerda armada que supostamente representassem ameaça à manutenção da ditadura. Em setembro de 1970, foram criados o Destacamento de Operações e de Informações (DOI), responsável pelas ações práticas de busca, apreensão e interrogatório de suspeitos, e o Centro de Operações de Defesa Interna (Codi), cujas funções abrangiam a análise de informações, a coordenação dos diversos órgãos militares e o planejamento estratégico do combate aos grupos de esquerda. Embora fossem dois órgãos distintos, eram frequentemente associados na sigla DOI-Codi, o que refletia o caráter complementar dos dois órgãos que eram subordinados ao Exército.

O relatório final da CNV apontou 377 pessoas, entre as quais o ex-coronel Ustra, como responsáveis diretas ou indiretas pela prática de tortura e assassinatos durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985. Leia o lista no link abaixo:

LISTA DOS RESPONSÁVEIS PELOS CRIMES NA DITADURA

Fonte: O Globo/G1