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47 anos do golpe que assassinou Salvador Allende


11/09/2020


Salvador Allende, presidente do Chile de 1970 a 1973. Fonte: wikipedia

Completam-se 47 anos do golpe que assassinou Salvador Allende

Cid Benjamin, vice-presidente da ABI

Hoje completam-se  47 anos do golpe militar que assassinou Salvador Allende e pôs no poder o general Pinochet, dando início a um longo período de uma sangrenta ditadura militar naquele país.

Como acontece a cada ano, esse aniversário me toca fundo.

Em 1973 eu estava em Santiago. Depois de ter sido libertado da prisão três anos antes, trocado, juntamente com outros 39 presos políticos, pelo embaixador alemão sequestrado pela guerrilha, tinha ingressado no Chile com documentos falsos. Seria uma escala para retornar ao Brasil e me reintegrar à resistência contra a ditadura militar.

Assim, o dia 11 de setembro de 1973 foi um dos mais tristes da minha vida.

Tenho um vínculo especial com o Chile. Minha filha nasceu lá. Posteriormente, exilado na Suécia, me casei com uma chilena, com quem regressei ao Brasil depois da anistia, em 1979. Tenho um filho com ela.

Reproduzo, abaixo, o trecho do meu livro de memórias – “Gracias a la vida” – em que falo desse dia fatídico.

“No dia 11 de setembro, veio o golpe, que, em seu momento inicial, talvez tenha sido o mais violento dentre todos os acontecidos na América Latina.

“Na ocasião, já estávamos há poucas semanas, eu, Isolde e Ani, em outra casa, melhor do que o apartamento em que, até então, tínhamos morado. No dia do golpe, saí cedo para uma reunião política com brasileiros. Na rua, senti um clima estranho. E havia grande movimento de helicópteros e aviões. Perguntei a um transeunte se tinha acontecido algo.

“Los milicos se alzaran”, foi a resposta.

“Voltei para casa e avisei Isolde, pedindo para ela preparar as coisas para o caso de termos que sair abruptamente. Já não havia quase ônibus. Pegando carona e caminhando comecei a me deslocar pela cidade, àquela altura repleta de veículos militares com soldados. Contatei militantes chilenos que conhecia, mas eles estavam desorientados. Os esquemas de resistência dos partidos de esquerda se baseavam, em grande medida, nas emissoras de rádio de que cada um deles dispunha. Mas todas receberam um ultimato dos militares para que entrassem em cadeia com uma emissora já ocupada por eles. Ainda assim, uma delas, a Rádio Magallanes, transmitiu o último discurso de Allende, feito quando o Palácio de La Moneda estava sendo bombardeado pela Força Aérea. Esse discurso é uma peça histórica. Não o escutei no dia, mas me emociono com a inteireza política, a lucidez e a coragem demonstrada pelo presidente chileno cada vez que o ouço, mesmo anos depois.

Capa do JB: Censura proibiu fotos ou manchetes sobre o golpe

“A Allende foi oferecida pelos golpistas a alternativa de seguir para o exílio, levando consigo todas as pessoas que desejasse, sem limite de número. Era uma tentativa de, além de pôr fim à experiência da Unidade Popular, desmoralizar seu líder máximo.

“Allende recusou a proposta. Teve a compreensão de seu papel histórico. Percebeu que não tinha o direito de render-se para poupar a sua vida e as de pessoas próximas, deixando o povo chileno entregue à sanha dos golpistas. Morreu de fuzil em punho no Palácio de La Moneda.

“Andando nas ruas para um lado e outro, em busca de contatos com militantes de esquerda que conhecia, tentei, ainda, chegar aos cordões industriais, o conjunto de fábricas na periferia de Santiago. Lá eu conhecia ativistas que tinham forte liderança. Mas a região já estava sendo cercada por forças do Exército.

“Dei meia volta e comecei uma caminhada para casa. Ela duraria umas boas duas ou três horas. Presenciei, então, uma das cenas mais tristes de toda a minha vida: centenas de trabalhadores andando cabisbaixos, em fila indiana, muitos com marmitas nas mãos, depois de deixar as fábricas, e sendo monitorados por soldados do Exército armados de fuzis. A derrota estava estampada no rosto de cada um deles. Tive vontade de chorar.

“Pouco depois encontrei por acaso Sérgio de Castro Lopes, um brasileiro que vivia legalmente no Chile. Ele era filho de Valdecir, o amigo do meu pai que tinha arcado com as despesas do parto da Isolde. Sérgio estava de carro e me deu uma informação fundamental: a partir das 14h, mais ou menos duas horas depois, entraria em vigor o toque de recolher. Quem estivesse nas ruas seria preso.

“Fez mais: ofereceu-se para me dar carona até a minha casa e, depois, me levar, com Isolde e Ani, para a residência de uns amigos ingleses. Seria um lugar muito mais seguro. Aceitei de bom grado. Para não despertar suspeitas, fomos só com a roupa do corpo e as fraldas e mamadeiras da Ani para a casa dos ingleses. Eles moravam num local amplo, com um vasto quintal arborizado e nos receberam muito bem. Ficamos lá uns dois dias. Nesse meio tempo, nos intervalos do toque de recolher, saí umas duas ou três vezes para encontrar conhecidos brasileiros e chilenos, mas ninguém tinha a mínima ideia de como resistir.

“Diante disso, consideramos inútil continuar no Chile. O casal de ingleses nos levou de carro à porta da Embaixada do México, a mais próxima de onde estávamos, onde nos refugiamos. Depois soubemos que a casa em que morávamos tinha sido invadida e saqueada pelo Exército.

“Tivemos muita sorte. Primeiro, por eu ter encontrado Sérgio – pessoa extremamente amiga e solidária – que me trouxe a informação preciosa sobre o toque de recolher, me deu carona e nos conseguiu guarida com o casal de ingleses. Mas também porque minutos depois de termos entrado, sem problemas, na Embaixada do México, ela foi cercada por carabineiros.

“Passamos uns 20 dias na embaixada. Havia cerca de 200 pessoas na casa, que era grande, mas sem capacidade para receber tanta gente. As janelas tinham que ficar permanentemente fechadas, para evitar o risco de franco-atiradores, que já haviam assassinado com um tiro de fuzil uma refugiada que estava no gramado da Embaixada da Itália.

“O embaixador e os diplomatas mexicanos se esmeravam, mas tinham dificuldades para receber e alimentar tanta gente. Na casa, nos revezávamos para dormir, porque não havia lugar para todo mundo deitar, mesmo no chão. Os banheiros não davam conta da quantidade de gente e, logo, os vasos sanitários começaram a entupir. Muitas crianças passaram a ter diarreia. Foi uma situação difícil. Mas, pelo menos, estávamos a salvo da barbárie que se instalou naquele lindo país – na época o mais politizado da América do Sul.

“As dificuldades não eram só de ordem material. Como era natural, os chilenos estavam, ainda, mais tocados do que os estrangeiros com a derrota. Na embaixada, algumas discussões entre partidários da PC, adeptos da estratégia desenvolvida por Allende e a Unidade Popular, e militantes do MIR, defensores da inevitabilidade de um enfrentamento armado no caminho para o socialismo, não ajudavam muito naquela situação.

“Como tínhamos criança pequena, fomos escalados para seguir rumo ao México no primeiro vôo de refugiados a deixar a embaixada.

“Viajei de coração partido. Criara vínculos afetivos com o Chile e antevia dias muito difíceis para aquele povo acolhedor e generoso.”

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Allende vive 

Por Vera Saavedra Durão, jornalista

No dia 11 de setembro de 1973, eu e Jorge estávamos no nosso apartamento, na rua Álvaro Chaves, em Laranjeiras, para onde tínhamos acabado de mudar, quando ouvimos pela rádio JB a notícia do golpe militar no Chile. O Palácio de La Moneda estava sendo bombardeado. Logo em seguida veio a informação da morte/ suicídio do Presidente Salvador Allende. Nós abraçamos e choramos muito. Nossas esperanças de um mundo melhor estavam se esvaindo e um aperto e tristeza profunda tomou conta de nossos corações.

Havíamos deixado há pouco a prisão, onde amargamos por mais de dois anos as agruras dos subterrâneos da Ditadura Militar. E agora, as expectativas de termos um governo popular democrático na América Latina terminava em tragédia.

O golpe no Chile sinalizava q o cerco se fechava no Continente.

Em junho de 1973 houve o golpe militar no Uruguai, onde os Tupamaros foram presos e muitos deles mortos. Em 1976, ocorreu o golpe na Argentina, com a derrubada do governo de Isabelita Perón, q já era um governo de direita.

O cone Sul estava tomado pelas ditaduras militares. Muitos brasileiros, companheiros nossos, ainda estavam presos, outros desaparecidos, outros mortos. O clima era de terror.

Eu já trabalhava na Folha de São Paulo, em 1978, pois não fui contratada pelo O Globo por ter processo na Justiça Militar. Na época, minha filha Mariana nasceu. Ao tê-la em meus braços, ainda na sala de parto, lágrimas me vieram aos olhos, pois meu pensamento foi para Zuzu Angel. Naquele instante, em que eu acabara de ser mãe, eu entendi porque ela dedicara sua vida a busca do filho Stuart Angel, barbaramente assassinado pela Ditadura.

Neste período, já operava a operação Condor, uma aliança dos Ditadores do Cone Sul, incluindo o Brasil, para capturar e matar revolucionários. A ponta do Iceberg foi revelada pela coragem de jornalistas gaúchos que descobriram Lilian Celiberti e Universindo Diaz presos num apartamento, em Porto Alegre, pelo braço da repressão gaúcha, para serem remetidos a Montevidéu.

Na mesma época tive a notícia do suicídio da minha amiga e companheira querida, Dodora, em Berlim. Ela perdera as esperanças de voltar para o Brasil.

Também, quando estávamos começando a luta pela Anistia, no Comitê Brasileiro pela Anistia, comandado aqui no Rio pela inesquecível Iramaya, mãe do Cid Benjamin, o MEP foi perseguido. Tive uma irmã e seu marido presos, na ocasião, porque foram visitar uma outra irmã minha, Neuza, que morava com um militante do MEP. Beatriz e seu marido, que era chileno, ficaram três dias no DOPS.

As histórias dos tempos tenebrosos que vivemos, que tinham como pano de fundo a Guerra Fria e a Revolução Cubana (que embalou nossos sonhos libertários da juventude, iluminados pela figura heróica de Che Guevara), foram soterrados pelos militares do arbítrio. Acredito, porém, que não foram em vão. Que, assim como Fênix, nossa batalha por um mundo melhor, mais justo e feliz, irá, num futuro próximo, ressurgir das cinzas dos nossos mortos!

Allende vive!

Assista no Youtube ao discurso histórico de Salvador Allende